Responsável pelos inquéritos que apuram a participação de autoridades e executores dos atos do dia 8 de janeiro, o subprocurador-geral da República Carlos Frederico Santos recebeu nos últimos dias os anexos e depoimentos prestados por Mauro Cid, o ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro que fechou um acordo de delação. Embora o então braço direito do ex-presidente tenha apresentado informações que, em tese, podem colocar o capitão no centro da trama, Santos adota cautela diante das revelações de Cid e diz que, a preço de hoje, a colaboração premiada é “fraca”.
Ele acaba de pedir uma série de diligências para tentar confirmar a veracidade das declarações do delator, que escanteou o Ministério Público e celebrou o acordo unilateralmente com a Polícia Federal. Sem provas cabais para desde já implicar Bolsonaro em um enredo criminal, o procurador afirma que, por ora, uma eventual denúncia contra o capitão não é iminente. A seguir os principais trechos da entrevista concedida a VEJA.
O senhor é o responsável por analisar a delação de Mauro Cid e ver se as revelações do ex-ajudante de ordens esclarecem os atos de 8 de janeiro. O que achou da delação? A delação eu não achei forte. Em nada. A princípio eu achei que as informações foram fracas. [O que ele revelou] tem que ser corroborado. Nessa corroboração é que a gente vai saber a dimensão da delação. O que foi falado não tinha essas coisas todas. Tem anexo sobre golpe, tem anexo sobre joias, tem anexo sobre vacina, tem anexo sobre gabinete do ódio, milícias digitais.
O que ele revelou sobre gabinete do ódio e milícias digitais? Não é uma delação que seja direcionada a determinado tema. A partir do momento que isso ocorre, as investigações se tornam frágeis, porque expande muito. Eu não quero falar se ela é válida ou não é, o que eu quero é aprofundar o que disseram.
Nas revelações dele sobre golpe, o que ele imputa a cada comandante e ao ex-presidente Bolsonaro? Um anexo conta a versão dessa história. Se pra você eu conto uma história: ‘eu estava numa reunião tratando de outra coisa, eu chego para você e digo que na reunião falaram isso, isso e aquilo’. Isso é prova? Como é que você vai provar alguma coisa? Se [os três comandantes] tivessem concordado, ninguém estaria aqui conversando sobre isso. Tem os atos preparatórios. Ato preparatório não é crime.
A reunião dos comandantes, em princípio, é apenas um ato preparatório? Eu não sei. Uma pessoa que pensa em matar outra, compra a arma, compra munição, e aí ela diz: ‘não, eu não vou fazer isso’. Qual é o crime? Se não houver a execução não é crime.
O delator disse que o então comandante da Marinha, Almir Garnier, teria topado o golpe. Não basta dizer. Não tem nada claro sobre isso. Qualquer conclusão que a gente possa tirar disso, referente ao dia 8, eu posso chegar e pensar e deduzir, mas eu não tenho provas sobre isso. Parte dos militares queriam o golpe, posso deduzir, talvez. Era maioria? Eu posso deduzir, a maior certeza, não. Porque se fosse a maioria, teriam saído à rua? Teriam saído na rua. E é assim que a gente vai investigando. Vai fazendo perguntas pra gente mesmo. Vai respondendo. Eu não posso falar que a Marinha queria o golpe porque a Marinha não é uma pessoa. Nenhum comandante decide sozinho essas coisas.
Significa que, na delação em geral, ele só fez relatos sem elementos de corroboração? Eu pedi algumas diligências para ver se corrobora, para ver se aprofunda a investigação, para dizer, ‘olha, isso aqui pode ser verdade’. Várias especificamente com relação à coisa vinculada ao dia 8. Aí pode estar exatamente a questão do golpe. Eu não posso chegar e dizer que isso aqui é lixo porque, de uma forma ou de outra, como as investigações estão correndo, podem surgir elementos que comprovem alguma coisa. Mas dizer que aquilo ali são elementos fortes, que podem virar a República, [se fossem] eu já teria oferecido a denúncia.
O senhor quer dizer que uma eventual denúncia contra Bolsonaro não deve sair este ano? Eu acho muito difícil e precipitado falar um negócio desses, a não ser que aparecesse assim (estala os dedos, como a simular um passe de mágica) uma coisa que explodiria a República. Eu não sou bolsonarista, não sou lulista, então me sinto muito à vontade. A pressão toda que fizeram, por exemplo, com relação ao Ibaneis [Rocha, governador do DF, afastado em janeiro por ordem do ministro Alexandre de Moraes], eu não vejo motivo para afastá-lo. Eu vou continuar investigando até esgotar as investigações. Se não encontrar nada, aí é outra coisa. É uma coisa com Bolsonaro, com quem for. Pra mim não tem diferença.
Créditos: VEJA.