Em mais um depoimento de sua delação premiada, o tenente-coronel Mauro Cid afirmou que o então presidente da República Jair Bolsonaro queria esconder no Palácio da Alvorada alvos investigados pela Polícia Federal por ataques às instituições democráticas, para impedir que fossem presos. Um deles foi o influencer bolsonarista Oswaldo Eustáquio, que acabou fugindo para o Paraguai.
Cid disse que o então presidente da República chegou a determinar que Eustáquio, alvo dos inquéritos conduzidos pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes, ficasse escondido na sua residência oficial, para evitar que fosse preso. Procurada, a defesa de Bolsonaro negou as acusações e disse que ele não tinha relação próxima com Eustáquio.
Segundo o ex-ajudante de ordens, Bolsonaro também discutiu tomar a mesma iniciativa em relação ao youtuber Bismark Fugazza. As informações foram confirmadas ao UOL por três fontes que acompanharam a delação de Cid.
Em dezembro, Eustáquio chegou a ser recebido no Palácio da Alvorada por Bolsonaro. Um vídeo do jornalista entrando na residência oficial no dia 12 de dezembro circulou nas redes sociais, mas ele negou que a intenção fosse se refugiar lá por causa de uma eventual ordem de prisão.
De acordo com o depoimento, foi o próprio Cid quem dissuadiu Bolsonaro da ideia, sob o argumento de que isso poderia lhe acarretar problemas sérios perante o STF.
O tenente-coronel diz que Bolsonaro autorizou um carro oficial a transportar Eustáquio para outro lugar, para tentar impedir que seu paradeiro fosse rastreado por investigadores.
Eustáquio e Fugazza foram alvos de ordens de prisão expedidas no fim de dezembro pelo ministro do STF Alexandre de Moraes. Eles fugiram para o Paraguai para tentar escapar das autoridades brasileiras. Fugazza foi preso pela polícia paraguaia, mas Eustáquio entrou com um pedido de refúgio e escapou da ordem de prisão.
O ex-ajudante de ordens da Presidência também traçou aos investigadores um panorama da relação de Bolsonaro com militantes, que incentivaram a ruptura com as instituições democráticas, e a atuação do chamada Gabinete do Ódio, grupo de assessores do Palácio do Planalto responsáveis por promover ataques às autoridades públicas e instituições nas redes sociais.
A delação premiada de Mauro Cid foi assinada com a Polícia Federal e homologada pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes no início de setembro. Cid estava preso desde maio, por suspeitas de fraudes em certificados de vacina, e foi solto após a homologação do acordo.
O UOL já revelou que o tenente-coronel revelou à PF a atuação de Bolsonaro em um plano golpista para contestar o resultado das eleições e também disse que recebeu ordens do então presidente para confeccionar falsos certificados de vacina em nome de Bolsonaro e de sua filha mais nova, Laura, que é menor de idade.
Influência dos radicais
Testemunha-chave de reuniões e conversas do ex-presidente da República, Cid revelou à PF os bastidores do relacionamento entre Bolsonaro e seus aliados.
O tenente-coronel fez um panorama para explicar quem eram os moderados, que incentivavam uma postura conciliatória de Bolsonaro com os demais Poderes, e os radicais que estimulavam ações de ruptura.
Um dos conselheiros de Bolsonaro envolvido em iniciativa antidemocrática era Filipe Martins, ex-assessor para Assuntos Internacionais da Presidência.
Como revelou o UOL, Cid contou que Martins tomou a iniciativa de apresentar uma minuta golpista a Bolsonaro para tentar contestar o resultado das eleições.
Cid também destrinchou a atuação de integrantes do chamado Gabinete do Ódio, como Tércio Arnaud, e a relação do Palácio do Planalto com o blogueiro Allan dos Santos, foragido nos Estados Unidos.
Outro lado
Procurado, o advogado e ex-secretário de Comunicação Fábio Wajngarten afirmou que o ex-presidente “nega categoricamente” as acusações. A defesa disse que Bolsonaro nunca se aproximou de Oswaldo Eustáquio e que ele não iria cometer crime por alguém com quem não mantinha relações próximas. Afirmou ainda que seria impossível esconder pessoas no Palácio da Alvorada devido à quantidade de gente que trabalha no local.
Procurado, Oswaldo Eustáquio negou que tenha solicitado ajuda a Bolsonaro para se refugiar no Palácio da Alvorada. Ele confirmou ter entrado lá em companhia do youtuber Bismark Fugazza, mas disse não saber se Fugazza teve algum diálogo sobre o tema. “O ex-presidente Jair Messias Bolsonaro jamais daria guarida em sua residência oficial a mim ou a qualquer pessoa com um eventual mandado de prisão. No dia 12 de dezembro, quando de fato entrei no Palácio da Alvorada, não pesava sobre mim nenhuma questão judicial em meu desfavor. Neste dia que adentrei ao palácio, conversei apenas com o tenente-coronel Cid e com o ajudante de ordens Vinicius Coelho”, disse Eustáquio, que acrescentou nunca ter cometido crime.
Filipe Martins não retornou aos contatos da reportagem.
Reportagem
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