A filha recém-nascida da brasileira Isabela Burgos, 25, ficou retida em um hospital público em Portugal. A equipe médica suspeitou que a mãe usou maconha e chamou a polícia — o uso da substância é descriminalizado no país desde 2001. A unidade de saúde afirma que seguiu os protocolos estabelecidos.
O que relatam os brasileiros
A bebê nasceu em 10 de agosto, quinta-feira, às 10h40, em um hospital público de Cascais, a 30 km de Lisboa. Isabela, que vive em Portugal desde 2020, teve parto natural sem anestesia.
Na sexta, dia 11, foi feito um exame toxicológico que atestou a ausência de substâncias suspeitas. Apesar disso, mãe e filha só foram liberadas para voltar para casa na segunda, dia 14. Normalmente, no país, mãe e bebê ficam internadas por até 48 horas após o parto.
A família relata ter sido tratada com rispidez pela equipe do Hospital de Cascais Dr. José de Almeida quando chegou. De acordo com o casal, ao notar que a mãe não procurou atendimento imediatamente após o rompimento da bolsa, uma médica demonstrou irritação. E comentou, ao conferir a documentação: “Ah, é um casal de brasileiros”.
Os pais reclamam ainda que se sentiram pressionados quando recusaram a vacina contra a tosse convulsa — que é opcional em Portugal — e quando enfermeiros avisaram da necessidade de exames complementares, sem explicar o motivo.
A tensão aumentou quando o pai da bebê, Marcos Lana, se recusou a deixar o quarto de recuperação pós-parto — ele havia sido orientado a sair, mas alega que a legislação portuguesa permite a permanência de um acompanhante durante o período de internação da parturiente. A Guarda Nacional foi chamada.
Segundo os pais, um agente fez insinuações sobre possíveis substâncias ilegais em posse de Lana e um médico disse que a mãe havia relatado ser usuária de cannabis antes da gravidez. Por isso, pediu um exame toxicológico.
O casal afirma que o hospital tentou impedir o aleitamento materno — a equipe sugeriu que a criança seria alimentada com fórmula até receberem o resultado do exame. A mãe não concordou.
Após a saída da Guarda Nacional e a troca de equipe de plantão, a chefe do departamento de pediatria conversou calmamente com Lana e pediu para que ele voltasse no dia seguinte.
No sábado, entretanto, a polícia foi ao hospital, acompanhada de integrantes da CPCJ (Comissão de Proteção de Crianças e Jovens). Os policiais sugeriram que a família concordasse com a realização de novo exame toxicológico, ainda de acordo com o relato dos pais.
Mesmo com o resultado negativo, o hospital se recusou a liberar mãe e filha. Foi exigido que as autoridades visitassem a residência da família para verificar se o ambiente era apropriado para a recém-nascida.
No mesmo dia, os pais foram informados que a bebê estava sob custódia do hospital. Isabela poderia deixar o local, mas sua filha, com menos de 48 horas de vida, não poderia acompanhá-la. A criança só seria liberada com um laudo da CPCJ — o que não foi feito porque era fim de semana.
Na segunda-feira, a comissão visitou a casa da família à tarde e mãe e filha foram liberadas à noite. Lana já havia pedido ajuda de amigos e parentes para divulgar o caso nas redes sociais.
A família planeja processar o hospital e a chefe do departamento de pediatria. No entanto, devido às limitações financeiras, ainda não tem um advogado.
“Eu, recém-parida, fui refém do hospital até que a CPCJ assinasse um laudo permitindo que voltássemos pra casa”. (Isabela Burgos, mãe).
O que disseram
Nos próximos seis meses, a família será monitorada devido à marcação de “risco” relacionada ao “uso de maconha” realizada pela pediatra.
Ao UOL, o hospital afirmou que está seguindo protocolos estabelecidos e que as entidades competentes estão acompanhando o caso. A nota enviada diz que foram assegurados “por parte dos profissionais do Hospital de Cascais, todos os cuidados de saúde, e de seguimento, de forma totalmente criteriosa, responsável e humanizada”.
Procurada, a CPCJ preferiu não comentar o caso, alegando o caráter sigiloso das informações. A Guarda Nacional não enviou posicionamento até a publicação desta reportagem.
Para a jurista portuguesa Paula Mota, da Associação Mães Pela Cannabis, a classe médica está desinformada e, por isso, “tomam atitudes exageradas”.
“A maconha é descriminalizada aqui, se fosse algo que realmente preocupasse os médicos portugueses, por que não pediram exames ao longo da gestação”? (Marcos Lana, marido de Isabela).
Fonte: UOL.