Um setor que acumula feitios tão notáveis quanto recorrentes, o agronegócio brasileiro, colocou mais uma medalha no peito. Dados recentemente divulgados pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos mostram que o Brasil se tornou o novo campeão global da exportação de milho. Com isso, os produtores nacionais encerraram um domínio exercido por quase meio século pelos EUA no comércio internacional do produto.
Aos números: na safra de 2022/2023, as exportações americanas somaram 42,2 milhões de toneladas. As brasileiras, 57 milhões de toneladas. Na colheita para o período 2023/2024, a vantagem brasileira mantém-se, embora mais estreita. Os EUA vão exportar 52 milhões de toneladas, ante 55 milhões toneladas que serão despachadas mundo afora pelo Brasil.
Com tal resultado, o agronegócio brasileiro passa a ser líder nas vendas globais de sete commodities agrícolas. São elas, a soja, o açúcar, o café, as aves, os bovinos e a celulose, além do milho.
Espaço ocupado
Na avaliação de Enilson Nogueira, analista da consultoria Céleres, especializada em agronegócio, a liderança assumida pelo Brasil no caso do milho merece ser comemorada, mas ainda não é estrutural, como ocorre com as demais commodities que o país se destaca como maior exportador mundial.
Isso porque ela foi conquistada por meio de um tropeço conjuntural dos Estados Unidos. O país perdeu espaço no mercado internacional por causa de entraves climáticos – no caso, uma forte estiagem que provocou um forte baque nas colheitas americanas.
Ana Laura Menegatti, da consultoria MBAgro, acrescenta que, apesar da queda, os Estados Unidos ainda são o maior produtor mundial de milho. Em 2023, o Brasil vai colher 130 milhões de toneladas da commodity. Os americanos vão produzir três vezes mais, com cerca de 390 milhões de toneladas. “A diferença é que nosso consumo de milho é pequeno frente ao deles, o que nos permite exportar mais”, diz. “Além disso, temos a opção de produzir etanol a partir da cana-de-açúcar e não do milho, como é comum por lá.”
Revolução
Apesar dessas ressalvas, isso não quer dizer que os produtores brasileiros não tiveram méritos na recente conquista. Ao contrário. Para os especialistas, ela é mais uma evidência da revolução pela qual a produtividade do campo passou nas últimas décadas, puxada por avanços tecnológicos, combinados com condições naturais de insolação e regime de chuvas da agricultura tropical, na qual o Brasil está na vanguarda.
O caso do milho é exemplar nesse aspecto. Graças a esses saltos técnicos, os produtores brasileiros conseguem colher mais de uma safra em um mesmo hectare no mesmo ano. Note-se que essa é uma façanha impensável para locais de clima frio, sujeitos a invernos rigorosos, mesmo em se tratando de países com larga tradição agrícola.
Safrinha virou safrão
Assim, no Brasil, depois da soja, em grande parte das lavouras entra o milho em um mesmo ano. Esse repeteco na mesma roça é chamado de “safrinha”, ou “milho inverno”, por causa da época do ano do plantio. Atualmente, a safrinha virou safrão. “Mais de 80% do milho colhido no país já vêm desta segunda etapa”, diz Nogueira. Ela entra no campo entre setembro e outubro e é colhida perto de fevereiro e março.
Um dos avanços tecnológicos que deu origem ao safrão, só a título de exemplo, foi o desenvolvimento de variedades de sementes com um ciclo mais rápido de produção. “Há cerca de 15 anos, elas demoravam entre 110 e 120 dias para ficarem prontas para a colheita”, diz Nogueira. “Agora, esse tempo caiu para entre 80 a 90 dias.” Essa diferença, que pode chegar a um mês, é crucial para fazer com que a segunda safra seja plantada no momento adequado, com a chegada das chuvas.
Terceira safra
Agora, não bastasse a conquista da segunda safra, alguns agricultores brasileiros já deram um passo adiante. Eles estão colhendo três safras no mesmo hectare e no mesmo ano. “Essa, porém, ainda é a realidade de poucos produtores que contam com áreas irrigadas para o plantio”, afirma Nogueira. “Ela ainda está mais para exceção do que para regra.”
É hora do algodão
Depois do milho, o Brasil também está perto de assumir a liderança global do comércio internacional de algodão. Nos Estados Unidos, que atualmente ocupam o primeiro lugar no ranking de exportadores, o problema climático já provocou um estrago razoável.
Em anos considerados bons, os americanos exportam até 3,5 milhões de toneladas de pluma de algodão. “Agora, esse número caiu para 2,7 milhões de toneladas”, diz Nogueira. “E a previsão da safra brasileira para 2023/2024 é de 2,6 milhões de toneladas. Ou seja, a diferença atual entre os dois países é quase virtual.”
Desafios
Ainda que a lista de bons resultados do agronegócio pareça não ter fim, Ana Laura, da MBAgro, destaca que nem tudo é festa. Há nós que travam o setor. A produção de 2023, diz ela, teve um “clima perfeito e lavouras com produtividade recorde, com exceção do Sul, que sofreu com a La Niña”.
“A oferta brasileira superou 320 milhões de toneladas, vindo de anos consecutivos de perdas por conta do clima”, afirma a analista. “Quando essa safra enorme foi colhida e entrou no mercado ficou claro que a logística interna e de portos, além da a armazenagem, têm de avançar. Esses ainda são os desafios estruturais do Brasil.”
Créditos: Metrópoles.