Maior mercado automotivo do mundo, com mais de 20,5 milhões de carros vendidos em 2022, a China tem tanto peso nos investimentos globais das montadoras que pode interferir na permanência (ou não) de marcas em determinados países – incluindo o Brasil.
Segundo especialista consultado por UOL Carros, o fechamento das fábricas da Ford em nosso país em 2021 teve muito mais relação com o desempenho da empresa norte-americana no mercado chinês do que com fatores econômicos locais.
O “fator China” também deve ser considerado no caso da General Motors, no momento em que a montadora negocia um plano de demissões voluntárias nas três fábricas em São Paulo “que seja justo e que permita seguir produzindo e investindo no país”.
A GM tenta enxugar seu quadro de funcionários alegando queda nas vendas e nas exportações, enquanto a Justiça do Trabalho suspendeu recentemente a demissão mais de 1.200 trabalhadores dessas unidades – o que não impediu uma greve de 17 dias nessas unidades.
Para Ricardo Bacellar, da consultoria Bacellar Advisory Boards, há uma série de elementos “preocupantes” em relação ao futuro da operação da General Motors no Brasil. Segundo ele, fatores que levaram a Ford a encerar a produção de veículos no país também podem ser considerados no caso da GM.
“É importante entender que, quando a Ford abriu mão de fabricar veículos no Brasil, isso teve muito mais a ver com suas operações globais. Na época, fechou fábricas aqui, na Índia e em outros mercados para concentrar investimentos e recuperar vendas na China, onde ia mal naquela época e até hoje é o maior mercado do mundo”, analisa.
Vale destacar que o Brasil, apesar de ser um mercado extremamente relevante, fechou 2022 com pouco menos do que 2 milhões de automóveis e comerciais leves vendidos – ou seja, a China comercializou mais de dez vezes esse montante no mesmo período.
Conforme Bacellar, em 2023 a General Motors acumula baixa de aproximadamente 25% nas vendas no gigante asiático ante o desempenho de 2022, quando a montadora norte-americana comercializou cerca de 1,7 milhão de veículos na China – ou seja, somente naquele mercado, a GM vendeu um volume não muito diferente do somatório de todas as montadoras no Brasil durante o ano passado.
“Se considerarmos outros fatores, a corda está extremamente esticada para a General Motors no Brasil. O custo para produzir veículos aqui é extremamente alto e nosso mercado está estagnado, andando de lado, o que é outro grande problema. Além disso, hoje o nível de investimento necessário para se manter competitivo só tem aumentado em relação a 2021, quando a Ford fechou suas fábricas no país”, pondera o consultor.
Ricardo Bacellar pontua que, “independentemente de viés político”, há um fortalecimento dos sindicatos no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e isso pode se tornar mais sinal de alerta.
“É fato que hoje os sindicatos estão mais fortalecidos. Essa reversão das demissões pode ser um elemento de análise de risco estratégico para a direção da GM, inclusive no que se refere a futuras negociações de reajuste salarial. Tudo isso em um cenário que já é ruim”.
O especialista ainda aponta a prorrogação dos incentivos fiscais para montadoras com fábrica no Nordeste e na região Centro-Oeste, que desagrada a GM e outras montadoras aqui instaladas.
O que mais está em jogo sobre futuro da GM
Cássio Pagliarini, sócio da consultora Bright Consulting e ex-executivo de marcas como Ford, Renault e Hyundai, destaca que a General Motors “está encontrando dificuldades e não anunciou grandes planos de renovação” de sua gama de produtos e isso explica, em parte, a intenção de desligar funcionários.
“É difícil dizer que há um risco [de encerramento da produção local], mas dá para desconfiar. Chevrolet Onix e Tracker estão com boa participação de mercado porque são produtos atualizados. Já a Montana é um produto novo, mas não tem encontrado o mesmo sucesso do que a Fiat Toro”.
É bom destacar que Onix e Tracker, os dois best-sellers da GM no Brasil, são projetos de origem chinesa e também são comercializados no país asiático.
Pagliarini também cita um descompasso entre a estratégia de eletrificação no nível global com a realidade da empresa no Brasil.
“Os planos globais da GM focam os carros elétricos, enquanto no Brasil os híbridos são maioria e a companhia já disse que não tem pretende produzi-los aqui. A fábrica de São José dos Campos [uma das unidades que teria funcionários demitidos] produz a Chevrolet S-10, que vem perdendo terreno por não ser tão atualizada quanto as competidoras diretas na categoria das picapes médias”.
Por outro lado, Milad Kalume, diretor da consultoria Jato do Brasil, não acredita que neste momento a GM irá encerrar a produção em solo brasileiro, da mesma forma que a Ford.
“O que está acontecendo hoje é simplesmente um retrato dos últimos anos da GM no país. Não vejo o risco de acontecer como aconteceu com a Ford. Será preciso trabalhar de forma mais contundente, mas acredito que a marca conseguirá pensar em produtos de volume para o mercado brasileiro, isso está em sua essência”, analisa o executivo em entrevista a Paula Gama.
Para Kalume, a intenção de demitir mais de mil funcionários é uma adequação da filial brasileira à estratégia global da matriz, nos Estados Unidos, de eletrificar toda sua linha de produtos.
“A GM já passou por redução de custo na produção, agora chegou ao limite, o próximo passo é demissão”.
UOL