Bruno Dantas, presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), propôs a desvinculação dos benefícios previdenciários do aumento do salário mínimo, baseando-se em pesquisas que indicam um crescimento da desigualdade devido à indexação. “Espero que todos os atores comecem a olhar para o fiscal, assim como os ministros Fernando Haddad [Fazenda] e Simone Tebet [Planejamento] têm feito”, disse Dantas em um evento do Grupo Esfera no Guarujá, litoral de São Paulo, no sábado, 8.
Segundo informações do Estadão, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reduziu R$ 5,7 bilhões em despesas não obrigatórias no Orçamento deste ano. No entanto, o aumento da demanda por benefícios previdenciários levou o governo federal a aumentar em R$ 13 bilhões a previsão para o pagamento de aposentadorias, pensões e outros benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
A proposta de desvinculação enfrenta resistências dentro do próprio governo. “A Previdência Social, que estou representando, jamais aceitará qualquer retirada de dinheiro. Encontrem outra maneira, porque comigo não vai passar”, declarou o ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, em 23 de maio.
Além dos benefícios previdenciários, os gastos mínimos com saúde e educação exigidos pela Constituição vão consumir todo o espaço das despesas não obrigatórias e comprometer o dinheiro destinado ao custeio e ao investimento nas outras áreas da União até 2028, tornando o orçamento impraticável, mantidas as regras atuais.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) retomou a valorização do mínimo, o que, na avaliação de Dantas, é plenamente legítimo, uma vez que foi uma das bandeiras da campanha do presidente votada nas urnas pela sociedade. No entanto, segundo Bruno Dantas, é preciso se questionar se a indexação dos benefícios previdenciários ao salário mínimo não é um vetor de aumento da desigualdade no País.
Bruno Dantas expressou que o TCU está preocupado com a disputa entre o Executivo e o Legislativo em relação aos benefícios fiscais e à reposição orçamentária. Segundo Dantas, isso precisa ser observado. “O artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal existe desde 2001. Não é um dispositivo novo. Historicamente este dispositivo foi observado, exceto quando o TCU reprovou as contas da presidente Dilma justamente porque se observou ali o uso de bancos públicos para financiar políticas públicas em desacordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal”, afirmou o presidente do TCU.
Hoje, de acordo com Dantas, o que se observa é o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, buscando “desesperadamente” formas de cobrir rombos que são colocados legitimamente, num ambiente democrático pelo Congresso Nacional. Mas, para ele, não se pode imaginar que, quando 17 setores se sentam à mesa em busca de desoneração da folha salarial, isso não vai recair sobre os ombros do resto da população.
“Eu faço uma alusão muito simples. É como se um síndico de um prédio de 20 andares dissesse que quatro andares não vão pagar o condomínio. Só que a despesa é a mesma e os outros 16 andares vão ter que pagar a conta daquilo que não está sendo pago por aqueles privilegiados ou sortudos”, criticou o presidente do TCU.
Por decisão do Congresso, em votações expressivas, a desoneração da folha foi prorrogada até 2027 pelo Congresso Nacional, mas acabou suspensa por uma decisão liminar do STF em ação movida pelo governo federal. A alegação é que o Congresso não previu uma fonte de receitas para bancar o programa e não estimou o impacto do benefício nas contas públicas. O Legislativo, porém, argumenta que medidas foram aprovadas para aumentar as receitas da União e que a estimativa de impacto estava descrita na proposta aprovada.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou, em entrevista ao Estadão, um acordo para manter a desoneração em 2024 e negociar uma cobrança gradual a partir do ano que vem. Segundo o Desonera Brasil, os 17 setores beneficiados pela desoneração empregam 9,3 milhões de pessoas, e criou 151 mil empregos nos dois primeiros meses do ano. O movimento menciona ainda que o salário médio nestes setores é 12,7% maior ao dos setores que não são desonerados, dados que comprovariam os benefícios da medida.
Segundo Dantas, há agora na aprovação da reforma tributária uma chance rara de, dentro dos limites que já foram estabelecidos pela Emenda Constitucional, enxugar ao máximo as isenções tributárias. “Eu disse outro dia que Brasil tem quatro conjuntos de despesas que agudizam o nosso quadro fiscal. A primeira delas é um déficit previdenciário que cresce exponencialmente. Estamos falando de algo como meio trilhão de reais, sendo que R$ 400 bilhões são do RGPS [Regime Geral de Previdência Social], R$ 50 bilhões são do funcionalismo público civil e outros R$ 50 bilhões da Previdência Militar”, listou o presidente do TCU.
O que, de acordo com ele, não pode deixar de ser colocado é que os civis e os militares são menos de 1% dos trabalhadores do RGPS, o que deixa evidente que existe um desajuste na Previdência do funcionalismo público que precisa ser observado. “Isso sem deixar de falar que existem algumas coisas que precisam ser corrigidas na previdência do setor privado. Então esse é um conjunto de preocupações que nós temos”, reforçou o presidente do TCU. Ele emendou dizendo que o segundo conjunto são as desonerações fiscais, que estão caminhando para 6% do PIB na forma de renúncias fiscais, de gastos tributários de maneira geral. “Isso significa que estamos tirando do Orçamento, tirando do Tesouro Nacional, dinheiro que poderia estar na economia, mas que acima de tudo está onerando aqueles poucos que pagam os impostos. Eu perguntei ao Rubens Ometto se ele tinha participação nestes 17 setores e ele me disse que é muito pequena a participação. Eu fico imaginando o mal estar de um empresário que assistiu 17 comensais sentarem à mesa, pedirem caiar e vinho importado e ele, que não estava na mesa, ter que pagar a conta”, disse Dantas, sentado ao lado do empresário Rubens Ometto, que participava do painel.