Um sábio de alto de morro sempre dizia a quem o procurava para saber qual era o segredo do sucesso político: “olha, não tem problema a gente se humilhar de vez em quando, desde que seja só um pouquinho…”. Nos últimos dias, o conselho do velho tem sido lembrado com frequência nas mesas de restaurantes em Brasília sempre que a reforma ministerial vira assunto. Afinal, qual o limite de Arthur Lira diante da interminável procrastinação de Lula para levar à cabo a reforma ministerial?
Convenha-se, abrigar dois partidos importantes em uma Esplanada com 37 pastas não deve ser um desafio assim tão grande. Qual o verdadeiro motivo da demora? E por que a procrastinação de Lula coloca Lira diante de um dilema?
A chave está nas circunstâncias da aproximação de Lira do governo. Com uma investigação criminal chegando no seu entorno e tendo pedidos de abertura de inquérito tramitando contra si no STF, o presidente da Câmara tinha (e ainda tem) incentivos suficientes para buscar proteção política. O trade-off, aparentemente irresistível para o governo, é trocar apoio na Câmara por prestígio político e proteção depois que ele deixar a cadeira de presidente dos deputados.
Ciente da sua importância, Lira pediu alto, ainda tendo na memória o papel que ele desempenhou no governo anterior, quando controlava a relação Executivo-Legislativo de ponta a ponta, desde a formulação da política até a execução da emenda. Sentindo-se forte na negociação, chegou a sugerir ao Planalto a substituição de ministros palacianos como forma de azeitar a relação com deputados.
Lula, no entanto, frio como uma pedra, blindou Rui Costa (Casa Civil) e Alexandre Padilha (Relações Institucionais). Continuou liberando emendas, o que não significa muita coisa, considerando que a maior parte é de natureza impositiva, e passou a enrolar uma reforma ministerial que serviria para consagrar a parceria. O máximo que fez foi reformular a pasta do Turismo, que permaneceu sob o controle do mesmo partido.
Lira não deve ter levado muito tempo para perceber que o problema do atraso não era o constrangimento do petista de ter que demitir alguém com apenas seis meses de pasta. Até porque, Lula já viu companheiros mais importantes e próximos a ele irem para a fogueira em seu lugar e sobreviveu ao remorso. Deve ter ficado claro para ele que o Planalto não quer e não vai ficar refém da sua interlocução nem agora e nem nunca. Assim, a procrastinação, além de sinalizar ao mundo político o pouco reconhecimento que Lula dá a Lira como player político, é uma forma de ganhar tempo e ir costurando outros canais de relacionamento com a Câmara, especialmente com os presidentes de partido, para depender cada vez menos do alagoano.
Com tantas agendas importantes na pauta, a manobra do Planalto não tem uma alta dose de risco? Sim. Mas, por outro lado, algum estrategista do governo, quando perguntado sobre como Lira pode reagir ao perceber que está em curso um bypass monumental, pode responder com desdém: “Mas que opção ele tem?”. É nesse ponto da conversa que alguém lembra do conselho sobre o limite da humilhação, da fala recente de Fernando Haddad criticando o estilo de liderança de Lira, do ministro com seu arqui-inimigo, senador Renan Calheiros (MDB-AL), e da conversa vazada na imprensa entre esse último e Gilberto Kassab, presidente do PSD, sobre como ambos planejam dividir as presidências da Câmara e do Senado entre si.
A situação de Lira não é simples. Aderir ao governo esperando correspondência sempre será uma opção arriscada. Mas é possível torná-la mais segura desde que consiga fazer o seu sucessor, escolhendo um nome com o qual nutra uma relação de lealdade. Só assim terá cacife para continuar negociando e valendo algo para Lula, mesmo depois que voltar para a planície.
Seu dilema, portanto, é: (i) entregar a Câmara de bandeja, sabendo que Lula irá aproveitar o conforto político derivado daí para seduzir presidentes de partidos a ter uma interlocução direta com o Planalto e abrir a oportunidade para que o próprio petista seja o kingmaker da sucessão na Câmara ou, como alternativa, (ii) mostrar sua perda de interesse, jogar duro em pautas importantes (especialmente aumento de impostos), reconstruir a postura de independência, de promoção da agenda própria dos deputados e, assim, não deixar o governo à vontade, restringir o contato de Lula com as bancadas e garantir condições de fazer o seu sucessor, alguém mais independente e leal.
O caminho que Lira escolher depende de quanta humilhação ele consegue aguentar. Se for só um pouquinho, pode-se dizer que o governo terá um segundo semestre mais agitado do que imaginava quando aproveitava as férias de julho.
Créditos: Crusoé.