O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) vai adotar a inteligência artificial para detectar fraudes em atestados médicos. O novo sistema, previsto para entrar em vigor ainda este mês, fará cruzamentos em bancos de dados para mapear irregularidades – com uso até de análise comportamental.
A nova tecnologia tem o objetivo de aprimorar o Atestmed, programa lançado há dois meses que incentiva a troca de perícia médica presencial por análise documental em casos de benefícios de curta duração, como incapacidade temporária (o antigo auxílio-doença).
Hoje, o monitoramento dos atestados é feito por amostragem. Com a inteligência artificial, 100% dos atestados serão analisados segundo diversos critérios. Além da identificação dos médicos com os respectivos hospitais em que trabalham, a ferramenta poderá, por exemplo, comparar as letras de documentos emitidos por um mesmo profissional para verificar se há indícios de irregularidades.
“Vamos juntar num banco de dados todos os atestados. Hoje, o perito vê o atestado individualmente, isolado, não vê sistema nenhum. Nós já fizemos algumas reuniões tanto com a Dataprev como com empresas privadas que vão fazer provas de conceito de inteligência artificial nesse banco de dados”, disse ao Estadão o presidente do INSS, Alessandro Stefanutto.
Ele afirma que o sistema será capaz de detectar comportamentos suspeitos – como, por exemplo, 50 atestados de um mesmo IP (protocolo de rede). Quando identificar esse padrão de disparo em massa, a ferramenta irá, além de checar se o registro do médico bate com o hospital descrito, analisar a letra do profissional para verificar se é correspondente.
Stefanutto revela que, recentemente, na análise “manual” dos atestados que vem sendo feita, foi identificado o caso de uma médica em São Paulo com quatro padrões de letra diferentes – ou seja, cada um dos quatro atestados tinha uma letra divergente da outra. Além disso, a profissional sequer trabalhava no hospital que constava no carimbo do documento.
O caso foi encaminhado para a Polícia Federal e está sendo investigado. Ele destaca que, com a inteligência artificial, esses cruzamentos, que hoje são feitos por amostragem, por funcionários e em uma parcela pequena dos documentos, serão feitos na totalidade dos atestados e de forma automática, aprimorando de forma muito significativa o combate a fraudes.
“Quanto mais provas de conceito eu fizer, mais comportamentos erráticos eu pego; e eu internalizo essa regra para a minha inteligência artificial”, diz o presidente do INSS.
Atestmed
O uso da inteligência artificial será incorporado ao recém-lançado programa Atestmed, que incentiva o uso de atestados em vez da perícia médica no caso de benefícios de curta duração, como incapacidade temporária – que hoje correspondem a 60% da agenda de perícia médica.
O segurado pode fazer o pedido e enviar a documentação pelo aplicativo Meu INSS ou levar na própria agência. Segundo o instituto, pelo programa, o tempo médio entre o pedido e a concessão do benefício varia entre 5 e 15 dias.
Stefanutto, que está há quatro meses no cargo, avalia a decisão como “estratégica e até um pouco audaciosa”, uma vez que, hoje, no Brasil, o atestado médico tem uma conotação negativa, fácil de ser “comprado” e fraudado. Ele fala que, além do uso da inteligência artificial para potencializar a identificação das irregularidades, o INSS vai adotar uma postura de tolerância zero às fraudes. “Aqueles segurados que apresentarem atestado falso, além de terem o benefício indeferido, vão responder penalmente”, diz.
O presidente do INSS defende que o atestado é mais eficiente em casos simples porque, hoje, muitos dos casos de perícia médica acabam se tornando mera análise documental em vez de clínica, por conta do prazo. Ele dá um exemplo de uma pessoa tem uma fratura e tem de ficar em recuperação por 45 dias. Os primeiros 15 são pagos pela empresa; o restante, pelo INSS.
Ocorre que, como a fila para análise está grande, a perícia pode ser marcada dali a seis meses, por exemplo. “Quando você vai fazer uma perícia em alguém depois de seis meses do que aconteceu, normalmente não tem mais nada. Então, o meu segurado vira um carteiro: leva os documentos, mas especialmente o atestado, porque ninguém faz perícia sem atestado”, afirma Stefanutto.
“O perito então faz uma análise documental, da papelada. Se a perícia confirmar, eu vou pagar os seis meses de benefício, não os 30 dias. Em vez de X, eu pago 6X. E o mais grave: a pessoa fica seis meses sem receber”, afirma. “No Atestmed, nesse caso, eu vou pagar X. O empregador está feliz, o Estado está feliz porque a produtividade se mantém, nós pagamos 1X só – então, do ponto de vista fiscal, está ok – e não deixamos essa pessoa vulnerável e sem renda”, defende.
Stefanutto afirma que, hoje, de todos os atestados que o INSS recebe pelo Atestmed, 75% estão em conformidade; o restante, 25%, vai para perícia. Desde o início do programa, o número de atestados recebidos passou de uma média de 300 a 400 por dia para 11 mil.
O presidente do INSS destaca, porém, que as atividades complexas continuarão exigindo perícia médica, como o benefício assistencial à pessoa com deficiência (BPC/Loas) e aposentadoria por invalidez.
“Ninguém vai se aposentar com um atestado. Esses casos, que implicam uma maior complexidade, os peritos vão continuar fazendo. E os peritos nos ajudam na governança do Atestmed, como se fossem verdadeiros auditores – uma carreira que ganha uma complexidade maior”, diz Stefanutto.
Estadão