Olhando para as águas cinzentas, densas e malcheirosas que cortam a cidade de São Paulo pode ser difícil acreditar que bilhões de reais já foram gastos em mais de três décadas de projetos de despoluição do Tietê.
Ao final de março, a gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) anunciou que seriam investidos R$ 5,6 bilhões até 2026 para tentar limpar o rio. Mais de três meses depois, o projeto ainda não tem metas definidas e usa o caso do seu mais famoso afluente como exemplo a ser seguido.
Concluído em dezembro passado, o projeto Novo Rio Pinheiros é considerado um sucesso pelo governo do estado.
“O balanço é extremamente positivo. Nós estamos usando as lições aprendidas do Novo Rio Pinheiros para incrementar e equalizar o Integra Tietê”, afirma Samanta Souza, subsecretária de Recursos Hídricos e Saneamento Básico da Semil (Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística). “As obras de saneamento foram concluídas com sucesso, e as de manutenção são contínuas.”
O rio que passa pelo meio do coração financeiro da capital, está, de fato, menos sujo do que antes do projeto, lançado pelo então governador João Doria em 2019. Em janeiro daquele ano, dos 8 pontos monitorados pela Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo), só 1 não tinha a qualidade da água avaliada como péssima. Em janeiro de 2023, apenas um desses pontos era considerado péssimo, três tinham índice ruim e quatro, regular.
A melhora veio, principalmente, de ações de saneamento na região. De acordo com a Sabesp, mais de 650 mil imóveis foram conectados à rede de esgoto, fazendo com que mais de 3.000 litros de rejeitos deixassem de ser despejados por segundo no Pinheiros.
Mesmo assim, a água ainda é cinzenta, muitos pontos têm mau cheiro (ainda que mais leve do que antes) e é possível ver lixo boiando ao longo do rio.
Um levantamento da ONG SOS Mata Atlântica, divulgado em março, apontou que o Pinheiros é o mais poluído entre 120 corpos d’água do bioma. Entre 160 locais monitorados por voluntários, a qualidade da água foi considerada regular em 75% dos casos, ruim em 16,2% e péssima em 1,9% —os três locais que se enquadram na pior categoria ficam no Pinheiros.
“A despoluição é uma ação que não termina nunca”, diz Souza. “Agora, em termos de saneamento, o que temos que fazer é a manutenção de novos domicílios e prédios, conforme a cidade for crescendo. Já do ponto de vista de resíduos, esse é um trabalho contínuo. Temos contratos previstos de manutenção do espelho d’água, em que a gente retira o lixo. Isso está dentro do Integra Tietê.”
A intenção do governo do estado de replicar os resultados do Pinheiros no Tietê precisa superar um desafio de escala.
Enquanto o Pinheiros tem 25 km de extensão, o Tietê corre por 1.100 km, cortando o estado de São Paulo —vai de Salesópolis e até Itapura, onde deságua no rio Paraná. Ao longo do caminho, encontra contaminantes como agrotóxicos e fertilizantes, mas o maior problema está na falta de saneamento da região da Grande São Paulo.
Desde quando começaram as tentativas de limpeza, a mancha de poluição do Tietê diminuiu consideravelmente: foi de mais de 500 km de extensão, na década de 1990, para os atuais 122 km. Apesar disso, no último ano ela cresceu 43%. O monitoramento é feito pela SOS Mata Atlântica.
A subsecretária diz que o Integra Tietê tentará resolver os problemas do rio a partir de cinco pilares: controle de cheias; saúde e qualidade de vida; eficiência logística; turismo, lazer e integração; e governança.
“A gente tem um grande projeto de quatro anos em que estamos abordando o Tietê em todo o seu percurso”, diz.
Entre as medidas estão previstas a ampliação da rede de saneamento, mudanças no monitoramento da qualidade da água e recuperação de fauna e flora. Sob o chapéu do Integra Tietê está ainda a previsão de transformar o DAEE (Departamento de Águas e Energia Elétrica) em agência reguladora, passando a se chamar Agência SP Águas. Está sendo estudado também que parte dos processos executados pelo órgão seja feita por meio de parcerias público-privadas (PPPs).
O foco dos investimentos devem ser ações como aumento da capacidade de tratamento de esgoto e expansão das redes e coletores tronco. A área de saneamento básico deve receber R$ 3,9 bilhões dos R$ 5,6 bilhões em recursos previstos até 2026.
Outra parte importante dos recursos, R$ 916 milhões, deve ir para o desassoreamento. Até a metade de 2025, essas ações devem passar a ser feitas por meio de PPPs.
O resto do montante deve ser direcionado para iniciativas de restauração da região da nascente do Tietê, aprofundamento da calha no canal de navegação de Nova Avanhandava e gestão de pôlderes (áreas com diques).
Apesar disso, ainda não foram divulgadas as metas do Integra Tietê, tanto em relação à qualidade da água quanto à infraestrutura total que deve ser instalada com o projeto. “A gente está em processo de elaboração das metas”, diz a secretária, acrescentando que elas devem ser divulgadas em breve.
“O planejamento está sendo realizado agora, exatamente nos mesmos moldes daquilo que fizemos no Pinheiros: fazendo levantamento de todas as necessidades, estabelecendo metas, organizando contratações para que possamos realizar as obras que faltam”, afirma Marco Antonio Barros, superintendente de engenharia da Sabesp.
Apesar do novo nome, na prática, o Integra Tietê é mais uma fase do Projeto Tietê, que começou em 1992.
“Nós temos obras em andamento em praticamente toda a região metropolitana de São Paulo: Guarulhos, Itaquaquecetuba, Suzano, São Bernardo do Campo, Santo André”, diz Barros, explicando que o objetivo é completar o sistema de esgotamento na região.
Segundo ele, as novas obras devem começar pela área de atuação da marginal Tietê, as zonas norte, central e leste da capital e o ABC.
Ainda que o saneamento seja um elemento central para a despoluição do Tietê, Gustavo Veronesi, coordenador do programa Observando os Rios, da SOS Mata Atlântica, ressalta a importância de que essas medidas sejam aliadas à preservação de áreas de manancial, o que não foi anunciado nos novos investimentos.
“A gente não pode ir jogando a população para cada vez mais longe das cidades, para dentro das nossas matas”, afirma, defendendo medidas que facilitem a ocupação de áreas centrais das cidades, que já têm estrutura de água e esgoto.
Créditos: Folha de SP.