A relação entre torcedor e clube varia muito de país para país. Segundo Marcelo Bechler, jornalista e correspondente da TNT Sports em Barcelona, o torcedor europeu tem uma conexão diferente com o futebol, mais racional e voltada ao entretenimento. Já o brasileiro vive essa paixão com intensidade, muitas vezes alimentada por expectativas irreais. Com base em sua vivência internacional, Bechler nos oferece uma visão interessante sobre como a cultura influencia o comportamento nas arquibancadas.
Marcelo Bechler (@marcelobechler), com mais de 400 mil seguidores nas redes sociais e atuação como correspondente da TNT Sports e Rádio Itatiaia, acompanha de perto o cotidiano dos clubes europeus. Em seus relatos, ele mostra como o futebol na Europa é encarado com mais racionalidade e menos cobrança por títulos, o que impacta diretamente a forma como os torcedores se relacionam com seus clubes. Essa reflexão levanta pontos importantes sobre as diferenças culturais que marcam o futebol em diferentes regiões do mundo.
Por que os europeus continuam lotando estádios mesmo o time sem títulos?
A grande diferença, segundo Marcelo Bechler, está na expectativa. Na Europa, torcedores de clubes médios como Betis, Sevilla ou Aston Villa sabem que dificilmente serão campeões. Ainda assim, seguem firmes no apoio, enchendo os estádios e acompanhando os jogos semana após semana. O futebol, nesse contexto, é um momento de lazer, uma experiência compartilhada com amigos e família, mais próximo do entretenimento que da obsessão por resultados.
Essa postura contrasta fortemente com a do torcedor brasileiro, que muitas vezes se frustra ao ver seu time fora da disputa pelo título. No Brasil, a paixão pelo clube está diretamente ligada à ambição de vencer. O torcedor, mesmo quando o time está em má fase, se agarra à ideia de que pode ser campeão. E quando isso não acontece, a frustração é grande. Essa diferença de expectativas cria dois tipos muito distintos de relação com o clube do coração.
A paixão do brasileiro pelo clube é exagerada?
Bechler destaca que a relação do brasileiro com o futebol ultrapassa o racional. Aqui, o futebol não é apenas um passatempo: é um pilar emocional, uma fonte de felicidade (ou tristeza) profunda. Para muitos, o futebol ocupa um lugar central na vida, não apenas como lazer, mas como identidade. Isso torna a cobrança por vitórias mais intensa e, em muitos casos, desproporcional à realidade dos clubes.
Enquanto o europeu aceita o papel de coadjuvante e celebra pequenas conquistas, o brasileiro tem dificuldade em aceitar posições intermediárias na tabela. A paixão alimenta uma esperança constante de glória, o que pode ser bonito, mas também doloroso. Segundo Bechler, diretores de clubes muitas vezes se aproveitam dessa paixão para vender sonhos ao torcedor, o que gera ainda mais frustração quando os objetivos não são alcançados.
Futebol como entretenimento ou como devoção?
Nos países europeus, o futebol é visto com mais distanciamento emocional. Torcedores vão ao estádio para passar um bom domingo, se reunir com amigos, se distrair. Mesmo que o time perca ou fique na parte de baixo da tabela, a presença no estádio continua constante. O estádio é parte da rotina, não da frustração. Isso contribui para um ambiente mais estável e para uma relação mais duradoura e tranquila com o clube.
No Brasil, o futebol toma proporções muito maiores. Ele domina as conversas, interfere no humor e, em muitos casos, define o fim de semana do torcedor. Essa centralidade pode ser encantadora, mas também desgastante. Quando o clube não corresponde, o torcedor sofre, reclama, protesta. É uma devoção que se mistura com cobrança, e que nem sempre é saudável para os envolvidos.
A frustração do torcedor brasileiro tem solução?
O comportamento do torcedor brasileiro está profundamente enraizado em sua cultura e história com o futebol. O Brasil é um país que cresceu se vendo como potência mundial no esporte, com cinco Copas do Mundo e clubes historicamente vitoriosos. Isso gerou uma expectativa coletiva de sucesso permanente. Porém, a realidade do futebol moderno é mais equilibrada, com menos espaço para hegemonias prolongadas.
Aceitar que nem todos os clubes estarão sempre no topo pode ser um passo importante para tornar a relação mais saudável. Como aponta Bechler, entender que o futebol pode ser aproveitado mesmo sem títulos, valorizando o momento, o ambiente e a conexão social, pode ajudar o torcedor a se frustrar menos. Isso não significa abandonar a paixão, mas sim ajustar a expectativa.
Por que o torcedor europeu é mais racional e o brasileiro mais emocional?
Segundo estudos sobre comportamento esportivo e cultura futebolística, o torcedor europeu, em especial no Reino Unido e em países como Espanha e Alemanha, costuma enxergar o futebol como parte do seu cotidiano social. Ele compra ingressos com antecedência, frequenta o estádio com regularidade e apoia seu clube mesmo em momentos de crise. Isso é reforçado por políticas de clubes que valorizam o torcedor como parte do espetáculo, independentemente do desempenho.
No Brasil, a relação é marcada por altos e baixos, movida por títulos e campanhas. Segundo pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o comparecimento médio aos estádios brasileiros ainda é muito inferior ao dos europeus, apesar da paixão intensa. Isso mostra que o envolvimento emocional nem sempre se traduz em apoio consistente. Há uma diferença importante entre amar o clube e aceitá-lo nas fases ruins.
O futebol precisa mesmo ser o centro da vida?
Repensar o lugar que o futebol ocupa na vida dos brasileiros pode trazer benefícios. Quando ele se torna a principal fonte de felicidade ou tristeza, cria-se uma dependência emocional perigosa. Marcelo Bechler propõe que o futebol seja colocado em uma “caixinha” da vida, como acontece com os europeus, e não ocupe sozinho todo o “guarda-roupa” das emoções. Isso permitiria uma relação mais leve, prazerosa e duradoura com o esporte.
Claro que isso não significa diminuir a paixão ou a identidade construída em torno dos clubes. Mas talvez ressignificar o que é ser torcedor: mais do que cobrar títulos, apoiar em qualquer cenário. Afinal, a verdadeira fidelidade se mostra nos momentos difíceis, e o futebol, no fim das contas, é muito mais sobre pertencimento do que sobre troféus.
Fontes oficiais e referências usadas neste artigo
- Fundação Getúlio Vargas (FGV): https://portal.fgv.br
- Observatório da Discriminação Racial no Futebol: https://observatorioracialfutebol.com.br
- UEFA (União das Associações Europeias de Futebol): https://www.uefa.com
- Ministério do Esporte: https://www.gov.br/esporte
- FIFA – Federação Internacional de Futebol: https://www.fifa.com