Edilson Alves da Silva, 62, permanecia sentado em uma sala com um de seus olhos tampado por um curativo. Minutos antes, ele estava deitado em uma maca enquanto a oftalmologista Laryssa Ávila fazia o procedimento para tratar a catarata do paciente. Era a segunda vez que ele passava pela operação.
“Fiquei feliz [com a cirurgia no primeiro olho]. Agora, vou ficar ainda mais feliz com esse outro lado”, diz, com uma voz rouca que esconde parcialmente sua empolgação.
Mas antes de realizar os procedimentos no Centro de Referência em Oftalmologia (Cerof), um hospital dedicado à saúde ocular localizado em Goiânia e vinculado a Universidade Federal de Goiás (UFG), Edilson aguardou pela cirurgia. Morador da cidade de Anápolis, a 52 km da capital do estado goiano, ele fez exames e foi acusado catarata.
“Eu marquei pelo SUS e fiquei a vida inteira esperando”, afirma ele. A cirurgia no Cerof veio depois de um vereador fazer uma campanha para viabilizar a realização das operações no centro de referência. Uma delas era a de Edilson.
A catarata dificulta a visão do paciente e pode levar à cegueira reversível. A pessoa com a complicação sofre por ficar com a visão embasada, principalmente se estiver em estágios mais avançados –são quatro, no total.
Para contornar a situação, a cirurgia é a forma mais recomendada. “A catarata ainda é a maior causa de cegueira no mundo, e o único tratamento é o cirúrgico”, resume Marcos Ávila, professor de oftalmologia da UFG e fundador do Cerof.
O dilema é que a fila é grande –a maior entre as cirurgias eletivas no país. Segundo dados do Ministério da Saúde divulgados no início de junho em meio a um programa de redução de filas de operações no SUS, eram 167 mil procedimentos de catarata no Brasil todo.
O número alto de espera pode ter relação com vários fatores. A pandemia de Covid-19 é um deles. Indiretamente, a doença aumentou as filas de cirurgias eletivas, porque elas foram paralisadas durante a crise sanitária. O envelhecimento populacional também é uma explicação –o avanço da idade aumenta os riscos.
“A grande fila é realmente de catarata”, afirma Ávila, durante uma passagem no saguão onde pessoas aguardam serem chamadas para o primeiro atendimento no ambulatório. Alguns ainda esperavam, mas o número era visivelmente menor do que horas antes, quando a reportagem chegou ao centro.
No ambulatório, ocorre o primeiro atendimento oftalmológico para investigar o que o paciente precisa. Se forem necessários óculos, por exemplo, a pessoa sai com uma receita. Mas se o caso for de uma cirurgia, como a de catarata, o paciente é submetido a exames pré-operatórios específicos. Caso esteja tudo em ordem, a cirurgia pode acontecer.
Na data marcada, antes de deitar na mesa cirúrgica, a pessoa passa por etapas de monitoramento. “Isso daqui, o anestesista já bloqueou, estão medindo os sinais vitais e daqui já vão para cirurgia”, conta Ávila, referindo-se a pacientes acomodados em macas prestes a passarem pela operação.
Já dentro da sala, Laryssa Ávila, oftalmologista do Cerof, faz uma incisão no olho do paciente por meio de um microbisturi –o corte é minúsculo e não demanda ponto. O visco elástico, substância que mantém um espaço logo atrás da córnea, é injetado. Naturalmente, esse vão é preenchido por um líquido, mas, com a incisão, ele se esvai e por isso é necessário aplicar o visco para manter a anatomia do olho.
Então, é inserida uma micropinça que vai abrir uma espécie de bolsa, o saco capsular, onde a catarata está. Depois disso, é o momento de quebrar essa catarata com o facoemulsificador. “Esse aparelho funciona como uma britadeira, mas por ultrassom”, explica Raphael Remiggi, coordenador dos projetos de catarata do Cerof.
Com o andar da cirurgia, os resíduos da catarata já deteriorada pelo equipamento são sugados. À medida que o procedimento é feito, uma manta acinzentada que dificultava a visualização do olho do paciente no início do procedimento passa a sumir, até desaparecer completamente.
Depois que toda a catarata é retirada, implante-se uma lente. Remiggi explica que isso ocorre porque a catarata nada mais é que a opacificação do cristalino, a lente natural do olho. “Então toda cirurgia de catarata a gente coloca lentes, porque, se não colocar, ele vai ter que usar óculos de 20 graus”, exemplifica.
Com a lente colocada, um curativo é feito no paciente. Ele é levado para um espaço nas imediações da sala de cirurgia. Depois de um período de adaptação, a pessoa pode deixar o centro médico, mas precisa retornar ao hospital para o acompanhamento do pós-operatório.
A cirurgia em si demora pouco mais de dez minutos. Mas um procedimento assim custa caro. Ávila diz que o valor começa em torno de R$ 6.000 no atendimento particular, que não é o caso do Cerof. Na tabela SUS, lista que define os valores pagos para serviços privados que colaboram com a saúde pública, o repasse feito é de R$ 651,60.
Orgulhoso do centro que fundou, Ávila espera a finalização de uma reforma que irá aumentar a capacidade do hospital. Foram cerca de 5.000 cirurgias de catarata só no ano passado, número que deve subir para atender a necessidade da população para esse e outros procedimentos. A demanda, ressalta ele, é muito grande.
Fonte: Folha de São Paulo.