Em 2024, o Brasil presenciou um novo recorde no número de multas de trânsito, ultrapassando 74 milhões de autuações em um único ano. No entanto, esse crescimento nas infrações não foi acompanhado por uma elevação nas suspensões de Carteira Nacional de Habilitação (CNH), que registraram o menor patamar desde 2013, com exceção do período atípico da pandemia. Essa mudança, segundo especialistas, reflete alterações legais e dificuldades estruturais que desafiam a eficácia das punições e a segurança viária.
A alteração do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) entre 2021 e 2022 promoveu mudanças consideradas relevantes por estudiosos do tema. Entre elas, destaca-se o aumento do limite de pontos necessários para a suspensão da CNH, que subiu de 20 para 40 pontos. Em paralelo, requisitos para exames toxicológicos e multas para empresas que não identificam condutores também foram modificados, gerando impactos práticos tanto para motoristas quanto para administradores públicos.
O que mudou nas regras de trânsito a partir de 2021?
As novas normas do CTB, implementadas a partir de abril de 2021, tornaram mais difícil a suspensão imediata da CNH no Brasil. Com o novo limite de 40 pontos, motoristas podem cometer diversas infrações ao longo de um ano sem necessariamente perder o direito de dirigir. O sistema de pontuação considera não apenas o tipo, mas também a frequência e a gravidade das infrações. Por exemplo, condutores que acumularem infrações gravíssimas veem esse limite reduzido, mas ainda assim a margem para práticas irregulares cresceu significativamente.
Além disso, as empresas passaram a ter penalidades menores caso não identifiquem o responsável por uma infração cometida com veículos registrados em seu nome. O valor da multa é apenas dobrado, substituindo a antiga punição, onde tanto a multa quanto a pontuação eram multiplicadas. Especialistas apontam que essa brecha pode dificultar a responsabilização direta dos condutores, tornando a punição menos efetiva e favorecendo algumas práticas de burla.
Por que as multas aumentam e as suspensões caem?
O aumento expressivo no total de multas emitidas pode ser atribuído a diversos fatores. Entre os principais, destaca-se o avanço tecnológico na fiscalização, especialmente com o uso de radares automáticos nas rodovias e vias urbanas. Equipamentos modernos conseguem registrar milhares de infrações diárias, principalmente relacionadas ao excesso de velocidade — que responde por mais de 40% do total nos últimos dez anos. No entanto, mesmo com o volume desse tipo de multa, poucos motoristas atingem o novo limite de pontos necessário para suspensão.
Além disso, o comportamento dos condutores diante dos sistemas de monitoramento mudou. A popularização de aplicativos de navegação, que avisam sobre a localização exata de radares, induz muitos motoristas a reduzirem a velocidade somente quando necessário, para logo retomar o ritmo anterior. Esse padrão reduz a eficácia da fiscalização pontual, tornando mais difícil prevenir infrações de maneira sustentável.
- Suspensão automática: ocorre apenas em casos extremos, como velocidades muito acima do permitido.
- Multas por CNPJ: tendem a não gerar acúmulo de pontos para um condutor específico.
- Pontuação diluída: permite que múltiplos deslizes passem sem consequências diretas.

Quais os reflexos dessas mudanças na segurança viária?
A relação entre infrações, suspensão da CNH e índices de mortalidade nas estradas é complexa e envolve múltiplas variáveis. Após anos de queda no número de mortes no trânsito — resultado de ações como o reforço na Lei Seca, obrigatoriedade de airbags e políticas de redução de velocidade —, o Brasil voltou a observar alta nas fatalidades a partir de 2020. Em 2024, foram registradas mais de 6 mil mortes apenas em rodovias federais, acompanhando também o crescimento dos acidentes, que atingiram o maior patamar desde 2015.
De acordo com especialistas, parte desse cenário é motivada não só pelo relaxamento nas regras e fiscalização, mas também pelo aumento da frota, economia aquecida e mudanças de hábito acentuadas durante e após a pandemia. O uso de motocicletas, por exemplo, cresceu de maneira vertiginosa, tanto para transporte individual quanto para serviços de entrega, concentrando quase 40% dos óbitos no trânsito brasileiro.
- Maior tolerância leva a mais reincidência nas infrações.
- A fiscalização tecnológica exige atualização constante e integração de dados.
- Setores vulneráveis, como motociclistas, enfrentam barreiras de qualificação e fiscalização.
- Recursos arrecadados com multas nem sempre são revertidos para segurança e educação no trânsito.
O investimento em segurança viária acompanha o aumento das multas?
Apesar do volume significativo de valores arrecadados por meio de multas, nem sempre esses recursos são utilizados na promoção de campanhas educativas ou melhoria das condições das vias. Em 2024, dos mais de R$ 800 milhões provenientes de infrações, apenas uma pequena parcela foi aplicada diretamente em ações de educação e fiscalização. O restante acabou contingenciado ou direcionado a outras áreas do orçamento federal.
Enquanto algumas cidades, como Natal (RN), conquistaram resultados positivos ao reinvestir localmente os recursos — chegando a reduzir em 18% a mortalidade no trânsito em um ano —, grande parte dos municípios brasileiros ainda enfrenta desafios na estruturação de políticas públicas eficazes. Na ausência de coordenação centralizada e com dados fragmentados entre órgãos municipais, estaduais e federais, a formulação de estratégias unificadas torna-se difícil. Esse contexto cresce o apoio à criação de uma agência nacional dedicada à segurança viária, capaz de padronizar informações, fiscalizar investimentos e articular medidas de prevenção no trânsito em todo o país.
Diante desse panorama, percebe-se que as mudanças no Código de Trânsito Brasileiro alteraram profundamente não só a dinâmica das punições, mas também os principais desafios para uma mobilidade mais segura. A combinação de tecnologias de fiscalização, atualização das leis e maior integração entre instituições é apontada como um dos caminhos para reverter o aumento nas infrações e garantir maior responsabilidade nas vias brasileiras.