Diagnosticada com depressão poucos meses antes do início da pandemia, Lara Zanini sentiu a sua saúde mental piorar de vez quando entrou no ensino médio. A nova realidade de isolamento social junto com a pressão de treinar para os vestibulares agravou a angústia que ela já carregava.
“Pesou um pouco porque você nunca sabe o que vai acontecer, você pode estudar o quanto for, mas não sabe se vai passar ou não. Você quer deixar os pais e a família feliz, quer se orgulhar de si mesmo e passar em faculdades boas que tenham o seu perfil, e fica muito essa questão de vai acontecer ou não vai”, diz a jovem de 19 anos. A informação é do G1.
O caso dela não é exclusividade. Além de afirmar que tem vários amigos enfrentando situações similares a sua, dados da pesquisa Covitel (Inquérito Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas não Transmissíveis em Tempos de Pandemia) demonstram que o número de jovens diagnosticados com depressão praticamente dobrou depois da pandemia. A prevalência do transtorno em jovens na faixa etária entre 18 e 24 anos era de 7,7% e saltou para 14,8%.
Depressão por faixa etária
Prevalência de depressão antes da pandemia e no 1º tri/22
Valores em %
O psiquiatra Guilherme Polanczyk diz que esse aumento é resultado de um conjunto de situações que causaram grande estresse.
“O medo da doença, perdas econômicas, estresse familiar, luto e dificuldades na escola são fatores que têm efeitos muito particulares em cada pessoa”, afirma o psiquiatra.
Um estudo publicado pela revista científica ‘Nature’ mostra que isso também se deve a alteração das expectativas dos adolescentes em relação às suas oportunidades futuras. A pesquisa ‘Bem-estar psicossocial de adolescentes um ano após o surto de COVID-19 na Noruega’ revela que o cenário pessimista desafiou as crenças básicas dos adolescentes sobre viver em um mundo seguro e controlável.
“A recessão econômica atinge quem está na fase inicial fase de sua carreira, tornando a entrada no mercado de trabalho mais difícil”, escrevem os autores.
Os desafios, no entanto, são constantes e assumem formatos diferentes. “Agora que a pandemia deu uma aliviada e voltei ao presencial eu tive outra piora. Tenho medo de ficar doente e de alguém da família ficar doente. Eu já estava acostumada e produzia muito em casa, agora tenho que ir para faculdade presencial e isso me sobrecarrega muito”, diz a estudante de direito.
Identificar e apoiar
Com sintomas de ansiedade desde os 11 anos de idade, o diagnóstico ajudou Lara a esclarecer outras dificuldades que vinha apresentando na escola, como notas baixas. Ao expor para a instituição de ensino a situação, a jovem encontrou muito apoio e enfrentou a recuperação escolar de maneira tranquila.
Polanczyk, que também é professor de Psiquiatria da Infância e Adolescência da Faculdade de Medicina da USP, diz que a escola tem que ser um espaço também de promoção para saúde mental.
“Com esses números que a gente tem, em termos de saúde mental, uma escola que não der conta disso vai ter só metade dos seus alunos, porque uma escola que exclui aqueles que tem problemas de saúde mental exclui uma parcela grande.”
O médico lembra das possibilidades que os professores têm no dia a dia para identificar comportamentos que merecem atenção, já que a escola é o principal ambiente de interação das crianças e jovens.
“Se a gente consegue intervir, pode tanto evitar problemas quanto ajudar. É um espaço que é também é responsável pela saúde mental das crianças e dos adolescentes. Podemos pensar em estratégias para ter um clima entre os alunos e professores adequado e abordar saúde mental e habilidades socioemocionais, como empatia, cooperação”, sugere.
No outro extremo, os idosos
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), todo indivíduo com 60 anos ou mais é considerado idoso. A população dessa faixa etária também teve a saúde mental impactada pelo isolamento, mas de maneiras diferentes.
“Em um adulto jovem, [a depressão] tem um conteúdo mais subjetivo, com mais fadiga, melancolia e perda de energia. O idoso pode ter um quadro similar, mas, às vezes, com mais apatia e sintomas de ansiedade. É um cérebro que pode ter mais lesões vasculares e atrofias acontecendo, que podem se apresentar como um quadro depressivo. A fisiopatologia é diferente”, explica Jorge Silveira, psiquiatra e psicogeriatra.
Silveira, que também é colaborador do instituto de psiquiatria do hospital das clínicas da Faculdade de Medicina da USP, destaca que há uma diferença grande entre o que é senil e o que é parte da senescência.
A senilidade é a manifestação de doenças características da idade avançada, como mudanças nas funções cerebrais responsáveis pela memória, raciocínio e controle motor. Já a senescência são as alterações naturais e esperadas durante o envelhecimento.
“O aumento da expectativa de vida faz com que identifiquemos maior prevalência de quadros demenciais. Envelhecer é um fator de risco não modificável. Se alguém começa a apresentar um transtorno depressivo exclusivamente na terceira idade, provavelmente nos próximos dois anos vai apresentar um transtorno cognitivo, já que alterações de humor são sintomas de algumas demências e tomamos como sinal de alerta”, explica o psicogeriatra.
O principal sinal de que algo não vai bem é uma mudança no padrão de funcionamento da pessoa. Isso envolve tanto detalhes mais característicos, como um humor mais deprimido, como maior dificuldade de concentração e tomada de decisão, além de diminuição do prazer nas atividades do dia a dia. Os idosos, principalmente, tendem a ficar insones durante o processo depressivo.
Tratamento e evolução
Para Lara, um problema de saúde mental é como estar dentro de um prédio em chamas. “O remédio vai ajudar a gente a sair desse prédio sem ser muito dolorido, mas o que cura é a terapia mesmo”, diz a estudante. Durante os quase três anos de acompanhamento terapêutico ela sente que o maior ganho foi o autoconhecimento. “Ao entender o porquê eu ajo de determinadas maneiras eu consegui quebrar o padrão de comportamentos prejudiciais”, relata.
Em crianças e adolescentes, assim como em adultos, a depressão pode ser um episódio único, que foi tratado, resolvido e que nunca mais vai aparecer, mas também pode ser o início de um curso grave de problemas ao longo do tempo.
“Alguns vão desenvolver a depressão ao longo do tempo. A gente sabe que o estresse, como a pandemia, fica no cérebro, mudando o funcionamento. Então às vezes os resultados só aparecem no comportamento um tempo depois”, afirma o psiquiatra.
É importante ressaltar que há uma diferença entre sintomas depressivos (estar mais triste, sem energia e sem vontade de fazer as coisas), para um diagnóstico de depressão.
Impactos
Toda a juventude é baseada em relações interpessoais por meio das quais as pessoas desenvolvem suas habilidades e a percepção de si mesmas. Quando a depressão está presente, tudo isso é afetado.
“Pela própria definição da depressão, se trata de alguém que vai ter menos experiências e se ver de um jeito mais negativo”, afirma Polanczyk a respeito das consequências que um transtorno depressivo pode ocasionar.
Essa interferência no desenvolvimento também impacta o aprendizado e as relações sociais. Se isso é carregado por muito tempo sem o devido acompanhamento, há maiores riscos de prejuízos permanentes no desenvolvimento como, por exemplo, abandono da escola ou dificuldades de se relacionar.
Outro estudo, publicado em 2020 no Journal of Child Psychology and Psychiatry, mostrou que os adolescentes que dormiam mal aos 15 anos eram mais inclinados a ter ansiedade ou depressão aos 17, 21 ou 24 anos.
Realizada no Reino Unido, a pesquisa “Padrões e qualidade de sono autorreferidos em adolescentes: associações transversais e prospectivas com ansiedade e depressão” analisou informações de pouco mais de 5 mil pessoas, acompanhadas dos 15 aos 24 anos, e conclui que dormir mal representa um risco para a saúde mental.
O psiquiatra diz que ter um horário regular de sono e número de horas suficiente é imprescindível, bem como ter uma alimentação adequada, coisas que fazem parte do processo de regularizar ciclo fisiológico de sono e vigília. Se alimentar corretamente e praticar atividade física são outros dois pilares, assim como ter alguém com quem contar. “É preciso sentir que tem um suporte e uma pessoa para procurar quando tiver com dificuldades”, finaliza Polanczyk.