A recente decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), que ignorou a deliberação da Câmara dos Deputados e manteve o andamento da ação penal contra o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), acendeu um curto-circuito institucional de alto risco. A insatisfação no Legislativo é generalizada e tem como epicentro a figura de Hugo Motta (Republicanos-PB), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), autor de uma manobra que acabou encurralando a própria Casa.
A estratégia de Motta era clara: sustar o andamento da ação apenas em relação a Ramagem, confiando que o STF acataria parcialmente a decisão da Câmara, preservando os demais réus — especialmente o ex-presidente Jair Bolsonaro — na mira da Justiça. A leitura política era de que o Congresso poderia proteger um dos seus, sem parecer que estava blindando toda uma rede de suspeitos. No entanto, o Supremo decidiu seguir por outro caminho.
A Primeira Turma do STF não só ignorou a decisão da Câmara como também reafirmou que os supostos crimes imputados a Ramagem ocorreram antes de sua diplomação como deputado federal — o que, segundo entendimento da Corte, os afasta da proteção do art. 53 da Constituição Federal, que prevê a possibilidade de sustação de processos por crimes cometidos depois da diplomação. Para o Supremo, a blindagem não se aplicaria. Para a assessoria jurídica da Câmara, sim — pois a denúncia foi recebida depois da diplomação.
O impasse não é apenas técnico, é simbólico e político. Deputados aliados de Motta acusam a Corte de ter “dado um passo maior do que a perna”. A manobra de proteção a Ramagem se tornou uma armadilha, colocando a Câmara numa situação institucional humilhante: 315 deputados aprovaram a suspensão da ação, e mesmo assim o Judiciário não apenas desconsiderou a decisão como deu um recado contundente sobre quem dita as regras.

No centro do conflito está o desequilíbrio entre os poderes. O STF, ao recusar-se a reconhecer a deliberação da Câmara, se coloca, na prática, como um poder com mais peso que os outros dois. Não se trata de julgamento de mérito, mas de método. A leitura que corre nos corredores do Congresso é de que o Supremo vem atuando como tutor da República, intervindo não apenas quando provocado, mas também decidindo até onde o Parlamento pode ou não exercer suas prerrogativas.
O erro de cálculo de Hugo Motta não foi apenas jurídico, mas político. Apostou que o STF aceitaria um recorte conveniente da decisão legislativa — poupando Ramagem, mas mantendo Bolsonaro e outros nomes sob fogo cruzado. Só que esqueceu de combinar com os “russos”, como diria o folclórico técnico de futebol Gentil Cardoso. O Supremo, no seu entendimento, foi além da liturgia e demonstrou que não aceita recados ou atalhos políticos.
No fim das contas, o saldo é de tensão elevada, desconfiança entre os poderes e uma demonstração incômoda de que o Legislativo está operando sob constante vigilância, quando não sob correção do Judiciário. A lição, para Hugo Motta e seus pares, é dura: não se joga xadrez institucional sem saber com clareza quem está movendo as peças do outro lado do tabuleiro.
Por Júnior Melo