Imagem: Gabriela Biló/Folhapress
Pelo menos dez manifestantes, condenados ou investigados por participarem dos ataques às sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro do ano passado, quebraram suas tornozeleiras eletrônicas e fugiram do Brasil.
Um levantamento realizado pelo UOL revelou que pelo menos 51 pessoas suspeitas de envolvimento em atos após as eleições presidenciais de 2022 têm mandados de prisão em aberto ou fugiram após danificar as tornozeleiras eletrônicas.
Entre essas pessoas, a reportagem identificou dez indivíduos que escaparam para o exterior neste ano, atravessando as fronteiras de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, com destinos na Argentina e no Uruguai. Sete dos fugitivos já foram condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a mais de dez anos de prisão por sua participação na tentativa de suposto golpe de Estado em 8 de janeiro.
Seis dos dez fugitivos são mulheres, e a maioria é originária dos estados do Paraná, Santa Catarina, São Paulo e Minas Gerais, com uma idade média de 50 anos. O levantamento foi realizado com base em registros do STF e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), como ordens de prisão, além de entrevistas com parentes, investigadores, amigos e advogados.
Um dos fugitivos, que se autodenomina exilado político, utiliza redes sociais para fazer campanha visando financiar sua permanência no exterior. O pedreiro Daniel Bressan tenta vender produtos e até lançou uma rifa de um Fiat Uno 2015.
As polícias civis de Santa Catarina e Rio Grande do Sul afirmaram que não foram solicitadas a realizar buscas pelos fugitivos, enquanto a Polícia Civil do Paraná não se pronunciou sobre o assunto. Os órgãos responsáveis pela administração penitenciária do Paraná e de Santa Catarina se recusaram a divulgar quantos investigados quebraram tornozeleiras ou fugiram desde o ano passado.
Procurados, o STF e a Polícia Federal não emitiram comentários sobre as buscas. Não há alertas públicos da Interpol pelos fugitivos. Os advogados dos investigados e réus negam qualquer envolvimento de seus clientes na depredação de prédios públicos ou na tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro. Alguns alegaram que estavam nos prédios dos Três Poderes apenas para se protegerem de bombas lançadas por agentes de segurança.
Pelo menos um dos fugitivos afirma ter solicitado asilo político na Argentina. As assessorias dos ministérios do Interior e das Relações Exteriores argentinos informaram ao UOL que não divulgariam informações sobre quem entrou no país ou quem solicitou asilo, pois se trata de dados pessoais.
De acordo com as leis brasileiras, a destruição da tornozeleira e a fuga não aumentam a punição, mas o fugitivo perde o direito ao regime aberto e retorna ao regime semiaberto ou fechado. Por outro lado, facilitar a fuga é considerado crime e pode resultar em uma pena de seis meses a dois anos de detenção.
Quem são os fugitivos
Ângelo Sotero, músico, 59 anos, de Blumenau (SC)Continua após a publicidade
Foi condenado a 15 anos e meio de prisão por tentativa de golpe de Estado e associação criminosa armada no 8 de Janeiro.
Em depoimento, Sotero disse “ter tomado conhecimento que seria preso quando estava no Palácio do Planalto, depois de um certo tempo sentado, orando”.
Meses após a prisão, ele foi solto com uso de tornozeleira. Há cerca de um mês, quebrou o equipamento e fugiu, segundo o advogado dele, Hemerson Barbosa.
Fontes ouvidas pelo UOL dizem que Sotero se juntou a um grupo de dez bolsonaristas e chegou à Argentina por meio da fronteira de Dionísio Cerqueira (SC).
Embora afirme não ter incentivado a fuga, o defensor diz apoiá-la. Ele nega saber o paradeiro do cliente.Continua após a publicidade
É um julgamento político. Se eu estivesse no lugar dele, eu faria a mesma coisa. Não cumpriria ordem do Alexandre de Moraes
Hemerson Barbosa, advogado de Ângelo Sotero
Gilberto Ackermann, corretor de seguros, 50 anos, de Balneário Camboriú (SC)
Ele pegou 16 anos de prisão por participar do 8 de Janeiro invadindo o Palácio do Planalto. Foi condenado por tentar um golpe de Estado e por deterioração do patrimônio tombado, entre outros crimes. Ele nega ter quebrado objetos no local.
A cunhada e advogada dele, Fabíola Paula Beê, diz que ele fugiu em 25 de abril e que a família não sabe para onde ele foi.
Às 18h35 daquele dia, a 1ª Vara Criminal de Camboriú ordenou que o STF fosse comunicado “com urgência” de que sua tornozeleira parou de funcionar e que ele não atendeu aos telefonemas da central de monitoramento. A informação só chegou ao STF quatro dias depois em um malote digital do Judiciário.Continua após a publicidade
Segundo investigadores, Ackermann faz parte do mesmo grupo que fugiu para a Argentina com o músico Ângelo Sotero.
A defensora tenta recursos no STF. “O conjunto probatório deixa claro que o réu não tentou obstruir os Poderes e muito menos tentou dar golpe de Estado, visto que não teria poderes para isso”, afirmou ela, em uma das peças da defesa.
Raquel de Souza Lopes, 51 anos, de Joinville (SC)
A PGR (Procuradoria-Geral da República) diz que ela destruiu bens. Raquel nega.
Em abril, ela fugiu para a Argentina, segundo investigadores e testemunhas ouvidas pelo UOL.
O filho dela, Acenil Francisco Júnior, diz não ter informações sobre a mãe ou sobre a fuga. “Faz tempo que não tenho notícia dela. Não sei dizer.”Continua após a publicidade
A defesa, que também diz ignorar o paradeiro de Raquel, tenta recursos no STF.
Luiz Fernandes Venâncio, empresário, 50 anos, de São Paulo (SP)
Ele é réu em ação penal no STF pelos ataques golpistas do 8 de Janeiro.
Em vídeo gravado na Argentina, ele relata que fugiu do Brasil e que pediu asilo ao governo de Javier Milei, aliado de Jair Bolsonaro (PL). O advogado Cláudio Caivano diz que Venâncio aguarda audiência sobre um pedido de asilo.
Segundo Caivano, Venâncio estava na Praça dos Três Poderes, mas não invadiu nem depredou nenhum prédio.
Preso no dia seguinte aos ataques, ele conseguiu deixar a cadeia após obter liberdade condicional. No início deste ano, Venâncio saiu da área permitida para uso da tornozeleira. Questionado, pediu ampliação da área até Guarulhos (SP), para poder trabalhar.Continua após a publicidade
A PGR pediu sua prisão, e o mandado foi expedido em 21 de março. A família e o advogado estimam que ele fugiu entre 1º e 20 de março.
No vídeo, Venâncio aparece em frente à Casa Rosada, sede do governo argentino, em Buenos Aires.
“Nós já entramos com processo para fazer a solicitação para que a gente obtenha nosso asilo político. Já fomos muito bem recebidos. Nós sabemos o quanto foi sofrido esse um ano com essa tornozeleira nos pés e a expectativa frustrada de alguns políticos. Eles colocaram isso no nosso pé e nós ficamos calados. Poucos foram os que [se] rebelaram”, afirmou o fugitivo.
A defesa dele reclama da falta de acesso ao inquérito que gerou a ação penal. Caivano reclama que as exigências de Moraes são muito severas em comparação com outros presos. “Uma pessoa não pode trabalhar, e aí é exarado mandado de prisão por descumprir cautelares”, critica o defensor.
Flávia Cordeiro Magalhães Soares, empresária, 47 anos
Ela responde a investigações relacionadas a ataques contra o resultado das eleições de 2022. Segundo Alexandre de Moraes, Flávia “se utiliza de passaporte internacional para ingressar e sair do país sem se submeter às autoridades nacionais”.
Flávia está foragida pelo menos desde o início de fevereiro, segundo indica o mandado de prisão em aberto. Ela teve uma conta em rede social derrubada e faz parte de um movimento de direita chamado “Yes Brazil”.
Em vídeo de dezembro, ela afirmou possuir cidadania norte-americana e que só a usa porque “o Brasil está uma ditadura muito grande”.
Flávia também contou ter sido abordada pela Polícia Federal no aeroporto de Recife. Segundo ela, um policial disse que ela foi acusada de falsificar passaportes: “Ele [Alexandre de Moraes] é o Deus do Brasil”, criticou.
O UOL não localizou os advogados dela.
Alethea Verusca Soares, 49 anos, de São José dos Campos (SP)Continua após a publicidade
Foi condenada pelo STF a 17 anos de prisão por tentar um golpe de Estado, deterioração do patrimônio tombado e associação criminosa armada.
Ela entrou no Palácio do Planalto durante os atos golpistas. Em depoimento, Alethea disse que seu objetivo era conseguir “mais transparência acerca de como ocorreram as votações e segurança das urnas eletrônicas”.
Alethea nega depredações. Afirmou ter entrado no Palácio do Planalto porque “havia muitas bombas, e estava passando mal, chegando a vomitar numa lixeira”.
Ela foi presa, mas conseguiu a liberdade com uso de tornozeleira. No início de janeiro, Alethea fugiu para o Uruguai pela fronteira de Santana do Livramento (RS).
“A Polícia Federal noticiou, nos presentes autos, a evasão da ré para o Uruguai, destino provavelmente escolhido como decorrência do fato de que a maior parte da fronteira do Brasil com esse Estado soberano é seca, com cidades gêmeas, separadas por apenas uma rua, dificultando o registro da sua saída do território nacional”, relatou a corporação, de acordo com o mandado de prisão.Continua após a publicidade
Por causa da fuga, o STF ordenou o bloqueio de suas contas bancárias. Do Uruguai, ela entrou na Argentina em 12 de abril, segundo uma fonte relatou ao UOL. A defesa dela não quis prestar esclarecimentos à reportagem.
Rosana Maciel Gomes, 50 anos, de Goiânia (GO)
Foi condenada a 14 anos de prisão por tentar um golpe de Estado e dano qualificado, entre outros crimes.
A PGR diz que ela participou de atos de depredação no 8 de Janeiro. Rosana nega, alegando que entrou no Palácio do Planalto porque helicópteros lançavam bombas de gás.
Ela foi presa e, depois, solta em liberdade condicional com tornozeleira.Está foragida desde 15 de janeiro, quando não compareceu ao juízo.Continua após a publicidade
Ela fugiu para o Uruguai por meio da fronteira em Santana do Livramento (RS), a 2.145 km de seu endereço. De lá, chegou à Argentina.
O UOL apurou que ela entrou na Argentina em 12 de abril. Por causa da fuga, o STF confiscou suas contas bancárias. A defesa de Rosana não quis prestar esclarecimentos à reportagem.
Jupira Silvana da Cruz Rodrigues, 58 anos, de Betim (MG)
Foi condenada em setembro a 14 anos de prisão por tentar um golpe de Estado, deterioração de patrimônio tombado e associação criminosa. Jupira entrou no Palácio do Planalto, mas nega a acusação do MPF (MInistério Público Federal) de quebrar vidros e objetos.
Ela fugiu para o Uruguai em janeiro deste ano. Para isso, Jupira usou a fronteira seca de Santana do Livramento (RS), segundo a PF.Continua após a publicidade
A defesa de Jupira não prestou esclarecimentos à reportagem.
Daniel Luciano Bressan, pedreiro e vendedor, 37 anos, de Jussara (PR)
Réu em ação penal, ele foi acusado pela PGR de participar dos ataques golpistas do 8 de Janeiro. Daniel nega ter entrado no Palácio do Planalto.
Laudo da PF que comparou imagens de Bressan às de uma pessoa que estava no prédio afirma que apenas a orelha do fugitivo se assemelha às imagens das câmeras de segurança. O advogado dele, Ezequiel Silveira, vai apresentar a defesa contra a denúncia nos próximos dias.
Segundo seus familiares, Bressan estava com dificuldade de trabalhar e resolveu sair do país. Thiago Elord, primo dele, diz não saber seu paradeiro. “Ele teve que se exilar para não ser preso”, disse. “Vai pegar cadeia de novo por não ter feito nada, só por se manifestar? Ele ficou 65 dias na [penitenciária da] Papuda.”Continua após a publicidade
Fontes ouvidas pelo UOL dizem que ele fugiu para a Argentina. Em 24 de abril, Bressan disse em vídeo, publicado em rede social, que estava no exterior “devidamente documentado”. Em outro vídeo divulgado quatro dias depois, ele divulga a venda de “pulseiras patriotas” para financiar fugitivos no exterior.
“Sou um preso político e, neste momento, um exilado político”, afirmou ele no vídeo em que oferece sua conta bancária no Brasil para receber as vendas. “Aqui no exílio não é fácil, longe da família.” Na última sexta-feira (10), ele ofereceu em rede social um Fiat Uno 2015 de cerca de R$ 35 mil em uma rifa virtual criada pelo primo Thiago.
O UOL consultou três advogados que opinaram que, se a Justiça entender que intenção seja financiar e manter uma fuga, o doador pode ser enquadrado em crime de associação criminosa.
Fátima Aparecida Pleti, empresária, 61 anos, de Bauru (SP)
Foi condenada a 17 anos de prisão por tentar dar um golpe de Estado e tentar abolir o estado democrático de direito.Depois do quebra-quebra em Brasília, ela foi detida, mas conseguiu liberdade condicional mediante o uso de tornozeleira.Continua após a publicidade
O julgamento de Fátima começou em 22 de março. Quatro dias depois, ela quebrou sua tornozeleira, segundo a Justiça de Bauru (SP). A autoridade penitenciária do governo de SP só informou o fato ao Judiciário duas semanas depois.
No dia seguinte, 8 de abril, o Judiciário estadual informou ao STF sobre a quebra da tornozeleira. Não há mandado de prisão público.
Dois advogados da empresária procurados pelo UOL não prestaram esclarecimentos após procurados por telefone e mensagem via celular.