Sob apreensão em torno do aniversário dos ataques de 8 de janeiro, os comandantes das Forças Armadas tiveram uma participação discreta e evitaram dar declarações durante o evento Democracia Inabalada, promovido pelo governo Lula nesta segunda-feira (8) no Senado Federal. A justificativa dos militares foi a de que manifestações poderiam ser enquadradas em temas políticos.
Os chefes militares, porém, ouviram a governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT), puxar o coro “sem anistia” e o presidente Lula fazer um agradecimento aos “militares legalistas” —o que gerou ruídos na caserna por sugerir a a existência de militares ‘golpistas’.
A estratégia de uma participação longe dos holofotes foi acertada entre os comandantes e o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, às vésperas do evento. Em almoço, os militares argumentaram que não deveriam ir à solenidade pelo seu caráter político e defenderam que deveriam ser representados no evento por Múcio.
De acordo com pessoas com conhecimento do assunto, o ministro ressaltou a importância da participação dos chefes militares e disse que eles deveriam estar presentes na cerimônia. O acordo foi para que os comandantes permanecessem reservados.
Os comandantes Tomás Paiva (Exército), Marcos Olsen (Marinha) e Marcelo Damasceno (Aeronáutica) entraram pela chapelaria do Congresso Nacional, passaram por um atalho criado para as autoridades evitarem os detectores de metais e a imprensa e, no salão onde ocorreu o evento, ficaram fixos em seus lugares —conversando com as demais autoridades sem circular pelo local
No início do discurso, Lula elogiou a coragem de governadores, ministros e “militares legalistas”. “[Vocês] garantiram que nós estivéssemos aqui hoje celebrando a vitória da democracia sobre o autoritarismo”, afirmou o presidente.
José Múcio afirmou à Folha que Lula fez “justiça” aos chefes militares. “[Ele] citou o agradecimento aos militares legalistas, que são estes que estão aqui. O presidente citou no discurso, fez justiça a esses homens que estão aqui.”
O ministro disse também: “Eu estou louco para conhecer, por fim, 9 de janeiro. Meu calendário só tem 8 de janeiro. Mas foi bom. Estou aqui com os comandantes, foram todos homenageados, vieram homenagear a democracia também porque, afinal, eles lutaram por ela. Eles sofreram pressões, mas estão aqui representando a maioria das Forças Armadas, que é de militares legalistas e comprometidos com a democracia do Brasil”.
As autoridades que discursaram evitaram tocar em temas sensíveis aos militares, como o estabelecimento de acampamentos em frente aos quartéis com pedidos de golpe contra a eleição de Lula, em 2022.
O coro de “sem anistia”, puxado pela governadora Fátima Bezerra, se tornou um lema para os que cobram punição aos participantes dos ataques de 8 de janeiro, entre eles os fardados. Não houve grande adesão no evento, porém.
Os militares ainda aplaudiram de forma comedida o discurso do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), que disse que a democracia venceu a “frustrada tentativa de golpe de Estado”.
“O fortalecimento da democracia não permite confundirmos paz e união com impunidade, apaziguamento ou esquecimento. Impunidade não representa paz nem união. Todos, absolutamente todos aqueles que pactuaram covardemente com a quebra da democracia e a tentativa de instalação de um estado de exceção, serão devidamente investigados, processados e responsabilizados na medida de suas culpabilidades”, disse Moraes.
Seis oficiais-generais participaram da cerimônia. Além dos três comandantes, o chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, almirante Renato de Aguiar Freire, o ministro-presidente do STM (Superior Tribunal Militar), brigadeiro Joseli Parente Camelo, e o ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general Marcos Antonio Amaro.
Fora os comandantes e o chefe do Estado-Maior, os demais militares que participaram da cerimônia têm relação histórica com Lula e o PT. Joseli foi piloto dos aviões da Presidência da República de 2003 a 2015, responsável por levar Lula e a ex-presidente Dilma Rousseff a agendas oficiais em outras cidades.
Amaro atuou na segurança de Dilma após ter assumido a Secretaria de Segurança Presidencial em 2010. Ele ainda participou da criação da Casa Militar, em 2015, nomeado chefe do órgão por Dilma. Deixou a função após o impeachment da petista.
Folha de SP