Foto: Simona Gaddi/Divulgação
Enzimas da saliva de invertebrado quebram polímeros em pedaços menores, introduzem oxigênio e criam esperança para os cientistas
Essa lagarta da foto acima criou uma nova esperança para a ciência: reciclar plástico de forma natural e em larga escala. O plástico, tão útil quanto problemático, desafia pesquisadores porque — além de infestar rios, oceanos e a terra e provocar a morte de animais e plantas — requer um processo complexo, caro e insuficiente para voltar a ser plástico e reduzir o irremediável impacto na natureza.
Descoberto por acaso, esse “bigato” possui uma enzima na saliva capaz de quebrar em pedaços menores e digerir os formatos mais complexos de plástico. A revelação do potencial da lagarta ocorreu no quintal da bióloga italiana Federica Bertocchini, que tem como hobby a criação de abelhas. Além de extrair mel, serve como distração para compensar as horas que passa trancada no laboratório.
Lagarta na Reciclagem Natural: Uma Revolução Improvável
Considerada praga por apicultores, a larva come de tudo e prejudica a evolução da colmeia. “Fui um pouco ingênua”, admite Bertocchini em entrevista. “Eu tinha o depósito em casa e estava retirando essa larva. Percebi que estavam fazendo furos no plástico. Fomos analisar e houve modificação química. O plástico estava quebrado. Foi aí que toda a história começou”, revela.
Como Funciona a Reciclagem de Plástico Com Lagartas?
Federica explica que a degradação do plástico começa na saliva da lagarta. “A gente percebeu que tinha algo saindo da boca após o contato com o plástico e que era capaz de degradá-lo. Nos concentramos e analisamos a saliva, que era cheia de proteínas, particularmente quatro enzimas. E uma enzima é basicamente uma proteína que pode atuar em uma reação química, acelerando-a”, detalha.
Apesar de ainda não entender completamente o mecanismo molecular, sabe-se que, na saliva, as enzimas conseguem quebrar o plástico em pedaços menores, introduzindo oxigênio. “Ainda não sabemos qual o volume dessas enzimas é necessário para quanto plástico. Estamos trabalhando nisso”, conclui a bióloga.
As Lagartas Conseguem Sobreviver Apenas Com Plástico?
Federica esclarece que as lagartas não conseguem sobreviver com uma dieta exclusiva de plástico. “Nenhum verme pode fazer isso. Numa dieta com 50% de plástico e 50% de alimentos adequados, elas podem sobreviver, mas ficam cada vez menores”, explica. Essa descoberta revela a complexidade de utilizar lagartas para biodegradação em larga escala, indicando que o foco deve ser a utilização das enzimas presentes em sua saliva.
O Que as Lagartas Comem Naturalmente?
No ambiente natural, essas lagartas vivem nos favos das colmeias e comem qualquer coisa que encontram, incluindo larvas de abelhas, própolis e pólen. Por serem consideras pragas pelos apicultores, seu potencial para reciclagem de plástico gerou um interesse inesperado na biologia e na conservação ambiental.
Próximos Passos: Potencial de Reciclagem e Desafios Econômicos
Mesmo com a descoberta promissora, transformar este estudo em uma solução prática requer investimento e pesquisa adicional. “A indústria do plástico ou os conversores de plástico são gigantes. Eles não têm muito interesse no momento, porque processos como incineração e reciclagem mecânica são muito baratos”, explica Federica.
A bióloga ainda aponta que a reciclagem química atual consome muita energia e é poluente. Portanto, a pesquisa continua em busca de um método economicamente viável que utilize essas enzimas de forma eficiente e sustentável.
Enzimas Sobrevivem em Condições Naturais de Temperatura?
Outro ponto positivo é que as enzimas na saliva da lagarta funcionam em temperatura ambiente, entre 20ºC e 23ºC, sem a necessidade de qualquer pré-tratamento do plástico. Isso potencializa ainda mais a viabilidade do processo em larga escala, simplificando a logística e reduzindo custos.
Curiosidades Sobre Federica Bertocchini e Suas Descobertas
- Pós-doutora pela Universidade Columbia (EUA) e a University College London (Reino Unido).
- Pesquisadora-líder do Conselho Espanhol de Investigações Científicas de 2010 a junho de 2023.
- CTO da startup Plasticentropy France.
Federica Bertocchini é um exemplo de como a curiosidade científica pode levar a descobertas significativas. Seu trabalho com invertebrados como as lagartas pode abrir novos caminhos para a biodegradação de plásticos, oferecendo uma solução inovadora para um problema global de poluição.
Em resumo, embora a utilização de lagartas para a reciclagem de plástico ainda esteja em fase de pesquisa, a descoberta das enzimas em sua saliva representa um passo importante para uma potencial solução sustentável de degradação de plásticos. Esperamos que mais estudos e investimento possam acelerar essa inovação e trazer benefícios ambientais significativos.