Diretor-geral da PF faz viagens com Lula e desperta temor de contaminação política na corporação
O ministro da Justiça, Flávio Dino, antecipou no fim de junho que haveria “novidades” na investigação do caso Marielle Franco.
Semanas depois, a Polícia Federal prendeu um dos suspeitos, e o titular da pasta anunciou a delação premiada de outro envolvido no crime. Após a ação policial, Dino deu uma entrevista e afirmou que é “certo que, nas próximas semanas provavelmente, haverá novas operações”.
A investigação corre sob sigilo e, segundo a lei, apenas as partes do processo podem ter acesso a dados das apurações.
A declaração do ministro foi dada em entrevista coletiva ao lado do diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues.
O fato de Dino ter dado informações sobre o caso que não são públicas reforçou a avaliação de uma ala da PF de que o comando da corporação tem mantido uma relação próxima com o núcleo do governo e em sintonia com o Palácio do Planalto.
Andrei sempre foi próximo do PT e tem feito questão de manter a imagem de homem de confiança do presidente Lula (PT). O diretor-geral participou de sete viagens internacionais com o petista nos sete primeiros meses de governo.
Ele foi chefe da segurança do petista na campanha de 2022 e ocupou cargo de confiança na gestão de Dilma Rousseff (PT).
A participação de Andrei na entrevista sobre o caso Marielle destoa da prática em gestões anteriores na PF. Antes não era comum o diretor-geral da PF conceder entrevista sobre resultado de apurações que estão sob o comando de delegados, que têm autonomia funcional.
Andrei costuma participar de entrevistas, especialmente quando envolve temas caros à esquerda, como desarmamento e investigações contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), além do próprio caso Marielle.
As viagens do chefe da corporação também explicitaram a relação próxima dele com o Executivo. Além da frequência, ele costuma nessas ocasiões circular ao lado de assessores do presidente.
O diretor-geral foi com o presidente à Argentina e ao Uruguai em janeiro, aos Estados Unidos em fevereiro, à China em abril e ao Japão em maio. Foi à Argentina novamente em junho e à Bélgica em julho.
Na Europa, o presidente deu uma entrevista à imprensa em que, na primeira fileira, Andrei estava sentado ao lado do assessor especial de Lula para assuntos internacionais, Celso Amorim, e de José Resende, auxiliar para elaboração de discursos.
A assessoria da PF afirma que ele cumpriu agendas oficiais em todos os países, com assinaturas de cartas de intenção de parcerias e reunião com ministros e dirigentes de polícias locais.
A avaliação de uma ala da PF é que a postura de Andrei não preserva a imagem de independência política e de autonomia que a corporação deve passar.
Um dos pontos citados que expõe essa busca de Andrei por mais proximidade com o presidente e com a classe política é a insistência em manter a PF na segurança presidencial.
O diretor da PF atuou desde a transição para trazer para a corporação essa responsabilidade. Depois que a função voltou para o GSI (Gabinete de Segurança Institucional), ele tem mantido as investidas para manter a influência da Polícia Federal sobre a área.
A leitura é a de que Andrei sabe que a responsabilidade pela segurança garante a ele uma proximidade maior do presidente e do Palácio do Planalto.
Uma das críticas é que a PF sofre com um problema crônico de falta de pessoal. Ao assumir a segurança presidencial, tiraria delegados e agentes da atividade-fim da corporação, que é a de polícia judiciária.
Em dezembro, antes mesmo de tomar posse na direção da PF, ele fez outro movimento político ao rejeitar dar entrevista ao lado do então superintendente da PF no Distrito Federal, Marlon Cajado.
O objetivo da entrevista era falar sobre a segurança da posse de Lula. Nos bastidores, Andrei disse que considerou o caso uma “afronta” porque Cajado foi um dos delegados que interrogou Lula em processos da Lava Jato.
Neste início de governo, além de Lula, o diretor-geral também fez questão de deixar claro sua sintonia com Dino. A relação dos dois levanta questionamentos internos sobre até que ponto a parceria pode contaminar a independência da PF.
Diferentemente do chefe da corporação, Dino integra o primeiro escalão do governo federal e mantém, obrigatoriamente, uma relação política com o chefe do Executivo.
O período do governo Michel Temer e os quatro anos de Bolsonaro geraram uma fragilização inédita na PF, com trocas constantes e suspeitas de interferência por parte dos governos.
Ainda assim, o órgão teve como costume em boa parte das vezes preservar os servidores das brigas ou de questões externas. O temor de policiais é que a proximidade entre Andrei e Lula mantenha elevada a exposição política da PF.
Questionado, o Ministério da Justiça afirmou que Dino não anunciou novas operações, “e sim uma previsão, que é óbvia à vista do fato de que o inquérito está em andamento”.
“Há, inclusive, o uso da palavra provavelmente. Ademais, o ministro tem 33 anos de experiência jurídica, o que permite fazer óbvias previsões técnicas”, disse.
Afirmou também que o ministério atua de acordo com a Constituição e que o artigo que trata do tema “precisa ser lido para entender que a autonomia da Polícia Federal é no que se refere ao conteúdo das investigações”.
A PF, por sua vez, afirmou sobre a antecipação de informações do caso Marielle que Dino “tomou ciência do resultado das apurações até então, bem como daquilo que se tornou público da operação”.
Também disse que Andrei foi às viagens com Lula porque o diretor-geral “tem o dever de representar a instituição em eventos nacionais e internacionais, inclusive na companhia do presidente da República”.
Também citou a celebração de instrumentos de cooperação policial internacional para “viabilizar a troca de informações de inteligência policial e a realização de operações e investigações conjuntas entre os países envolvidos”.
Folha de SP