O estado de São Paulo registrou mais de 65 mil ocorrências de roubos e furtos de veículos no primeiro semestre de 2023, o que representa 15 casos a cada hora, em média.
É o que aponta um levantamento exclusivo do Monitor da Violência do g1, em conjunto com o Fantástico, feito com base nos dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP) do estado. A análise considera todos os tipos de veículos: carros, motos, caminhonetes, caminhões etc.
Os dados mostram que:
Foram registradas 65,8 mil ocorrências de roubos e furtos de veículos no estado de São Paulo no primeiro semestre deste ano.
Este número é 3% mais alto que o registrado no mesmo período de 2022 – algo que deve ser visto como um ponto de atenção segundo os especialistas, pois pode indicar que o mercado de roubo de veículos e de venda de peças roubadas está aquecido.
Mas, ao mesmo tempo, é mais baixo que o patamar pré-pandemia – em 2019, foram quase 69 mil casos.
O total de veículos recuperados pela polícia também aumentou no primeiro semestre deste ano em relação a 2022: passou de 20,5 mil para 23 mil. Mas caiu na comparação com 2019, quando 29 mil foram recuperados.
O número de recuperados em 2023 representa apenas o equivalente a um terço do total de veículos roubados e furtados no período.
Este levantamento faz parte do Monitor da Violência, uma parceria do g1 com o Núcleo de Estudos da violência da USP (NEV-USP) e o Fórum Brasileiro da Segurança Pública (FBSP).
Diminuição da violência nos últimos dez anos
Os números ainda mostram que houve uma queda significativa nos roubos e furtos de veículos no estado de São Paulo nos últimos dez anos.
Em 2014, por exemplo, o estado teve mais de 116 mil casos no primeiro semestre do ano, quase o dobro do número registrado agora, em 2023.
Os indicadores criminais foram caindo gradativamente nos anos seguintes – até atingiram os patamares mais baixos do período durante a pandemia da Covid-19, em 2020 e em 2021.
Segundo o sociólogo Leonardo Ostronoff, pesquisador do Núcleo de Estudos de Violência da USP (NEV-USP), há diversos fatores por trás da diminuição da criminalidade nestes últimos dez anos.
Políticas públicas: “As políticas de segurança pública do período tiveram impacto. Tem mais programas de identificação de placas de veículos, mais câmeras em vias, mais investimento em inteligência, novas legislações”, diz.
Melhora da tecnologia de segurança: “Houve também um investimento em tecnologia e em monitoramento muito forte de segurança privada, das próprias seguradoras de veículos. Melhores sistemas de alarme e de rastreamento. Essas tecnologias vão inibindo o crime e melhorando [a segurança].”
O pesquisador ainda aponta que a queda durante a pandemia era previsível. Esta redução, inclusive, aconteceu de forma geral em diversos indicadores criminais – principalmente por conta da diminuição da circulação de pessoas nas ruas por conta das medidas de isolamento social.
“É natural ter um aumento dos crimes [no pós-pandemia]. Roubo e furto de veículos são crimes patrimoniais, e esse tipo de crime está relacionado à circulação de pessoas e de mercadorias. Quando volta a ter circulação, é normal que tenha um aumento desses crimes relacionados a veículos e celulares, por exemplo”, diz Ostronoff.
Em março, um levantamento do Monitor da Violência mostrou como a pandemia afetou os registros de furtos e roubos de celulares da cidade de São Paulo. Veja a reportagem completa aqui.
Ponto de atenção: aumento pós-pandemia
Os números do período pós-pandemia, porém, acenderam o alerta dos especialistas consultados pelo g1 e pelo Fantástico.
O primeiro semestre deste ano teve 3% a mais de registros que o mesmo período do ano passado.
E, mesmo ainda estando 5% mais baixo que o período pré-pandemia, essa alta pode ser considerada um indicativo de que o mercado de roubo e furto de veículos e de venda de peças roubados está aquecido – ou seja, que não houve apenas uma retomada do crime com a volta da circulação das pessoas, segundo os especialistas.
“Com o fim da pandemia, a gente teve um aumento rápido e expressivo da necessidade de chips, e isso afetou a produção de veículos do mundo todo. (…) Isso fez com que o preço do veículo aumentasse. Quando o preço do veículo aumenta, as pessoas começam a focar mais no carro usado”, diz Rafael Alcadipani, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
“Junto a isso, a gente teve uma depressão econômica, ou seja, a pessoa comprou um carro usado, que precisa de manutenção muitas vezes, e ela tá com menos dinheiro. Qual é a opção racional que a pessoa faz? Ela tenta comprar uma peça mais barata. Muitas vezes, essas peças são fruto de crime, são peças de veículos que foram roubados e furtados.”
Esse processo inteiro faz com que os esquemas dos desmanches comecem a funcionar mais, segundo Ostronoff.
“O mercado ilegal é dinâmico. O criminoso vai olhando o movimento da economia informal, as oportunidades. Eles vão migrando para onde dá mais lucro, com o menor risco possível. Agora é a vez dos veículos”, diz.
Não à toa, a maioria dos registros do primeiro semestre deste ano (70%) é de furtos, e não de roubos de veículos.
Roubos são casos que envolvem ameaça e violência – e que podem acabar eventualmente em sequestros e latrocínios, quando os proprietários dos veículos são assassinados em consequência do roubo.
Já nos furtos, não há ameaça – os crimes acontecem na ausência dos proprietários ou sem que eles percebam e se sintam ameaçados.
Estes casos de furtos estão mais conectados ao mercado dos desmanches e das peças roubadas, segundo os especialistas – já que representam menos risco.
“Esse cenário atual, [propício para o aquecimento do crime], com a frota de veículos envelhecida, não tende a mudar tão rápido. Para chegar em um nível de consumo de carro zero, leva tempo”, alerta Ostronoff.
E é por isso que, segundo Alcadipani, o aumento de casos representa “um sinal amarelo”.
“Nossas autoridades precisam estar atentas para isso, porque o furto e o roubo de veículo tem toda uma economia do crime que está relacionado com ele. (…) É uma coisa muito séria, muito perigosa.”
Veículos recuperados
Outro sinal amarelo dos dados é a quantidade de veículos recuperados pela polícia. O total no primeiro semestre foi de 23.060, o que representa cerca de um terço (35%) do total furtado ou roubado.
O valor é maior que o observado no primeiro semestre de 2022 (20.493), mas 21% menor do que os 29.098 veículos que haviam sido recuperados em 2019, antes da pandemia.
A Polícia Civil diz que vem combatendo os crimes de roubos e furtos de veículos, e que tem prendeu mais de 500 pessoas e localizou mais de 450 carros. “São crimes complexos, porque nós estamos falando em organização criminosa, com divisão de tarefas, diversas células criminosas que atuam, cada uma é responsável por algo”, afirma Leslie Caram Petrus, delegada de roubos e furtos de veículos da Divisão de Investigações sobre Furtos, Roubos e Receptações de Veículos e Cargas (Divecar).
Créditos: G1.