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Se aprovada, legislação irá na direção contrária das recomendações do Grupo de Ação Financeira Internacional sobre combate à lavagem de dinheiro
Aprovada em regime de emergência na Câmara dos Deputados na última quarta-feira (14), a lei que institui penas de multa e prisão para quem “discriminar” políticos, seus parentes de segundo grau e até laranjas poderá colocar o Brasil na chamada “lista cinza” do Grupo de Ação Financeira Internacional (Gafi), entidade criada pelo G7 para proteger o sistema financeiro de esquemas de lavagem de dinheiro e outros crimes.
A lista é uma relação de países que não adotam mecanismos e controles suficientes para coibir a lavagem de dinheiro. Passaram a fazer parte dela recentemente a África do Sul e a Nigéria. Já faziam parte países como os Emirados Árabes Unidos e o Panamá, entre outros.
A lista serve como parâmetro para que as demais nações e instituições financeiras tomem medidas preventivas mais rígidas ao fazerem negócios com as nações implicadas. Na prática, a lista afugenta investimentos e dificulta a concessão de crédito e empréstimos de instituições financeiras ou multilaterais.
O Brasil integra o Gafi desde 2000 e chegou a presidir o órgão entre 2008 e 2009.
O timing da aprovação da lei não é favorável. Isso porque, segundo apurou a equipe da coluna, o país passa neste momento por uma rodada de avaliação na qual o organismo verificará se o Brasil adota com sucesso as políticas que devem ser seguidas pelas nações signatárias.
Foram apenas três avaliações desde que o Brasil aderiu ao grupo. Esta é a primeira sob o formato que leva em conta 40 recomendações para o combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento de grupos criminosos. Caso a lei seja aprovada no Senado, o país afrontará diretamente as medidas recomendadas pelo Gafi para pessoas politicamente expostas, além de potencialmente outras premissas do órgão.
Em março, uma delegação do Gafi esteve no Brasil e se reuniu com autoridades, incluindo o Banco Central, e instituições financeiras. Um relatório completo será apresentado na assembleia-geral do grupo, em Paris, prevista para outubro. Até lá, qualquer nova lei ou regulamento que entre em vigor poderá interferir no texto final.
Nos bastidores da entidade, a expectativa é de que a cobrança sobre o Brasil seja ainda maior porque o país ficou entre os últimos da fila para a rodada de avaliação deste ano.
Com uma série de outras nações já avaliadas e adaptadas às 40 recomendações, o Gafi se sentiria autorizado a avaliar o quadro brasileiro com uma exigência ainda maior.
“Esse PL sinaliza uma intenção da classe política em continuar avançando contra o arcabouço de combate à corrupção e lavagem de dinheiro, o que, certamente, pode contribuir para um cenário no qual o Brasil fique mais próximo [da lista cinza]”, avalia Guilherme France, gerente de pesquisa da Transparência Internacional Brasil.
“Outro exemplo que pode ser levado em conta é a legislação que alterou o estatuto da advocacia [Lei 14.365/2022] e ampliou as chances de lavar dinheiro na profissão”, completa France, em referência ao dispositivo que permite contratos verbais para a prestação de serviços advocatícios.
Na opinião de France, o desmonte do arcabouço do combate à lavagem de dinheiro também pode beneficiar, em última instância, toda sorte de atividade criminosa – como o tráfico de armas, drogas e pessoas – praticada por pessoas que porventura se enquadrem na lei, o que contraria os preceitos básicos do Gafi.
Isso porque, ao exigir que instituições financeiras justifiquem a recusa de um serviço a uma pessoa investigada, a lei na prática coíbe uma análise de risco rigorosa e sigilosa, de acordo com as melhores práticas internacionais.
A entrada do Brasil no seleto e indesejado grupo da lista cinza não é automática e depende de uma série de critérios do grupo internacional. Mas caso o relatório de um país aponte problemas, o Gafi passa a acompanhar o caso de perto – uma espécie de sinal amarelo que antecede uma sanção.
“Se forem identificados problemas e as recomendações não forem adotadas, o país fica ainda mais próximo da lista, e fazer parte dela é muito ruim. Isso afeta o acesso ao mercado financeiro mundial e os países de fora precisam adotar medidas muito mais drásticas ao lidar com empresas, cidadãos e instituições financeiras dos países que fazem parte dela”, explica Maíra Martini, especialista em medidas antilavagem de dinheiro da Transparência Internacional em Berlim.
“A avaliação do Gafi tem uma metodologia que analisa a aderência do Brasil e dos demais países às recomendações, e essa lei aprovada pela Câmara afeta diversas delas”.