O cenário urbano passou por transformações significativas nos últimos anos, especialmente quando se pensa em mobilidade e acesso a meios alternativos de transporte. Entre as propostas que prometiam revolucionar a circulação nas cidades estavam as bicicletas compartilhadas, que ganharam espaço em diversas capitais brasileiras a partir do final da década de 2010. Inicialmente, essas bikes eram vistas como uma alternativa sustentável, eficiente e econômica às opções tradicionais para curtas e médias distâncias. Porém, em 2025, observa-se que muitos desses sistemas deixaram de operar, revelando impasses e aprendizados importantes para as políticas de transporte público.
A trajetória das bicicletas de uso coletivo chamou a atenção não só pelo rápido crescimento, mas também pelo declínio no interesse do público e dificuldades enfrentadas. Projetos que atuavam em várias regiões do país começaram a encerrar suas atividades, seja pela ausência de apoio financeiro, problemas de manutenção ou desapropriação do espaço urbano. Esse cenário levanta discussões sobre os obstáculos que impediram o sucesso contínuo desse serviço e quais lições ficam para futuras iniciativas de mobilidade urbana compartilhada.
Quais fatores levaram ao declínio das bikes compartilhadas?

Entre os principais elementos que explicam a queda na demanda pelas bikes compartilhadas está a manutenção insuficiente dos equipamentos. Muitas empresas não conseguiram garantir a qualidade e a segurança dos veículos diante do uso intenso e da necessidade constante de reparos. Além disso, o vandalismo e o roubo também prejudicaram o funcionamento dos sistemas, levando à redução da frota disponível e, consequentemente, desestimulando o uso por parte da população.
Outro desafio enfrentado foi a expansão limitada de estações ou pontos de retirada, dificultando o acesso a quem mora em áreas periféricas ou menos centrais. Com menos estações estratégicas, o serviço deixava de ser prático para deslocamentos cotidianos, perdendo atratividade em relação a outras opções de transporte.
1. Infraestrutura Cicloviária Inadequada
- Falta de segurança no trânsito: A ausência de ciclovias e ciclofaixas contínuas, bem sinalizadas e conectadas aos centros urbanos e outras áreas importantes, torna o uso da bicicleta perigoso para muitos usuários, aumentando o receio de acidentes.
- Desrespeito às leis de trânsito: A falta de fiscalização e punição para motoristas que não respeitam os ciclistas (como a distância mínima ao ultrapassar) contribui para a insegurança.
- Terrenos acidentados e condições climáticas: Cidades com muitas ladeiras ou com climas muito quentes e chuvosos podem desmotivar o uso da bicicleta, embora isso possa ser mitigado com bicicletas elétricas e infraestrutura adequada (ciclovias com sombra, locais para descanso).
2. Falhas na Gestão e Operação dos Sistemas
- Falta de manutenção: Bicicletas abandonadas, sem corrente ou com problemas mecânicos, sem manutenção básica, levam à insatisfação dos usuários e à desativação dos serviços.
- Falta de financiamento e patrocinadores: Muitos sistemas dependem de patrocínios, e a perda desses parceiros pode levar à interrupção das operações, como ocorreu em João Pessoa e Blumenau.
- Ausência de integração com outros modais: A falta de bicicletários seguros em estações de transporte público (metrô, ônibus, trem) e a dificuldade de combinar a bicicleta com outros meios de transporte limitam a utilidade do serviço para deslocamentos mais longos.
- Distribuição desigual das estações: A concentração de estações em áreas centrais e de maior poder aquisitivo, com pouca ou nenhuma cobertura em bairros periféricos e de menor densidade populacional, exclui uma parcela significativa da população e limita a abrangência do sistema.
3. Acessibilidade e Inclusão Social
- Barreiras de acesso para grupos específicos: A exigência de cartão de crédito e a complexidade de tarifas podem dificultar o acesso para pessoas de baixa renda ou sem conta em banco.
- Desigualdade de gênero e raça: Pesquisas mostram que a proporção de mulheres e pessoas negras utilizando o sistema de bicicletas compartilhadas é menor do que a proporção dessas populações nas cidades, indicando uma falha em atender de forma equitativa.
Economicamente é viável?
Muitos projetos de bike sharing dependiam de grandes investimentos, seja de prefeituras, empresas privadas ou patrocínios. Quando o interesse comercial diminuiu, principalmente em virtude de lucros limitados e alto custo de operação, várias redes passaram a ficar financeiramente inviáveis. A falta de políticas públicas amplas para incentivar a mobilidade ativa, incluindo subsídios e integração com o transporte público, agravou essa situação.
- Redução de patrocínios publicitários
- Crescimento de concorrência, como patinetes elétricos e apps de transporte
- Desgaste da infraestrutura urbana não preparada para ciclistas
Além desses fatores, as mudanças climáticas e períodos de chuva intensa também afetam a frequência de uso das bicicletas, tornando o investimento ainda menos previsível para operadores do sistema.
Como a percepção dos usuários mudou ao longo do tempo?
No início, a ideia de compartilhar bicicletas foi muito bem aceita, especialmente por pessoas preocupadas com a redução de emissão de poluentes e interessadas em escapar do trânsito congestionado. Contudo, com o passar dos anos, surgiram relatos de dificuldades para encontrar bicicletas disponíveis ou em bom estado, além de problemas para finalizar viagens devido à falta de vagas nas estações.
Essas experiências negativas acabaram diminuindo a confiança dos usuários no sistema, além de gerar receio quanto ao valor investido em planos mensais ou eventuais tarifas cobradas. Pesquisa recente de mobilidade urbana aponta que a maioria dos ex-usuários passou a optar por alternativas mais consistentes em termos de praticidade e facilidade de acesso.
Quais os próximos passos?
Embora muitos projetos tenham sido encerrados, especialistas em mobilidade apontam que é possível repensar o modelo de compartilhamento de bicicletas, apostando em políticas integradas ao transporte de massa, maior oferta de infraestrutura cicloviária e estímulo fiscal. A tecnologia também pode colaborar, monitorando o uso, otimizando a distribuição das bikes e prevenindo roubos via mecanismos de rastreamento mais eficientes.
- Investimento em ciclovias protegidas
- Parcerias entre setores público e privado para custeio das operações
- Educação sobre o uso responsável das bicicletas na cidade
- Campanhas para conscientizar sobre os benefícios ambientais
A mobilidade sustentável segue como meta em diversas cidades brasileiras, e o ciclo das bikes compartilhadas, mesmo com dificuldades e encerramento de serviços, abriu espaço para novas reflexões sobre alternativas ecologicamente responsáveis. O futuro das bicicletas urbanas pode depender da capacidade de aprender com os erros do passado, incentivando o uso responsável e garantindo estruturas que sustentem o transporte coletivo sobre duas rodas.