O texto da reforma tributária conseguiu ser aprovado com celeridade na Câmara dos Deputados, mas ainda precisará ser avaliado pelo Senado Federal. Durante os debates, diversas alterações foram implementadas a partir de compromissos com setores que reivindicavam mudanças na proposta. Apesar da temática estar em pauta há mais de 30 anos no Congresso Nacional, a velocidade com que o texto conseguiu passar em uma das Casas impressionou especialistas do setor. A avaliação de profissionais que acompanham o tema é a de que a apreciação da matéria pode ter sido atrapalhada por questões políticas, que ofuscaram o aspecto técnico que o assunto demanda. Além disso, alguns setores sensíveis à reforma, como o de serviços e o agronegócio, ainda devem levantar novas discussões. Para a apreciação do Senado, os profissionais esperam que os senadores trabalhem com mais calma, transparência e diálogo.
Especialista tributário e CEO da Tax All Consultoria Tributária, Eduardo Araújo, pontua que o andamento da matéria não precisava ser tão rápido quanto foi. Ele afirma que a proposta é muito importante para o Brasil e que traz muitas mudanças necessárias e positivas. “Mas a forma como a reforma está sendo tratada não é normal. Se estamos há mais de 30 anos tentando fazer, por que fazer dessa forma? Tem muita questão política atrapalhando a parte econômica e tributária. Esse texto deveria ser analisado com calma, abrir mais diálogo com o setor de serviços, com prefeitos e municípios, que vão pagar boa parte da conta. O que atrapalha essa tramitação é que na mesma semana você tem mais de R$ 7 bilhões de emendas parlamentares sendo liberadas. Então, fica no ar se está sendo feita essa liberação para poder atrair votos dos deputados. E, se isso de fato acontece, os deputados só votam porque estão ganhando um benefício, não porque é bom para o país”, indica. Eduardo ainda cita que, durante todo o andamento da matéria, o STF tem segurado um processo prejudicial ao presidente da Câmara, Arthur Lira, outro fator que atrapalha a votação da proposta pelo aspecto econômico e tributário.
A aprovação da reforma tributária pela Câmara veio depois de o governo Lula realizar um novo recorde no empenho de emendas de congressistas em um único dia. Na quarta-feira, 5, o Planalto empenhou R$ 5,3 bilhões em emendas individuais de transferência especial, mais conhecidas como “emendas pix”. Com a nova liberação, os repasses do governo Lula aos parlamentares apenas na semana da aprovação da reforma tributária chegou a R$ 7,4 bilhões, e o total neste ano ultrapassa os R$ 15 bilhões.
Para David Andrade Silva, advogado tributarista e sócio do Andrade Silva Advogados, o processo foi extremamente acelerado e precisava de mais calma para ser propriamente analisado. Ele pondera que a forma como o projeto foi construir pode levar a falência do país e à destruição de alguns setores da economia. “Essa reforma é um projeto de alta complexidade, com mais de cem páginas, e foi aprovada em menos de trinta dias. É uma velocidade, um açodamento, nunca antes visto. A reforma da Previdência, por exemplo, demorou dois anos para aprovação, com ampla discussão, testes, números, projeções. E a reforma tributária foi aprovada em tempo recorde, pelo sistema remoto, via internet, sem a presença dos parlamentares na Câmara e sem que nada pudesse ser devidamente debatido ou analisado com o cuidado e atenção que merecia”, opina. Ele acrescenta que não há clareza sobre o percentual de imposto que deve ser cobrado e que o setor de serviços pode sair prejudicado. “Os tributos podem ter incidência de 25%, 27% ou 29%. Isso simplesmente vai destruir o setor de serviços no Brasil. Com essa reforma, estaremos todos em algum momento mortos, falidos e endividados. Estaremos todos iguais, na miséria”, considera.
A aprovação da reforma foi possível graças ao entendimento de que se tratava de uma reforma para o Brasil e não do governo, segundo o entediamento advogado tributarista do Maluf Geraigire Advogados, Renato Sales. “Geralmente, reformas assim demandam muita discussão política e cada político procura fazer um gesto para a sua base eleitoral. No caso da reforma tributária não é diferente. A Câmara conseguiu um bom avanço na votação, mas é natural que alguns senadores proponham modificações. Em geral, espera-se que a espinha dorsal da reforma, que é essa unificação dos tributos, seja mantida. Questões mais burocráticas como a do pacto federativo tendem a ser alteradas, já que a reforma da forma como foi aprovada parece dar um certo protagonismo para a União, deixando principalmente os municípios em uma situação de maior dependência. Outro ponto que pode ser objeto de discussão pelos senadores é o impacto para setores mais sensíveis, como o setor de serviços e agronegócio, que tem uma bancada muito forte no legislativo”, observa.
Advogado tributarista sócio do Carvalho Borges Araújo Advogados, Guilherme Peloso Araújo comenta que a administração do novo tributo será realizada pela União, submetida a inúmeras regras para determinação retenções de valores e formas de repartição. “A autonomia financeira do ente, principal pilar da autonomia administrativa inerente ao federalismo, sai prejudicada. Chama atenção o atropelo no processo legislativo e o alto grau de incertezas para esta reforma, que surtirá efeitos significativos somente em 2032. A reforma não compreendeu os limites de alíquotas a serem usadas pelos novos tributos e outorgou à lei complementar a competência para ditar algumas regras sobre base de cálculo e aproveitamentos de créditos. Esses fatos significam a impossibilidade de avaliação, neste momento, sobre o impacto financeiro na vida dos particulares”, esclarece. Nos próximos dias, a proposta será enviada ao Senado, onde terá sua tramitação definida pela Mesa Diretora. É possível que a reforma seja analisada na Comissão de Assuntos Econômicos pelo Grupo de Trabalho de Avaliação do Sistema Tributário Nacional. Após o trâmite nas comissões, caso assim seja definido, o projeto seguirá para a análise do plenário do Senado, onde deve ser aprovado por dois turnos para ser aprovada, com ao menos 49 votos favoráveis – as propostas de emenda à Constituição exigem o apoio de três quintos dos membros da Casa.
Créditos: Jovem Pan.