foto: reprodução UOL
Usando uma brecha na decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre emendas de relator no final de 2022, o governo Lula continuou fazendo uso político dessas verbas, conhecidas como orçamento secreto. No ano passado, foram R$ 5,4 bilhões pagos.
O ranking dos “restos a pagar” quitados pelo governo Lula inclui importantes aliados do governo, como o senador Eduardo Braga (MDB-AM), em primeiro lugar, com R$ 200 milhões pagos, mas também da oposição, como o senador Ciro Nogueira (PP-PI), ministro da Casa Civil de Jair Bolsonaro, que recebeu R$ 63 milhões em indicações.
Os valores foram fornecidos pela Secretaria de Relações Institucionais (SRI) via Lei de Acesso à Informação (LAI). A transparência é apenas parcial. Dos R$ 5,4 bilhões gastos no ano passado, o governo diz ter identificado os padrinhos de cerca de R$ 3 bilhões.
Quando o STF proibiu as emendas de relator, no final do governo Bolsonaro, havia bilhões de reais em investimentos empenhados (reservados para pagamento) de 2020 a 2022, mas que não tinham sido pagos. A Corte decidiu que permitiria os pagamentos, desde que eles não fossem usados “para atender solicitações de deputados, senadores” ou outros aliados.
Os pedidos de senadores e deputados, no entanto, já haviam sido atendidos quando o governo realizou os empenhos. Ou seja, as verbas já estavam carimbadas com “padrinhos” políticos, mesmo antes da decisão. Muitas vezes, parlamentares já haviam anunciado em suas bases eleitorais que eram responsáveis pelo envio daquele dinheiro para obras, saúde ou educação.
O governo Lula foi além do que já havia sido indicado, porém, e alguns pagamentos foram para atender novos pedidos. O pagamento do que foi empenhado a pedido de um padrinho virou um atendimento para outra pessoa, o que é chamado de “reapadrinhamento”.
O secretário especial de assuntos federativos do governo Lula, André Ceciliano, é um dos novos padrinhos. Ao longo de 2023, ele recebeu pedidos de prefeituras para destravar pagamentos que já estavam empenhados a pedido de outros parlamentares. No controle do governo, ele consta como responsável por R$ 16,7 milhões em pagamentos para 11 cidades.
Uma ação no STF, proposta pelo partido Novo, alega que o Executivo está descumprindo a decisão da ação sobre orçamento secreto. O governo nega. A Secretaria de Relações Institucionais (SRI) diz estar fazendo os pagamentos dentro da lei, com base em um parecer da AGU (Advocacia-Geral da União) do final de 2022.
Nesse documento, a AGU disse que cabe aos ministros “orientar e priorizar a execução das verbas em conformidade com os critérios técnicos e normativos presentes na legislação pertinente à política pública nacional”, mas não explicitou como proceder em relação a indicações políticas que já haviam sido feitas em empenhos anteriores.
Cúpula privilegiada
Quando o Executivo empenha orçamento para uma obra ou serviço, os pagamentos devem vir assim que a empresa contratada comprova que terminou a execução do que foi paga para fazer. Apenas em casos excepcionais há pagamento adiantado.
Ainda assim, na prática, as ordens de pagamento costumam atrasar, o que deu ao governo a liberdade para fazer uso político dos restos a pagar das emendas de relator.
A distribuição das emendas de relator, ao contrário das emendas parlamentares comuns, privilegia a cúpula do Congresso Nacional em relação aos demais parlamentares.
O deputado Domingos Neto (PSD-CE), relator do Orçamento de 2020, teve R$ 103 milhões pagos; Márcio Bittar (União-AC), relator do ano seguinte, R$ 68,7 milhões. O ex-presidente do Senado Davi Alcolumbre (União-AP) foi privilegiado com R$ 76,3 milhões pagos.
Esses valores são uma parcela pequena de todas as verbas que, durante os anos do governo Jair Bolsonaro, esses parlamentares direcionaram para suas bases eleitorais. Márcio Bittar, por exemplo informou ao STF que indicou R$ 467 milhões, quase meio bilhão, de 2020 a 2022.
Reapadrinhamento
Na planilha da SRI, há pedidos de deputados federais de primeiro mandato, ou seja, que não estavam em Brasília no governo Bolsonaro, quando as verbas foram “apadrinhadas” mas que, no ano passado, procuraram o governo reforçando o pedido pelos pagamentos.
É o caso dos deputados federais Robinson Faria (PL-RN), Clodoaldo Magalhães (PV-PE), Thiago de Jo Aldo (PP-SE), Tião Medeiros (PP-PR), Roseana Sarney (MDB-MA), Messias Donato (Republicanos-ES), Guilherme Uchoa (PSB-PE), Murilo Galdino (Republicanos-PB), Julio Arcoverde (PP-PI), Bruno Farias (Avante-MG) e Cobalchini (MDB-SC).
O governo Lula também inclui aliados de fora da lista. Gilberto Kassab, presidente do PSD e hoje secretário de governo do Estado de São Paulo, consta como padrinho de R$ 9,2 milhões quitados com o município de Bauru (SP) e América Dourada (BA). Margonari Marcos Vieira, secretário-adjunto de André Ceciliano, foi responsável por R$ 6,5 milhões.
A prática de “reapadrinhamento” deve continuar em 2024, já que o governo ainda não gastou todos os restos do orçamento secreto de Bolsonaro. Há cerca de R$ 8,8 bilhões disponíveis no orçamento, que podem ser pagos neste ano ou, em alguns casos, ficar para depois.
O que diz o governo
Procurada pelo UOL, a Secretaria de Relações Institucionais (SRI) diz seguir a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto.
“Por força dessa orientação, cabe aos ministérios finalísticos (aqueles que executam efetivamente as políticas e os projetos custeados com verbas de emendas parlamentares) identificar os parlamentares que os indicaram, decidindo pela sua manutenção quando estas ações estiverem em acordo com as políticas públicas federais.”
O acompanhamento das indicações através da planilha de restos a pagar, segundo a SRI, é uma “informação para mero acompanhamento administrativo interno”.
“É parte da missão institucional da SRI manter informações consolidadas a respeito de todas as modalidades de emendas, inclusive as de relator inscritas em restos a pagar, de modo a assegurar a devida articulação institucional com parlamentares, estados, municípios e entidades.”
UOL