foto: BBC
O agricultor Tambala Jefwa, de 74 anos, vive com as marcas profundas da violência em seu corpo. Acusado de bruxaria, ele foi brutalmente atacado duas vezes em sua casa, a 80 km da cidade costeira de Malindi, no Quênia. Sua esposa, Sidi, relembra cada detalhe doloroso dos ferimentos enquanto ajuda o marido diariamente.
Esses ataques, que deixam cicatrizes tanto físicas quanto emocionais, são comuns na região. A cada semana, uma pessoa idosa é assassinada na costa de Kilifi sob a alegação de envolvimento com bruxaria, segundo o estudo “The Aged, on Edge”. O motivo por trás dessas atrocidades muitas vezes não é crença em bruxaria, mas sim disputas por terras familiares.
Como a disputa de terra alimenta as acusações de bruxaria?
Os Jefwa possuem mais de 30 hectares onde cultivam milho e criam galinhas, mas enfrentam conflitos familiares sobre os limites dessa propriedade. Eles acreditam que esses conflitos são a verdadeira razão dos ataques, não a bruxaria. “Fui largado para morrer. Perdi muito sangue. Não sei por que me atacaram, mas só pode ser a terra”, desabafa Jefwa.
Poucas pessoas na região possuem títulos de propriedade formalizados. Sem documentação, a posse de terras é passada tradicionalmente pela família, tornando os idosos, principalmente homens, alvos em potencial. Segundo Julius Wanyama, da organização de direitos humanos Haki Yetu, sete em cada dez assassinatos são de homens idosos devido à herança das terras.
Quem está por trás dos ataques?
Investigando os ataques, a BBC Africa Eye conseguiu rastrear um ex-assassino de aluguel. Este afirmou ter matado cerca de 20 pessoas e afirmou categoricamente que “se alguém mata um idoso, saiba que foi a família dele quem pagou por isso.” As acusações de bruxaria são utilizadas como justificativa pública para os assassinatos, mas a verdadeira motivação é o desejo de se apossar das terras familiares.
Esses crimes muitas vezes ficam impunes. Katana Chara, de 63 anos, teve as duas mãos decepadas por um agressor que ele conhece pessoalmente. No entanto, ninguém foi processado. Ele acredita que a disputa por seus seis hectares de terra é o verdadeiro motivo do ataque.
Como a comunidade está respondendo a esses crimes?
A Comissão Nacional de Direitos Humanos do Quênia levou a questão para a ONU, destacando que queima de bruxas, assassinatos e ataques físicos são comuns em regiões como Kisii e Kilifi. Os assassinatos aumentam durante períodos de seca e fome, quando recursos se tornam escassos. Há iniciativas locais, como a Malindi District Association, que oferece abrigo para idosos atacados, mas o problema persiste.
Para muitos idosos, como Jefwa e Chara, viver em constante medo é uma realidade. Wanyama alerta que esses assassinatos se tornaram um “desastre nacional”, e que é crucial tratar a documentação de terras para evitar a perda dos “arquivos vivos” que são os idosos na cultura tradicional africana. Em Kilifi, a situação se agrava ao ponto de idosos tentarem parecer mais jovens para evitar serem alvos.
Em conclusão, a violência contra idosos no Quênia, motivada por disputas de terras e disfarçada como acusações de bruxaria, é uma crise que requer atenção e ação imediata. A proteção e a valorização dos idosos são essenciais para preservar a cultura e a história das comunidades africanas.