A ex-diretora de Patrimônio da CBF Luísa Rosa afirma ter sido “assediada” e “humilhada” pelo presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues. A acusação da executiva consta em “notícia de infração” protocolada no domingo (7.jan.2024) junto à Comissão de Ética da Confederação Brasileira de Futebol em que pede o afastamento imediato do presidente da entidade.
Luísa diz que assediar, independentemente da “natureza do assédio”, seria uma “regra geral de conduta da CBF comandada por Ednaldo”. De acordo com a ex-diretora, o cartola “aparentemente” comandava um “forte esquema de espionagem para monitorar os funcionários”. Ela cita também a instalação de câmeras escondidas na sede da entidade, no Rio. Leia a íntegra do documento (PDF – 454 kB).
Na “notícia de infração”, que é uma acusação formal junto à CBF, a ex-diretora afirma que os episódios de assédio sofridos durante sua passagem pela confederação, de junho de 2020 até julho de 2023, podem ser divididos em 7 partes:
- proposta da Fifa – declara que foi “coagida” e “pressionada” a receber uma promoção dentro da CBF e não uma proposta da Fifa para atuar na Copa do Qatar. Logo depois de aceitar o cargo de diretora de Patrimônio, assinou uma portaria de nomeação, tirou fotos e deu entrevista a um veículo da mídia –chamou todo o processo de “claro movimento assediador”. Depois, acabou sendo impedida pela CBF de participar da equipe que foi representar a entidade na Copa do Qatar;
- redução de equipe e esvaziamento de atribuições – afirma que Ednaldo interferia em sua diretoria. Diz ter sido colocada em situação de “desprestígio e desrespeito” após o RH a informar que 2 gerentes de sua equipe não poderiam ser contratados com os salários pretendidos e já oferecidos a ambos;
- jogada de marketing – diz que sua promoção serviu para fazer de Ednaldo um “paladino da luta pela paridade de gêneros, o que não é verdade”;
- comentários misóginos e inconvenientes – relatou ter ouvido que a CBF “teria contratado prostitutas para servir os convidados da CBF em eventos” e que o “assédio era tamanho” que ela “teve que solicitar o recebimento de auxílio-alimentação para deixar de almoçar com os demais diretores da CBF, dado que não suportava mais o desrespeito que presenciava durante as refeições”;
- “elogios” à requerente – “em situação de desamparo e fragilidade”, a ex-diretora diz que se aproximou do diretor de Comunicação, “tendo-o como verdadeiro amigo na entidade, mas não notou, à época, que a relação com ele não passava de mais um episódio de assédio”. Ela afirma ter sido chamada de “linda” e “anjo”, e que era convidada para “encontros não profissionais em bares e cafés no Leblon”;
- tratamentos psicológicos e psiquiátrico – “em virtude de reiterados assédios sofridos num ambiente preponderantemente machista, em que a Requerente era objeto de piadas sobre beleza e ofensivas em termos de gênero, além de ‘cantadas’ sujas e retaliações, a Requerente passou a desenvolver transtornos psicológicos”, diz o documento;
- a genuína consulta à Comissão de Ética da CBF em maio de 2023 que levou à demissão da Requerente – Luísa consultou a Comissão de Ética da entidade em 23 de maio de 2023 para relatar uma gestão da qual “discordava veementemente”. Foi demitida em 4 de julho de 2023.
No documento, Luísa Rosa afirma que Ednaldo Rodrigues “participou, direta ou indiretamente, de diversos episódios de assédio na CBF, no que violou a mais não poder o Código de Ética e Conduta da entidade”.
Ela também diz que o diretor de Governança e Conformidade, Hélio Santos, “deixou de garantir a integridade e credibilidade da entidade e seus funcionários, pecando no zelo pela segurança e governança da CBF ao permitir e/ou não fiscalizar, de modo satisfatório, os assédios ocorridos na CBF sob o comando de Ednaldo Rodrigues”.
Por fim, a “notícia de infração” pede que:
Ednaldo Rodrigues e Hélio Santos sejam suspensos por ao menos 90 dias;
uma investigação seja instaurada;
seja garantido o pleno exercício do contraditório aos dirigentes;
concluída a investigação, seja elaborado um relatório a ser encaminhado à Câmara de Julgamento e que as “sanções cabíveis” sejam aplicadas.
O Poder360 entrou em contato com a CBF para perguntar se a entidade gostaria de se manifestar a respeito da “notícia de infração” protocolada no domingo e do processo que a ex-diretora move na Justiça Trabalhista do Rio em que pede indenização de R$ 1,8 milhão. Não houve uma resposta até a publicação deste texto, mas o espaço está aberto e será atualizado caso uma posição seja enviada.
FUTEBOL EM CRISE
A CBF vive um ambiente convulsionado há alguns anos.
O caso de Ednaldo Rodrigues é o mais recente. O atual presidente da entidade havia sido fastado do cargo em dezembro de 2023 por determinação do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Os desembargadores consideraram que houve irregularidade no processo de escolha do dirigente. Por essa razão, determinaram a anulação da eleição de 2022 vencida por Ednaldo. O presidente do STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva), José Perdiz, assumiu a função por 30 dias e ficou comissionado para conduzir uma nova disputa.
Antes de ser afastado pelo TJ fluminense, Ednaldo já sofria, havia meses, uma série de pressões internas na CBF que se intensificaram com o mau desempenho da seleção brasileira de futebol nas eliminatórias para a Copa do Mundo (a equipe está apenas em 6º lugar na competição). Acusações de uso indevido dos recursos da confederação vieram a público, impulsionadas por opositores de Ednaldo e embasadas em documentos vazados aos quais o Poder360 teve acesso.
Depois de várias idas e vindas, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, devolveu Ednaldo ao cargo de presidente da CBF em 4 de janeiro de 2024. O magistrado atendeu a um pedido que havia sido apresentado ao Supremo pelo PC do B –partido responsável por indicar o secretário-geral da instituição. Pesou na decisão de Gilmar Mendes o temor de que entidades internacionais de esportes –com a CBF acéfala– impedissem atletas brasileiros de ser inscritos e de participar de alguns eventos.
Antes desse episódio da remoção e retorno de Ednaldo à CBF, a entidade já havia passado por uma crise interna em 2021, um ano antes da promoção de Luísa Rosa, quando o então presidente da confederação, Rogério Caboclo, teve de deixar o cargo por causa de acusações de assédio moral e sexual. Com a queda de Caboclo, a cadeira de presidente acabou ficando justamente com Ednaldo.
O caso de assédio na CBF não é isolado. O futebol mundial passa por deterioração de imagem, com o público em geral entendendo que as associações do esporte são ambientes tóxicos para mulheres.
O ex-presidente da Federação Espanhola de Futebol Luis Rubiales caiu depois de ter dado um “selinho” (beijo) numa jogadora da equipe espanhola que havia vencido a Copa do Mundo de 2023.
Nesse sentido, a entrada de Luísa Rosa num cargo de direção na CBF visava a debelar a impressão de ambiente tóxico no futebol para as mulheres. No anúncio da nomeação de Luísa, o site da CBF destacou o fato de ela ser mulher: “Será a 1ª diretora da história da Confederação Brasileira de Futebol”.
A queda de Rogério Caboclo da CBF em 2021 se deu, sobretudo, por conta da pressão de patrocinadores da confederação, que não desejavam ter suas imagens relacionada ao escândalo. Agora, com esse novo episódio, não está claro como as empresas que apoia a entidade vão reagir.
Poder 360