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Em São Paulo, um dos requisitos para assumir um cargo público é “ter boa conduta”. Esse critério envolve, entre outras coisas, a apresentação de antecedentes criminais, conforme o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). No entanto, para alguns advogados consultados, a condenação de Suzane von Richthofen pode não ser um obstáculo intransponível para sua participação em concursos ou para assumir cargos públicos.
O debate surge em função do edital de concurso de escrevente, que estabelece que os candidatos não podem ter sido condenados por atos de improbidade, crimes contra o patrimônio, administração pública, fé pública, crimes sexuais ou os previstos na lei de drogas. Curiosamente, não há menções específicas a delitos como homicídio.
Condenação criminal e cargos públicos
Em outubro do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu uma tese de repercussão geral afirmando que “condenados aprovados em concursos públicos podem ser nomeados e empossados” desde que não haja incompatibilidade entre o cargo a ser exercido e o crime cometido, ou conflito de horários entre a jornada de trabalho e o regime de cumprimento da pena.
Essa decisão pode favorecê-la. Segundo a advogada Marcela Barretta, especialista em concursos públicos, o crime de homicídio, pelo qual Suzane foi condenada, não tem relação direta com as funções de um escrevente, que incluem atividades de suporte técnico e administrativo, dar andamento em processos judiciais e administrativos, atender o público e elaborar e conferir documentos. Assim, o homicídio não poderia ser um impedimento automático.
Como o STF interpreta a situação?
A interpretação do STF sugere que, para impedir a nomeação de um candidato, precisa haver uma clara incompatibilidade entre o crime cometido e as funções do cargo. No caso de uma condenação por homicídio, não há uma conexão óbvia com as funções de um escrevente. Isso implica que a “boa conduta” mencionada no edital deve ser avaliada no contexto do comportamento atual do candidato e não exclusivamente baseado no passado.
O que dizem os advogados?
Para alguns advogados, mesmo que o TJ-SP decidisse impedir Suzane de assumir o cargo utilizando o critério de boa conduta, a decisão poderia ser contestada judicialmente. Hugo Almeida, coordenador do Núcleo de Execução Penal da OAB-SP, enfatiza que a boa conduta refere-se ao comportamento do indivíduo enquanto funcionário público, e não necessariamente ao seu histórico criminal.
Gustavo Badaró, professor de processo penal da USP, destaca que uma pessoa pode ser avaliada como tendo má conduta sem ter cometido crimes, e vice-versa. Portanto, a avaliação deve ser cuidadosa e ponderada em relação às funções específicas do cargo.
Suspensão dos direitos políticos de Suzane von Richthofen
Outro ponto a considerar é a suspensão dos direitos políticos de Suzane devido à sua condenação criminal. Em casos de sentença transitada em julgado, os direitos políticos são suspensos enquanto a pena é cumprida. Contudo, o STF já decidiu que essa suspensão não impede a nomeação e posse de candidatos aprovados em concursos públicos.
Renan Freitas, advogado especialista em concursos públicos, destaca que o edital do concurso e os estatutos dos servidores não podem se sobrepor à Constituição e à Lei de Execução Penal, que visam promover a reintegração do preso à sociedade. Até mesmo um candidato com antecedentes criminais pode assegurar sua nomeação através de recurso judicial, se a exclusão for considerada inconstitucional.
Reabilitação criminal e o direito ao trabalho
Gustavo Badaró lembra que, dois anos após o cumprimento da pena, um condenado pode solicitar reabilitação criminal, assegurando o sigilo de seus antecedentes, desde que possua emprego lícito e moradia. Pablo Moitinho, professor de direito, destaca que todo condenado tem direito ao trabalho como parte da reintegração social prevista pela Lei de Execução Penal.
- O concurso para escrevente do TJ-SP oferece 572 vagas em vários municípios do estado de São Paulo;
- A primeira etapa envolve uma prova de múltipla escolha com 100 questões;
- Em São Paulo, a prova teve que ser anulada devido a um erro do fiscal, e será reaplicada;
- Suzane von Richthofen estava na lista de convocados para a primeira fase do concurso, mas não há confirmação oficial sobre sua presença no exame;
- Para Bragança Paulista, onde Suzane se inscreveu, 1.335 candidatos disputam três vagas, com 32 sendo chamados para a segunda etapa, uma prova prática de digitação.
Diante disso, a questão da participação de Suzane em concursos públicos permanece aberta à interpretação das autoridades judiciais e administrativas. A decisão final será um teste crucial da aplicação das leis de reabilitação e reintegração social no Brasil.