Proposta recebeu 52 votos a favor e contrários e irá para a sanção do governador. Prioridade da gestão Tarcísio de Freitas, aprovação é trunfo simbólico, uma vez que ainda precisará do aval da Câmara da capital paulista. Oposição alega inconstitucionalidade e irá recorrer ao STF.
O projeto que prevê a privatização da Sabesp foi aprovado nesta quarta-feira (6) pelos deputados da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp).
O texto recebeu 52 votos favoráveis e 1 deputado votou contra. Para ser aprovado, o PL precisava de maioria simples dos votos dos presentes. Veja abaixo como cada um dos 94 parlamentares votou.
Prioridade da gestão de Tarcísio de Freitas, aprovação é uma espécie de trunfo simbólico do governador, uma vez que, para sair do papel, ainda precisará do aval da Câmara da capital paulista (entenda mais abaixo).
A mudança no controle acionário de uma das maiores empresas de saneamento básico do mundo já é alvo de ações na Justiça paulista. Após a aprovação, os deputados contrários à privatização disseram que irão recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Como votaram os deputados
Os deputados dos partidos que compõem a base do governo Tarcísio de Freitas, Republicanos, Partido Liberal (PL), União Brasil, PSDB, PSD, Podemos, PP, Solidariedade e Novo, votaram a favor da privatização da estatal.
Já os deputados da oposição, PT, PSOL, PSB e Rede, foram contrários.
Veja abaixo como votou cada parlamentar:
O que muda com a aprovação?
Por enquanto, nada. O governo até pode abrir um certame, mas, para que o saneamento da cidade de São Paulo, hoje responsável por mais de 44,5% do faturamento da Sabesp, faça parte, é necessário que a lei municipal seja alterada pelos vereadores na Câmara.
Elaborado pelo Executivo, o projeto de lei foi enviado à Alesp, quando começou a tramitar na Casa.
Desde então, rendeu sessões acaloradas, como ocorreu na noite da terça (5).Deputados se exaltaram e manifestantes que estavam acompanhando o debate nas galerias do plenário da Casa gritaram palavras de ordem contra a desestatização. Por volta das 22h40, durante um bate-boca, houve até troca de empurrões entre deputados.
A proposta de privatização também rendeu duas greves unificadas, encabeçadas pelo sindicato dos metroviários, que paralisaram linhas do Metrô e da CPTM contra a proposta.
Após a última, na semana passada, o governador elevou o tom, ameaçou os trabalhadores, e afirmou que a Sabesp será concedida à iniciativa privada em 2024.
Votação pela privatização da Sabesp tem confronto entre manifestantes e PM
A proposta de privatização
A privatização da empresa já foi tratada de diferentes formas pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Durante a campanha eleitoral, ele defendeu o estudo da proposta, mas, horas após ser eleito, mudou de tom e passou a afirmar que ela seria “a grande privatização do estado”.
Movimentos sociais contrários a privatização da Sabesp discutem com deputado na Alesp.
O modelo proposto pelo governo paulista prevê investimentos de R$ 66 bilhões até 2029, o que representa R$ 10 bilhões a mais em relação ao atual plano de investimentos da Sabesp, e uma antecipação da universalização do saneamento, de 2033 para 2029.
Os investimentos incluem, além da universalização dos serviços, obras de dessalinização de água, aportes na despoluição dos rios Tietê e Pinheiros, e ainda intervenções de prevenção em mudanças climáticas.
A importância do Legislativo municipal
Para ser de fato viabilizado, o projeto de privatização também precisa, obrigatoriamente, passar pela Câmara de São Paulo.
Ele terá que ser aprovado pelos vereadores, uma vez que a capital paulista representa 55% do faturamento da companhia.
Pela lei municipal, qualquer mudança no controle acionário da Sabesp faz com que a Prefeitura de São Paulo volte a assumir o serviço de água e esgoto na cidade.
Os vereadores precisam aprovar a mudança na legislação. Do contrário, a privatização deixa de ser atrativa para a iniciativa privada.
Na prática, mesmo após ser sancionada, ela não deverá sair do papel antes do primeiro semestre de 2024.
Deputados da oposição questionam o fato de que a privatização está sendo votada como projeto de lei e não como uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC).
Para o professor de Direito Administrativo da USP Gustavo Justino de Oliveira, o processo de votação tem “vícios de inconstitucionalidade”.
A Constituição do estado de São Paulo determina que os serviços de saneamento básico sejam prestados por concessionária sob controle acionário do estado.
Então, para a desestatização, seria necessário alterar o texto constitucional, já que o processo de venda faria com que o estado perdesse a condição de acionista majoritário.
“A Sabesp é uma empresa essencial ao setor de saneamento no estado mais populoso do país, e uma desestatização às pressas pode ser contraproducente à medida que o rito do PL é muito mais simplificado em detrimento do rito de aprovação de uma PEC”, afirma.
De acordo com o parágrafo segundo do artigo 216, “o Estado assegurará condições para a correta operação, necessária ampliação e eficiente administração dos serviços de saneamento básico prestados por concessionária sob seu controle acionário”.
Três deputados da oposição entraram com ações na Justiça de São Paulo contra o processo de privatização:
- Jorge do Carmo (PT): entrou com uma ação questionando a tramitação em regime de urgência e a convocação de congresso de comissões (quando as comissões pelas quais o projeto tem que passar se reúnem para apreciar o texto juntas). Segundo o questionamento do deputado, pela importância do projeto, ele tinha que ser apreciado obedecendo ao rito parlamentar tradicional, passando comissão por comissão, sem prazo de urgência.
- Emidio de Souza (PT): entrou com uma ação alegando que a Constituição paulista tem de mudar para acatar a privatização. A constituição do estado (leia acima) determina que o saneamento deve ser ofertado por companhia de controle do estado, a Sabesp. Se ela for privatizada, a constituição tem que mudar. A PEC precisa passar por duas votações, com três quintos dos votos, diferentemente de projeto de lei, que precisa apenas de maioria simples;
- Guilherme Cortez (PSOL): também questionou o fato de o projeto de lei não ser PEC, além de não tramitar em duas comissões em que deveria tramitar, segundo ele, a de Administração Pública e a de Meio Ambiente (são obrigatórias no mínimo três comissões, e ficou definido que o PL tramitaria na de Constituição e Justiça, na de Infraestrutura e na de Finanças e Orçamento).
As três ações foram para o Tribunal de Justiça do estado, mas o TJ não acatou nenhuma delas. Além dessas ações, deputados também entraram no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Ministério Público (MP).
O PT e o PSOL protocolaram uma ação direta de inconstitucionalidade no STF questionando o decreto do governo do estado que criou novas competências para os conselhos deliberativos das URAEs (Unidades Regionais de Serviços de Abastecimento de Água Potável e Esgotamento Sanitário).
Segundo eles, o decreto deu a esses conselhos o poder de alterar detalhes dos contratos da Sabesp com as prefeituras. Um dos pontos importantes da privatização é que em tese ela implica no rompimento automático do contrato com as prefeituras. A alteração das competências das URAEs, portanto, permitiria ao governo renegociar esses contratos via URAEs, sem que cada município renegocie individualmente.
A ação está a cargo do ministro André Mendonça no Supremo, indicado de Bolsonaro ao STF. Mendonça teve uma derrota política para Tarcísio em setembro. O ministro indicou uma pessoa para uma vaga no Tribunal de Contas do Estado (TCE), mas perdeu a disputa para o indicado do governador, Marco Bertaiolli (PSD).
A Bancada do PSOL também protocolou uma denúncia no MP contra o presidente da Sabesp, André Salcedo. Segundo eles, existe um conflito de interesse no processo de privatização.
A Sabesp é uma empresa de economia mista, ou seja, o controle é do estado, que tem 50,3% do seu capital social, mas outra parte é negociada em ações nas Bolsas de Valores de São Paulo e Nova York. Sua oferta inicial pública de ações (IPO, na sigla em inglês) foi feita em 2002.
Ela é considerada uma das maiores companhias de saneamento do mundo e atende 375 municípios paulistas, onde vivem 28,4 milhões de pessoas.
Já foi finalista de premiações, como o “Global Water Awards”, e é reconhecida internacionalmente pela contribuição significativa para o desenvolvimento internacional do setor de água.
Também presta serviços de água e esgoto em parceria com empresas privadas para outros quatro municípios paulistas: Mogi-Mirim, Castilho, Andradina e Mairinque.
É composta por mais de 12 mil funcionários e tem valor de mercado estimado em R$ 39 bilhões. No ano passado, anunciou lucro de R$ 3,12 bilhões, 35% superior aos R$ 2,3 bilhões de 2021.