Em abril, Amós Pereira Souza, atualmente com 38 anos, está prestes a sair do hospital pela primeira vez em mais de 21 meses. No entanto, essa ocasião, que deveria ser motivo de comemoração, tem um gosto agridoce. Amós enfrentou as complicações de uma cirurgia que poderia ter sido simples, caso tivesse sido realizada quatro anos antes, quando foi inicialmente solicitada. Infelizmente, ele acabou incapacitado de andar ou sustentar seu próprio corpo, devido ao tratamento atrasado, e sofreu consequências neurológicas como resultado.
Segundo informa o Metrópoles, Amós tem malformação arteriovenosa (MAV) cerebral, uma condição que atinge 10 a cada 100 mil pacientes. Ela é congênita (de nascença) e leva à formação de novelos de veias e artérias no cérebro, o que causa a mescla de sangues venoso e arterial no cérebro.
“Com a MAV, a circulação é interrompida, o que leva a uma espécie de desnutrição de certas áreas do cérebro. Elas atrofiam e começam a perder a função, podendo ocasionar também o rompimento dos vasos, com posterior hemorragia ou dano cerebral”, explica o neurocirurgião Feres Chaddad, chefe da neurocirurgia na Beneficência Portuguesa de São Paulo.
A cirurgia de correção da MAV é relativamente complexa, mas o quadro pode ser completamente revertido com a retirada da malformação a tempo, antes que os nós estourem. Enquanto não são retirados, eles são uma espécie de “bomba-relógio” no cérebro do paciente.
Amós enfrentou uma situação delicada devido a um nó avançado em seu cérebro. Quando finalmente conseguiu a cirurgia, não foi possível realizar o procedimento mais efetivo, que envolve abrir o crânio.
A segunda opção foi submeter-se a embolizações, nas quais o médico injeta substâncias nos vasos sanguíneos para interromper o fluxo de sangue para a MAV (Malformação Arteriovenosa), privando-a de nutrição. Essa abordagem é semelhante ao que o novelo de veias e artérias faz naturalmente no cérebro.
No terceiro procedimento, no entanto, Amós enfrentou complicações: hidrocefalia e uma infecção que afetaram seu sistema neurológico. A situação se tornou tão grave que os médicos não acreditavam que ele sobreviveria.
A história de Amós começou quando ele era um ex-trabalhador da construção civil no Rio de Janeiro (RJ). Ele sempre sofreu com fortes dores de cabeça inexplicáveis, mas esses sintomas se agravaram a partir de 2015. Agora, ele luta pela vida enquanto enfrenta esses desafios médicos complexos.
“Amós sempre teve muita dor de cabeça, ele chegou a ter um déficit de aprendizagem e não conseguia se concentrar na escola pela dor. Ele chegava a bater com a cabeça na parede de tanta dor que sentia”, lembra Rosemary Pinto, esposa dele, que hoje é responsável pelos cuidados.
Com a piora do quadro, o casal procurou um hospital. Após a realização de exames de imagem, veio o diagnóstico da MAV. O problema ganhou nome, mas Amós ainda precisava passar por uma série de consultas com especialistas para conseguir a liberação para a cirurgia. Porém, na rede pública, elas demoraram demais. A melhor posição de Amós na fila de espera para o procedimento no SUS foi o sétimo lugar.
Enquanto isso, as dores pioravam. O rosto dele ficava inchado pelas restrições de circulação e Amós mal conseguia sair de casa sem tomar codeína, um analgésico opióide de alto poder anestésico.
Após muita burocracia, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) concedeu a ele o auxílio-doença (até hoje Amós não é definitivamente aposentado), o que permitiu à família a se dedicar mais ao seu tratamento, mas ainda assim, o dinheiro não era suficiente.
A família decidiu tirar o filho do colégio particular para pagar um plano de saúde. Eles esperaram mais de um ano pela carência para poder realizar a cirurgia de MAV no particular — para Rosemary, se ela não tivesse tomado esta atitude, seu marido teria morrido em casa.
“Ele só foi piorando com o tempo. Passou a ter crises de espasmos e dores de cabeça ainda mais intensas. Os médicos que consultávamos alertavam dos riscos do procedimento, mas o Amós respondeu que preferia morrer tentando a continuar sentido dor”, conta a mulher.
Em 2021, ele iniciou o tratamento e fez sua primeira embolização. O procedimento aliviou as dores, mas ainda eram necessárias novas cirurgias para curar a MAV, o que ocorre com cerca de 30% das pessoas que passam pelo tratamento.
A vida após o coma
No terceiro procedimento, porém, surgiram complicações. Três dias após a embolização, Amós apresentou febre e crises convulsivas devido a uma infecção urinária. Ele foi levado às pressas para um pronto-socorro, onde os médicos diagnosticaram hidrocefalia.
As complicações resultaram em quatro meses de coma e mais de um ano e cinco meses de internação. Hoje, Amós enfrenta a incapacidade de andar e de movimentar os braços. Sua esposa descreve a situação como profundamente triste e sente-se completamente impotente ao ver o sofrimento do marido. Ela relata que é inexplicável a sensação de ouvir o filho pedindo ajuda, dizendo: “Mamãe, papai está com muita dor”. Infelizmente, naquele momento, ela não tinha como aliviar o sofrimento dele.
Embora a alta hospitalar esteja prevista para abril, a família ainda enfrenta incertezas sobre como arcar com os cuidados básicos de saúde de Amós, incluindo fraldas, curativos e sessões de reabilitação fisioterápica para recuperar a deglutição e a mobilidade dos braços. Para custear esses tratamentos, a família está realizando uma vaquinha solidária.