Preocupado com as consequências da delação do tenente-coronel Mauro Cid, o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, ampliou a interlocução com o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso e adotou uma estratégia em duas frentes: defende a punição para os militares envolvidos na trama golpista, mas tenta evitar uma devassa que provoque mais danos à imagem das Forças Armadas.
— O ideal é que tudo isso passe para que a gente possa separar os culpados dos demais integrantes das instituições — resumiu Múcio.
O clima de suspeita vem incomodando o ministro, que atua para demarcar terreno. Após a informação de que o almirante Almir Garnier, então comandante da Marinha, endossou a trama golpista em reunião com o ex-presidente Jair Bolsonaro, José Múcio buscou saber sobre investigações em andamento para refinar o seu plano de ação — mas, por enquanto, não teve sucesso na tarefa.
A interlocutores, o ministro repete que alguns integrantes da caserna até poderiam desejar uma ruptura, mas as Forças Armadas não aderiram à ideia. Ele também tem criticado o aparecimento de trechos da delação de Cid, com o argumento de que seria melhor a íntegra vir à tona de uma vez. Outra ponderação é que a delação do ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro deve ser vista como algo que ainda depende do prosseguimento da apuração.
Conversa com Moraes
À frente das investigações que miram militares no Supremo, o ministro Alexandre de Moraes foi procurado por Múcio. As conversas seguem um mesmo roteiro: o titular da Defesa pergunta se o magistrado precisa de informações, se tem algum prazo para conclusão ou mesmo se há previsão de apontamento de militares envolvidos. Todas as vezes se coloca à disposição para ajudar. A resposta é a mesma: as investigações estão em curso.
Na CPI do 8 de janeiro, em agosto, José Múcio e o comandante do Exército, Tomás Paiva, costuraram um acordo para reduzir a convocação de militares, como mostrou o blog da Malu Gaspar, do GLOBO. No entanto, o colegiado que apura atos voltou à carga diante das novas revelações de Cid. Na semana passada, o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), foi até o Ministério da Defesa e ouviu de Múcio que não há “constrangimento” por parte das Forças na convocação de membros da caserna.
— Absolutamente nenhum constrangimento. Antes que ele falasse qualquer nome, nós dissemos que não — respondeu o ministro, ao lado de Randolfe.
A oitiva do ex-ministro Walter Braga Netto, general da reserva, estava prevista para esta semana, mas foi retirada da pauta. Também há pedidos de convocação de Garnier; Marco Antônio Freire Gomes, ex-comandante do Exército; e Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, ex-ministro da Defesa e ex-comandante do Exército — em todos os casos, não está certo que os depoimentos vão de fato acontecer.
Um movimento de Múcio mal recebido pela Polícia Federal foi a tentativa de obter os nomes de militares que teriam se reunido com o hacker Walter Delgatti Neto no Ministério da Defesa em 2022 — ele disse em depoimento à CPI que esteve na pasta em quatro ocasiões a pedido de Bolsonaro para falar sobre as urnas eletrônicas.
Integrantes da instituição veem com reservas o desejo da pasta de conhecer os detalhes da investigação e têm desconfianças acerca da disposição dos comandos das Forças para efetivar punições de militares que cometeram irregularidades no governo passado.
Além de conversas diárias com os comandantes das Forças em que busca fortalecer a unidade do grupo, Múcio tem recomendado que eles falem publicamente em defesa do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Pede que se posicionem para reforçar que os militares são funcionários públicos e trabalham a serviço do país. A estratégia tem o intuito de evitar o estigma de que “quem cala consente”.
— As Forças Armadas estão com a consciência tranquila de que servem ao país e que seu comandante é o presidente da República, como reza a Constituição — afirma o ministro.
Outras pautas
Em paralelo às suspeitas, Múcio tem se empenhado para tentar mudar o foco para outros temas. Na última terça-feira, esteve no Rio para um anúncio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) de crédito de R$ 2,4 bilhões para exportação de aeronaves da Embraer.
O ministro também vem tratando com o titular da Educação, Camilo Santana, sobre o lançamento da pedra fundamental do campus do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) no Ceará, com a presença do presidente Lula, após sua recuperação da cirurgia no quadril.
O Globo