O Supremo Tribunal Federal (STF) consolidou, nessa segunda-feira (30/6), entendimento favorável à validade dos dispositivos do marco legal das garantias, instituído pela Lei 14.711/23. A decisão diz respeito à possibilidade de consolidação extrajudicial da propriedade e à execução de busca e apreensão de bens móveis e imóveis em contratos com garantia fiduciária e hipoteca. O julgamento, realizado no plenário virtual, envolveu a análise de dispositivos que alteraram o Decreto-Lei 911/69, permitindo procedimentos extrajudiciais para recuperação de garantias.
O tema ganhou destaque nacional após entidades representativas de oficiais de justiça e magistrados questionarem a constitucionalidade dos artigos 8º-B a 8º-E do decreto-lei, modificados pela nova legislação. As discussões envolveram pontos sensíveis, como a possibilidade de realização de leilões extrajudiciais, alienação direta de bens e procedimentos administrativos de busca e apreensão, sem a necessidade de autorização judicial prévia.
O que prevê o marco legal das garantias?

A Lei 14.711/23, conhecida como marco legal das garantias, trouxe inovações para o sistema de crédito brasileiro. Entre as principais mudanças, destaca-se a autorização para que a consolidação da propriedade fiduciária seja realizada diretamente em cartório, sem intervenção judicial. Além disso, a norma prevê procedimentos administrativos para busca e apreensão de bens, execução extrajudicial de hipotecas e realização de leilões fora do âmbito do Judiciário.
Essas medidas visam dar maior agilidade à recuperação de créditos, reduzindo a sobrecarga do sistema judiciário e conferindo mais segurança jurídica às operações financeiras. No entanto, a adoção de mecanismos extrajudiciais para constrição de bens gerou debates sobre a necessidade de preservar direitos fundamentais, como o devido processo legal e a inviolabilidade do domicílio.
Quais foram os principais argumentos apresentados no STF?
Segundo informações do portal Migalhas, durante o julgamento, os ministros do STF analisaram argumentos tanto favoráveis quanto contrários à constitucionalidade dos procedimentos extrajudiciais previstos na lei. Os defensores da norma ressaltaram que a atuação de cartórios e órgãos administrativos não elimina o controle judicial posterior, assegurando ao devedor o direito de recorrer ao Judiciário em caso de discordância. Destacou-se ainda que a execução extrajudicial é facultativa e depende de cláusula expressa no contrato.
Por outro lado, as entidades autoras das ações diretas de inconstitucionalidade alegaram que as medidas violam a reserva de jurisdição, o devido processo legal e a dignidade da pessoa humana, ao permitirem a constrição de bens sem decisão judicial. Houve preocupação especial com a possibilidade de empresas privadas e órgãos administrativos, como o Detran, realizarem atos típicos de coerção estatal sem supervisão do Poder Judiciário.
Como ficou a decisão do STF?
A maioria dos ministros acompanhou o voto do relator, ministro Dias Toffoli, reconhecendo a constitucionalidade dos procedimentos extrajudiciais instituídos pela Lei 14.711/23. Segundo o relator, o novo modelo não afasta o controle judicial, pois o devedor pode contestar a cobrança e buscar proteção no Judiciário. Toffoli também destacou que a execução extrajudicial contribui para a modernização do sistema de crédito, tornando o processo mais célere e eficiente, sem comprometer direitos fundamentais.
O ministro Flávio Dino acompanhou o relator na maior parte do voto, mas fez ressalva quanto à execução extrajudicial de veículos por meio do Detran, entendendo que tal procedimento compromete a segurança jurídica e os direitos do devedor. Já a ministra Cármen Lúcia divergiu, sustentando que os procedimentos extrajudiciais previstos na lei violam garantias constitucionais, como o devido processo legal e a inviolabilidade do domicílio.
- Consolidação extrajudicial da propriedade: permitida por meio de cartório, desde que respeitados direitos fundamentais.
- Busca e apreensão administrativa: autorizada sem ingresso forçado em domicílio ou uso de força por particulares.
- Execução extrajudicial de hipotecas: válida, desde que assegurado o contraditório e o acesso ao Judiciário.
- Procedimentos via Detran: considerados inconstitucionais por parte dos ministros, devido à ausência de controle judicial.
Quais os impactos práticos para contratos com garantia fiduciária e hipoteca?
Com a decisão do STF, instituições financeiras e credores passam a contar com instrumentos mais ágeis para recuperação de garantias em contratos de alienação fiduciária e hipoteca. A possibilidade de consolidação extrajudicial da propriedade e de busca e apreensão administrativa tende a reduzir o tempo e os custos envolvidos na execução de garantias, beneficiando o ambiente de negócios e o acesso ao crédito.
Para os devedores, permanece assegurado o direito de defesa e o acesso ao Judiciário, inclusive para questionar eventuais abusos ou ilegalidades nos procedimentos extrajudiciais. A decisão também reforça a necessidade de observância dos direitos fundamentais, como a inviolabilidade do domicílio e a proibição do uso privado da violência, em todas as etapas da execução extrajudicial.
- Contratos devem conter cláusula expressa autorizando a execução extrajudicial.
- Notificação do devedor é obrigatória antes de qualquer medida de constrição.
- O devedor pode apresentar defesa e recorrer ao Judiciário a qualquer momento.
- Procedimentos administrativos não autorizam ingresso forçado em domicílio.
- Cartórios e órgãos administrativos devem respeitar direitos fundamentais do devedor.
Impactos:
Para Credores (Bancos e Instituições Financeiras)
- Maior agilidade na recuperação de créditos: Este é o principal impacto positivo da decisão do STF para os credores. A possibilidade de realizar a busca e apreensão de bens (móveis e imóveis) e a consolidação da propriedade fiduciária diretamente em cartórios, sem a necessidade de um processo judicial demorado, acelera consideravelmente o processo de recuperação de garantias em caso de inadimplência.
- Redução de custos: Com menos necessidade de acionar o Poder Judiciário, os custos com honorários advocatícios e taxas judiciais tendem a diminuir.
- Melhora no ambiente de crédito: A maior segurança e agilidade na recuperação de garantias podem incentivar a oferta de crédito, possivelmente com taxas de juros mais baixas, já que o risco de inadimplência se torna mais gerenciável para as instituições financeiras. Isso pode beneficiar o mercado de crédito como um todo.
- Mais eficiência na gestão de carteiras de crédito: A desjudicialização permite que os credores gerenciem suas carteiras de empréstimos e financiamentos de forma mais eficiente, com processos mais fluidos para a retomada de bens.
Para Devedores (Consumidores e Empresas)
- Necessidade de maior atenção aos contratos: Os devedores precisarão estar ainda mais atentos aos termos dos contratos com garantia fiduciária e hipotecária, compreendendo as cláusulas de inadimplência e as consequências da busca e apreensão extrajudicial.
- Risco de perda mais rápida do bem: Em caso de inadimplência, a perda do bem dado em garantia pode ocorrer de forma mais célere, sem a morosidade do processo judicial que, por vezes, permitia ao devedor mais tempo para regularizar a situação.
- Importância do acesso à informação: A lei prevê que o devedor ainda terá acesso ao Judiciário caso verifique alguma irregularidade no procedimento extrajudicial, e que o contraditório na esfera administrativa deve ser respeitado. Isso significa que o devedor precisa estar ciente de seus direitos e dos prazos para se manifestar.
- Possível redução nas taxas de juros: Como mencionado, a redução do risco para os credores pode se traduzir em taxas de juros mais vantajosas para os devedores no futuro, o que seria um benefício a longo prazo.
Para o Poder Judiciário
- Desafogamento do Judiciário: Um dos argumentos para a validação da medida é o alívio da carga de trabalho do Poder Judiciário, que atualmente está sobrecarregado com um grande volume de ações de busca e apreensão e execução de garantias.
- Foco em casos complexos: Ao desburocratizar os processos mais simples de retomada de bens, o Judiciário pode concentrar seus esforços em litígios mais complexos e que realmente exijam a intervenção judicial.
- Alteração do papel do juiz: O papel do juiz se desloca de um validador inicial da busca e apreensão para um fiscalizador de irregularidades no processo extrajudicial, sendo acionado apenas se houver algum questionamento por parte do devedor.
O entendimento firmado pelo STF representa um marco para o sistema de garantias no Brasil, equilibrando a necessidade de eficiência na recuperação de créditos com a proteção dos direitos fundamentais dos envolvidos. O tema segue em discussão nos meios jurídicos e econômicos, especialmente quanto à implementação prática dos procedimentos extrajudiciais e à observância dos limites constitucionais estabelecidos pela Corte.