Um caso raro e intrigante de síndrome da língua estrangeira (SLE) surgiu na Holanda, envolvendo um adolescente de 17 anos. Após uma cirurgia no joelho, o jovem, que até então falava apenas holandês, acordou falando exclusivamente em inglês, idioma que havia aprendido apenas em aulas escolares. Este fenômeno, também conhecido como síndrome do sotaque estrangeiro (SSE), é um distúrbio neurológico raro que altera a prosódia da fala, fazendo com que o paciente pareça ter adquirido um novo sotaque ou idioma.
O caso foi relatado no Journal of Medical Case Reports em 2022, destacando a surpresa dos médicos ao se depararem com a situação. Inicialmente, suspeitou-se de um delírio pós-anestésico, mas a condição do adolescente persistiu por horas, levando a uma avaliação psiquiátrica mais aprofundada. Durante essa avaliação, o jovem demonstrou dificuldade em falar holandês, sua língua nativa, mas conseguia se comunicar em inglês com um sotaque holandês perceptível.
Como a síndrome da língua estrangeira se manifesta?

A síndrome da língua estrangeira é extremamente rara, com poucos casos documentados ao longo dos anos. Ela geralmente ocorre após lesões em áreas cerebrais responsáveis pela linguagem, como o lobo frontal ou a área de Broca. As causas mais comuns incluem acidentes vasculares cerebrais (AVC), traumatismos cranianos, cirurgias neurológicas, tumores e infecções cerebrais. Em alguns casos, pode surgir em contextos psiquiátricos, mesmo sem lesões cerebrais visíveis.
De acordo com especialistas, a SLE não envolve a aquisição de um novo idioma, mas sim uma alteração na prosódia da fala — ritmo, entonação e articulação — que faz com que pareça um sotaque estrangeiro. No caso do adolescente holandês, os exames neurológicos não identificaram anomalias, e ele foi liberado do hospital um dia após a cirurgia.
As manifestações específicas podem variar de pessoa para pessoa, mas geralmente incluem alterações em:
- Prosódia: Refere-se à melodia, ritmo e entonação da fala. Pessoas com SLE podem apresentar mudanças na altura da voz, variações incomuns na entonação, padrões de acentuação diferentes nas palavras e um ritmo de fala alterado (podendo ser mais lento, mais rápido ou com pausas inadequadas).
- Articulação: A forma como os sons da fala são produzidos pode mudar. Isso pode envolver a substituição de certos sons por outros (fonemas), a omissão de sons, a distorção de sons (tornando-os imprecisos) ou dificuldades em pronunciar grupos de consoantes. Por exemplo, um “th” pode soar como um “f”.
- Vogais: A pronúncia das vogais pode ser alterada, tornando-as mais tensas, encurtadas, alongadas ou substituídas por outras vogais. Diftongos (combinações de duas vogais em uma sílaba) podem ser pronunciados como vogais únicas.
- Consoantes: Similarmente às vogais, a produção das consoantes pode ser afetada, incluindo mudanças no ponto e modo de articulação, além de erros de sonoridade (como trocar uma consoante sonora por uma não sonora, ou vice-versa).
- Ênfase nas sílabas: A pessoa pode começar a enfatizar sílabas diferentes nas palavras do que fazia anteriormente.
- Velocidade da fala: Pode haver uma alteração na velocidade normal da fala, com tendência a falar mais lentamente ou com variações na velocidade dentro da mesma frase.
- Volume da voz: O volume da voz pode mudar.
- Inserção de sons: Sons como “uh” podem ser inseridos com mais frequência nas palavras.
O que causou o ‘sotaque estrangeiro’ após a cirurgia?
A causa exata da síndrome da língua estrangeira ainda é um mistério para a comunidade médica. No caso do adolescente, a anestesia foi inicialmente considerada como um possível fator, mas especialistas afirmam que a anestesia por si só dificilmente causaria o problema. Complicações neurológicas associadas à anestesia, como um AVC ou hipóxia, poderiam desencadear a síndrome, mas não foram encontradas evidências disso nos exames realizados.
O adolescente recuperou a capacidade de falar holandês 18 horas após a cirurgia e, em três semanas, estava completamente recuperado. Apesar da rápida recuperação, o caso continua sem uma explicação clara, destacando a complexidade e o mistério que cercam a síndrome da língua estrangeira.
Como a medicina enfrenta casos raros como este?
Casos raros como o da síndrome da língua estrangeira desafiam a medicina a buscar respostas e soluções para fenômenos pouco compreendidos. A documentação e o estudo de tais casos são essenciais para ampliar o conhecimento sobre distúrbios neurológicos raros e suas possíveis causas. A colaboração entre neurologistas, psiquiatras e outros especialistas é fundamental para avançar na compreensão e tratamento dessas condições.
Enquanto a ciência continua a investigar a síndrome da língua estrangeira, casos como o do adolescente holandês permanecem como lembretes das complexidades do cérebro humano e das surpresas que ele pode revelar. A busca por respostas continua, com a esperança de que futuros estudos possam elucidar os mistérios dessa condição fascinante.