O ministro do Supremo Tribunal Federal José Antonio Dias Toffoli suspendeu a multa de 10,3 bilhões de reais do acordo de leniência do grupo J&F – para o qual sua esposa, Roberta Rangel, advoga. A decisão foi concedida na manhã desta quarta-feira, dia 20, o primeiro dia do recesso dos ministros do STF, que vai até 31 de janeiro, e não passará pela revisão no plantão da presidência, que ficará a cargo de Edson Fachin e só começa em 1º de janeiro. As informações são da Revista Piauí/Folha de SP.
Foram três os pedidos da companhia de Joesley e Wesley Batista deferidos por Toffoli. O primeiro: a autorização para ter acesso à íntegra das mensagens da operação Spoofing, que trata do vazamento de conversas entre integrantes da Operação Lava Jato. O segundo, e mais importante, é justamente “a suspensão de todas as obrigações pecuniárias decorrentes (multa) do acordo de leniência entabulado entre J&F e MPF”, até que o grupo possa analisar o material da operação. O objetivo da empresa é tentar buscar a revisão, repactuação ou revalidação do acordo de leniência nas instâncias adequadas.
Por fim, Toffoli autorizou que a J&F, perante a Controladoria-Geral da União (CGU), reavalie os anexos do acordo de leniência firmado com o Ministério Público Federal a fim de corrigir possíveis “abusos que tenham sido praticados, especialmente (mas não exclusivamente) no que se refere à utilização das provas ilícitas declaradas imprestáveis no bojo desta reclamação, para que no âmbito da CGU apenas sejam considerados anexos realmente com ilicitude reconhecida pela Requerente”.
Um quarto pedido feito pela empresa foi negado. Era o que dizia respeito a anulação de “negócios jurídicos de caráter patrimonial decorrentes da situação de inconstitucionalidade estrutural e abusiva em que se desenvolveram as Operações Lava Jato e suas decorrentes, Greenfield, Sépsis Cui Bono”. O objetivo da empresa, com esse pedido, era anular a venda da Eldorado Celulose, fabricante de papel, para o grupo indonésio Paper Excellence. As duas empresas brigam há cinco anos pelo comando da Eldorado.
Roberta Maria Rangel, a esposa do ministro Dias Toffoli, que é advogada do grupo J&F, não assina o pedido que o marido julgou, mas trabalha em ações relacionadas. Estão em seu escopo as ações movidas pela empresa com o objetivo de anular a arbitragem que decidiu que o controle da Eldorado Celulose deve ser transferido para o Paper Excellence. Para esta mesma causa, a J&F contratou parecer do ex-ministro Ricardo Lewandowski assim que ele se aposentou.
Nesta manhã, após a notícia da suspensão da multa, a Transparência Internacional Brasil publicou no Twitter: “Depois de anular as provas da Odebrecht, o maior esquema de corrupção internacional da história, Toffoli agora suspende o pagamento da multa de 10 bilhões da J&F, um caso que não tinha relação alguma com a petição original que ele herdou de Lewandowski. Mais uma decisão com imenso impacto sistêmico e internacional, tomada por um juiz com evidentes conflitos de interesses.”
A J&F é a holding que controla empresas como a JBS, maior fabricante de carne do mundo, a Eldorado Celulose e a Âmbar Energia, que recebeu recentemente a aprovação do governo para importar energia da Venezuela. O pedido para o Supremo foi registrado como Reclamação nº 43007. Toffoli decidiu continuar atuando em questões relacionadas a essa ação no recesso, o que não é um expediente comum. Há precedentes, por exemplo, quando o ministro Alexandre de Moraes continuou relatando o chamado Inquérito das Fake News, e depois, quando o ministro Ricardo Lewandowski seguiu relatando ações relacionadas à vacinação da população durante a pandemia de covid-19. Nas duas situações, tratava-se, claramente, de questões de amplo interesse público, e não de interesse privado – e com evidente potencial conflito de interesses.
Com a medida, Toffoli também garante que eventual recurso contra a sua decisão seja julgado por ele mesmo, e não pelo plantão da Presidência do STF, que ficará a cargo dos . Esse plantão será dividido em dois períodos: a primeira parte com Fachin, vice-presidente da corte, na primeira quinzena de janeiro, e a segunda com Luís Roberto Barroso, presidente do tribunal, na segunda quinzena.
O acordo de leniência (colaboração premiada para empresas) da J&F foi o maior da história do país, assinado com o Ministério Público Federal (MPF) em 2017. Previa o pagamento de multa de R$ 10,3 bilhões, parceladas em 25 anos, pelo envolvimento da empresa em casos de corrupção. Nos últimos anos, porém, o grupo tem buscado a revisão desse valor, alegando que os cálculos dos custos que concordou em pagar não foram adequados.
O caso gerou uma crise interna no MPF. Durante a gestão de Augusto Aras na Procuradoria-Geral da República, houve decisões ora a favor e ora contra o pedido da empresa. Em maio deste ano, o coordenador da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, Ronaldo Albo, aprovou a redução da multa para R$ 3,53 bilhões de reais. Procuradores apontaram que Albo não tem a competência para tomar esta decisão e ele saiu derrotado em diferentes julgamentos colegiados. Dessa forma, o desconto de mais de 6 bilhões de reais foi suspenso e as cifras voltar para 10,3 bilhões – agora com pagamentos suspensos, pela decisão de Toffoli.
Revista Piauí/Folha de SP/UOL