Pecuaristas estão questionando um número elevado de multas – mais de 2.500 – que vêm sendo aplicadas pelo órgão ambiental Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) sobre agropecuaristas em todo o Brasil, mas em especial no Pará. A concentração mais significativa de autuações (324) envolve criadores da gado da região Floresta do Jamanxim, área que é palco de polêmica desde que foi transformada em zona de conservação por um decreto do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2006 e ainda nem acabou de ser demarcada.
De acordo com levantamento disponibilizado pelo ICMBio, de janeiro até o dia 24 de outubro de 2023 já foram emitidos 2.523 autos de infração por supostos crimes ambientais em diversas unidades de conservação em todo o Brasil.
Dentre os autos de infração emitidos pelo ICMBio em 2023, 528 também envolveram o embargo das áreas, o que impede que os proprietários utilizem a terra para suas atividades. Somente no Pará, há registro de pelo menos 878 autos de infração que geraram um valor de multas que ultrapassa a marca de R$ 232 milhões.
Em uma planilha disponibilizada no site do ICMBio, é possível verificar que dentre os 878 autos de infração emitidos no Pará, 324 teriam sido gerados dentro da Floresta Nacional do Jamanxim. A fiscalização do órgão ambiental, intensificada nos últimos meses, tem focado na compra e venda de gado originado de áreas que estão inseridas nesta floresta, e as multas têm sido aplicadas com valores entre R$ 500,00 a R$ 1000,00 por cabeça.
A Floresta Nacional do Jamanxim, no entanto, faz parte de um entrave que já se estende há mais de 10 anos. Criada por meio de um decreto em 2006, seu perímetro é contestado por proprietários que viviam na área antes da criação. Em 2016, houve uma tentativa de redução do território da floresta por meio de Medida Provisória. A proposta foi alterada e chegou a ser aprovada no Congresso. No entanto, acabou sendo vetada pelo então presidente Michel Temer (MDB) após pressão internacional e de Organizações Não-Governamentais (ONGs) ambientalistas.
ICMBio usa guias de trânsito animal para aplicar autuações
As autuações emitidas no Pará têm se baseado em informações do Sistema de Integração Agropecuária (Siapec) do Estado do Pará. De acordo com a advogada especialista em direito agroambiental, Rebeca Youssef, os órgãos ambientais estariam usando as guias de trânsito animal para emitir as multas. “O órgão puxa as Guias de Trânsito Animal emitidas pela Adepará [Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Pará] e cruza os dados com a localização das propriedades: se for uma propriedade englobada pela Floresta Nacional do Jamanxim, tanto o vendedor quanto o comprador são multados”, explica a advogada.
Os autos de infração – que constam na planilha à qual a Gazeta do Povo teve acesso – descrevem autuações que apontam a aquisição de cabeças de gado, no período entre 2018 a 2022, produzidas em área objeto de embargo localizada no interior da Floresta Nacional do Jamanxim.
A advogada Rebeca Youssef destaca, no entanto, que os pecuaristas da região de Novo Progresso, município em que a floresta está localizada, sofrem há anos com abusos dos órgãos ambientais. “No teor do documento não há sequer o preenchimento correto dos dados dos pecuaristas notificados nem menção a qualquer processo pré-existente ou infração cometida. Também não se trata de nenhuma decisão judicial concedida em benefício do órgão ambiental”, diz a advogada. Rebeca orienta que todos aqueles que receberem notificações neste sentido procurem apoio especializado.
Criação de área de conservação não seguiu procedimentos necessários
Apesar de ter sido criada em 2006, por meio de um decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, o processo da Floresta do Jamanxim ainda não foi concluído. Após a publicação do decreto, o poder público precisa demarcar a área, bem como fazer a desapropriação dos ocupantes, abrir processos para regularização fundiária e indenizar os proprietários, quando for o caso.
De acordo com a advogada Rebeca Youssef, que compõem o conselho da Floresta Nacional do Jamanxim, o processo de criação da unidade de conservação não foi concluído e “caducou”. “Esta unidade de conservação nunca foi criada, de fato. Não há processo de regularização fundiária, indenizações, nada. Decretaram a criação da Unidade de Conservação e passaram a tratar todos os proprietários locais como invasores”, disse a advogada.
Sem a conclusão de processos necessários para regularização da área, as notificações de órgãos ambientais geram insegurança jurídica nos pecuaristas da região. “As notificações determinam a retirada de gado, como se o pecuarista fosse um invasor da unidade de conservação quando, na verdade, produtores rurais que já viviam nestas áreas há muito tempo, tiveram seus imóveis engolidos pela criação da Floresta Nacional do Jamanxim”, reforça Rebeca.
A Gazeta do Povo entrou em contato com o ICMBio para buscar informações sobre o processo de criação da Floresta Nacional do Jamanxim, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria. O espaço segue aberto para manifestação.
ICMBio aponta economia e eficiência para justificar autuações geradas por fiscalização remota
Meiosde fiscalização remota vêm sendo utilizados para aplicação de boa parte dasautuações emitidas pelo ICMBio. O órgão alega que tal medida conjuga eficiênciacom economia de recursos. Matéria publicada no site do órgão aponta que osgastos dessas ações defiscalização representaram apenas 0,7% do orçamento. “Isso demonstraa eficiência econômica da metodologia empregada a partir da utilização de dadose laudos de geoprocessamento”,diz a publicação do ICMBio.
A advogada Rebeca Youssef, no entanto, contesta a posiçãodo órgão. “É uma medida barata, que não exige nem mesmo o deslocamento deequipe de fiscalização a campo. Basta uma imagem e um CPF para imputarinfração, e o embargo está lançado. Vivemos tempos de aparelhamento dos órgãosambientais para cumprimento de agenda ideológica”, afirma a advogada.
Além das multas, as autuações têm outros efeitos sobre as atividades dos pecuaristas. Em caso de embargo, o produtor rural fica impedido de ter acesso a crédito rural e de vendas agropecuárias para exportação e frigoríficos. “É uma indústria de multas: grande parte dos autos de infração e embargos são lavrados sem qualquer respeito com a legislação ambiental”, completa Rebeca.
Créditos: Gazeta do Povo.