Após o governo derrubar a isenção fiscal a líderes religiosos, deputados ligados às igrejas evangélicas prometem acelerar a tramitação de projetos de lei que tragam “segurança jurídica” aos benefícios fiscais de templos religiosos.
Parlamentares ouvidos pela CNN apontaram que a relação com o governo, que já não era boa, ficou mais estremecida e cria um ambiente de desestabilidade.
Desta forma, eles defendem a necessidade de criar ferramentas que mantenham direitos já conquistados e garantam o funcionamento das igrejas e seus projetos sociais.
O avanço ou não das pautas vai depender do diálogo com o governo federal e das articulações com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Imunidade
A medida com tramitação mais adiantada é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que amplia a imunidade tributária de igrejas, partidos, sindicatos e instituições de educação e de assistência fiscal sem fins lucrativos.
De autoria do deputado federal Marcelo Crivella (Republicanos-RJ) — bispo licenciado da Igreja Universal e ex-prefeito do Rio de Janeiro –, a PEC amplia a imunidade para a aquisição de bens e serviços “necessários à formação” do patrimônio, geração e prestação de serviço.
Em setembro passado, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou a proposta, que agora seguirá para análise de uma comissão especial para discutir o conteúdo da PEC. Se aprovada, segue para o plenário.
Atualmente, a Constituição estabelece que a isenção vale somente para o patrimônio, a renda e os serviços “relacionados com as finalidades essenciais” de igrejas ou partidos.
Na prática, a ampliação permite que o benefício seja estendido para tributações indiretas.
De acordo com a súmula 724 do Supremo Tribunal Federal (STF), “ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU [Imposto Predial e Territorial Urbano] o imóvel pertencente a qualquer das entidades, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades essenciais das organizações”.
Outros projetos
Além da PEC criada por Crivella, outros projetos que tratam de isenção de impostos e taxas para templos religiosos tramitam na Câmara em etapas iniciais.
Um deles, proposto em 2019, dispõe sobre a isenção total do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na compra de veículos utilitários feita por instituições filantrópicas e religiosas.
Autor do projeto, o então deputado Gildene Myr justifica que as igrejas “vivem a eterna luta para mobilizar recursos e energia de seus fiéis” e atuam “onde o Estado ainda está ausente”. Por isso, “as entidades precisam intensificar e ampliar sua atuação” e necessitam de apoio e incentivos externos.
O projeto tramita na Comissão de Finanças e Tributação, sob relatoria do deputado Paulo Guedes (PT-MG). Guedes terá cinco sessões da comissão, a partir do retorno do recesso em 2 de fevereiro, para entregar o relatório. Depois, o texto ainda precisa passar pela Comissão de Constituição e Justiça antes de ir ao plenário da Casa.
Outro projeto trata da isenção das organizações religiosas do pagamento de laudêmio, de foro e de taxas de ocupação relacionados a terrenos de marinha. O laudêmio é uma taxa que deve ser paga ao proprietário do terreno quando se vende ou transfere um imóvel que está localizado em áreas de marinha. Essas áreas são aquelas que pertencem à União e estão situadas na faixa de 33 metros a partir da linha do mar.
A justificativa do projeto aponta que a imunidade tributária prevista na Constituição é essencial para a liberdade de culto e que o laudêmio, ao contrário de demais taxas e contribuições de melhoria, “não propicia às igrejas contrapartida que justifique a cobrança do encargo”.
De autoria do deputado Alceu Moreira (MDB-RS), o projeto foi protocolado em 2021 e tramita na Comissão de Administração e Serviço Público (CASP). A deputada Fernanda Pessoa (União-CE) apresentou relatório no colegiado em outubro de 2023 sem nenhuma emenda. Ainda não há previsão de quando o texto será colocado em votação.
Relação com o governo
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou, na sexta-feira (19), que acionará a Advocacia-Geral da União (AGU) para resolver dúvidas sobre o fim da isenção fiscal a líderes religiosos.
“Nós estamos restabelecendo ou estabelecendo um diálogo, até porque houve muita exploração nesses dias, uma politização indevida, quando o que se está discutindo é uma regra jurídica. Nós vamos despolitizar isso buscando o apoio de quem dá a última palavra disso, que é a Advocacia-Geral da União”, disse Haddad.
A fala veio depois de uma reunião entre Haddad e os deputados federais Silas Câmara (Republicanos-AM), presidente da bancada evangélica, e Marcelo Crivella (Republicanos-RJ).
O ministro também afirmou que um grupo de trabalho especial será montado para debater o assunto e “estabelecer uma interpretação definitiva da lei”.
Após o encontro, os parlamentares afirmaram que a reunião foi muito “produtiva e proveitosa”. Segundo eles, Haddad esclareceu que não há cancelamento da norma, mas suspensão e, embora também seja “muito ruim”, produziu “uma série de encontros e de informações”.
Crivella defendeu que, mesmo com a medida, o governo não está contra as igrejas. “A preocupação do governo é de que nós possamos ter um diálogo para esclarecer. Então, vamos deixar bem claro, não há nenhuma perseguição do governo com relação à lei que foi aprovada, que dá sim imunidade com relação à folha de pagamentos de pastores que não são contratados, que não têm carteira assinada”, disse.
A reunião de Haddad com evangélicos irritou parte do grupo ligado ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Parte da bancada evangélica considerou a decisão como uma “perseguição política” do governo aos religiosos.
Vice-presidente da Câmara e aliado de Bolsonaro, o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) disse à CNN que os deputados que participaram da reunião não representam, necessariamente, a Frente Parlamentar Evangélica. “Foi uma reunião apócrifa. Não foi feito um convite à bancada. O governo que resolva seus problemas”, disse.
Sóstenes também criticou a fala do deputado Marcelo Crivella, que ponderou o fim da isenção ao dizer que o governo não está contra os evangélicos. “É uma opinião pessoal dele, e a qual sou totalmente contra”, disse.
Fonte: CNN Brasil.