Imagem: Arte Migalhas
40 apostadores acertaram os seis números, mas descobriram que o bolão não foi registrado no sistema da Caixa Econômica Federal.
Imagine só a seguinte situação: ao adquirir uma cota de bolão oferecida por uma lotérica, você acerta os seis números sorteados na Mega Sena. Porém, a empolgação de se tornar milionário é interrompida quando descobre que seu jogo não foi registrado no sistema da Caixa Econômica Federal. Foi isso o que aconteceu com 40 pessoas em Novo Hamburgo/RS, em 2010. Quatorze anos depois, o caso ainda não teve um desfecho e aguarda a palavra final do STJ. Entenda o imbróglio a seguir.
Entenda o caso
Em 2010, 40 moradores de Novo Hamburgo decidiram participar de um bolão promovido pela agência lotérica Esquina da Sorte. No entanto, o jogo não foi devidamente registrado no sistema da Caixa Econômica Federal. Quando os números 20, 28, 40, 41, 51 e 58 foram sorteados no concurso 1.155, os participantes sentiram-se vitoriosos, mas a alegria durou pouco. Logo descobriram que o prêmio havia sido acumulado para o próximo sorteio, deixando todos sem a premiação esperada.
Cada participante investiu R$ 11 na cota do bolão. Se o prêmio de R$ 53 milhões fosse dividido entre eles, cada um receberia aproximadamente R$ 1.332.500.
Diante da impossibilidade de resgatar o prêmio, os lesados decidiram buscar a Justiça.
Bilhete adquirido por um dos apostadores.(Imagem: Reprodução)
Esfera penal
No âmbito penal, em 2016, o TRF da 4ª região absolveu o dono da lotérica, José Paulo Abend, e condenou a funcionária Diane Samar da Silva por estelionato.
Segundo o relator do processo, desembargador Federal Sebastião Ogê Muniz, da 7ª turma, não foi possível concluir que Abend tivesse ciência de que os bolões não eram registrados pela funcionária. O magistrado ressaltou que as anotações de Diane sobre os bolões realizados na lotérica não discriminavam os jogos, apresentando apenas o total arrecadado.
Quanto à comercialização das quotas dos bolões de apostas, Muniz ressaltou que, embora não fosse um procedimento formal, era feita com total transparência pela lotérica e os clientes sabiam que as quotas não eram registradas no mesmo momento em que eram adquiridas, não havendo como acusar Abend de induzir clientes a erro.
Quanto à ré Diane, Muniz afirmou não haver dúvida de que era a responsável pelo registro dos bolões. Conforme informações trazidas aos autos, ela sistematicamente deixava de fazer o registro, apropriando-se dos valores das apostas que deveriam ser repassadas à Caixa Econômica Federal.
Na época, ela foi condenada cumprir 2 anos e 4 meses de serviços comunitários e pagar cerca de R$ 2 mil referentes à multa e prestação pecuniária.
Esfera cível
No aspecto cível, 14 apostadores prejudicados moveram ação buscando compensações por danos materiais e morais contra a lotérica e a Caixa Econômica Federal. Eles pleitearam uma indenização correspondente ao valor do prêmio, totalizando R$ 1.334.215,25, mais danos morais de igual montante, totalizando R$ 2.668.430,52.
Eles alegavam: (a) incidente o CDC ao processo, a responsabilidade civil assume a feição objetiva; (b) há culpa in eligendo e in vigilando da CEF, pois falhou na escolha do prestador de serviço, como também deixou de fiscalizar a exploração da atividade pela lotérica Esquina da Sorte.
Em primeira instância, o pedido foi negado, decisão que foi mantida pelo TRF da 4ª região em 2012.
A relatora destacou que a modalidade de aposta popularmente conhecida como bolão não é reconhecida pela CEF, “tanto que no anverso do volante consta a impossibilidade de retirada do prêmio por mais de um participante, o que, por óbvio, exclui a modalidade coletiva. Corolário disso é que a atividade de ‘bolão’ não integra, via de consequência, o rol de serviços delegados”.
Além disso, ressaltou que a simples existência da delegação não justifica a responsabilidade da CEF pelas consequências de atos ilícitos praticados por representante da permissionária, que sejam estranhos à relação de permissão e serviços a tal inerentes.
“No processo em tela, a CEF, verificando que a Lotérica Esquina da Sorte descumpriu os limites da outorga concedida, justamente por comercializar o ‘bolão’, descredenciou a permissionária, de modo que não há como se acolher a alegação de praxe tolerada e não fiscalizada pela CEF. O que há é quebra das condições determinadas para o credenciamento da lotérica, não possuindo a CEF responsabilidade pelo jogo feito em modalidade não reconhecida ou autorizada.”
Em mais uma tentativa de reverter a decisão, houve recurso ao STJ. Inicialmente, em 2016, o caso foi analisado monocraticamente pela ministra Assusete Magalhães, agora aposentada. Ela negou provimento ao recurso especial sob os seguintes fundamentos:
“Com efeito, verifica-se que o fundamento utilizado pelo Tribunal a quo, no sentido de que ‘a aposta discutida na demanda, sob a forma de ‘Bolão’, não adere às condições dos jogos permitidos, utilizando-se de procedimento não chancelado pelo Poder Público. Considerando-se o apostador ciente desta situação à margem da disciplina de regência, e, não possuindo qualquer avança que disponha sobre a responsabilização da casa lotérica em caso de não realização da sua intenção de aposta, assume a possibilidade de obter resultado diverso daquele esperado, tal qual quando realiza uma aposta em qualquer jogo’, não foi enfrentado, pela parte recorrente, nas razões do Recurso Especial. Portanto, incide, na hipótese, a Súmula 283/STF.”
Ainda, anotou que a fim de reconhecer a responsabilidade civil da Caixa e condená-la ao pagamento de indenização por danos materiais, ensejaria, inevitavelmente, a incursão no acervo fático-probatório dos autos, o que é inviável em sede de recurso especial, tendo em vista o óbice previsto na Súmula 7/STJ.
Houve agravo interno e o caso foi levado à 2ª turma.
Na sessão de julgamento do dia 7/2/17, após questão de ordem suscitada pelo ministro Mauro Campbell Marques, o colegiado decidiu que a demanda possui relevante discussão acerca da incidência do CDC e a consequente responsabilidade da Caixa Econômica Federal, controladora das loterias Federais.
Na ocasião, concluiu-se, então, que fosse tornada sem efeito a decisão da ministra Assusete, com a oportuna inclusão do recurso especial em pauta.
O caso chegou a ser pautado, mas foi adiado em 8 de março de 2022, aguardando uma nova data para que os ministros possam deliberar sobre o assunto.
- Processo: REsp 1.396.466
Portal Migalhas