Membo de uma das famílias mais ricas do Brasil, Patrícia Villela não se esquivou de causas urgentes – e espinhosas. Pelo contrário, as abraçou. Casada com Ricardo Villela Marino, de uma das três famílias controladoras do Itaú Unibanco, fundado por seu bisavô, a advogada é uma das defensoras mais vocais dos direitos de mulheres detentas e egressas do sistema prisional e mais recentemente do uso medicinal da cannabis no país.
Com um longo histórico de ativismo feito principalmente por meio do Instituto Humanitas 360, com advocacy para influenciar políticas públicas do que chama de “populações inviabilizadas”, a família está agora reunindo sua atuação filantrópica e investimentos de impacto embaixo de um fundo patrimonial de R$ 72 milhões.
Trata-se de um veículo nos moldes dos endowments americanos: o dinheiro é aplicado e as doações são bancadas pelos juros. O principal fica intocado.
“É uma maneira de fazer um compromisso geracional e garantir que essa atividade se sustente no longo prazo”, afirma Villela.
Batizado de PDR, o fundo é a sigla para “Purpose Driven Resources” e leva também as iniciais de Patrícia, Ricardo e de seu filho Daniel, de 11 anos – que desde os cinco acompanha a mãe nas visitas às penitenciárias femininas. “Sempre foi muito importante para nós que ele criasse essa empatia com a pauta dos direitos humanos.”
Em adição ao capital aportado, o fundo recebeu ainda o prédio do CIVI-CO, um coworking no bairro de Pinheiros em São Paulo, que abriga diversas ONGs e startups com a tese de impacto. Os aluguéis também serão usados para apoiar instituições sem fins lucrativos.
Além do Humanitas 360, o fundo vai apoiar também a Articuladora e Negócios de Impacto da Periferia, que criou um fundo de investimento em direitos creditórios (FDIC) voltado para negócios de impacto nas periferias do Brasil e vai financiar o Instituto de Pesquisas Sociais e Econômicas da Cannabis – a pauta que mais tem ocupado a agenda de Patrícia nos últimos anos.
A advogada está no Conselhão da Presidência da República, onde vem buscando sensibilizar o Planalto, além de atuar em fóruns na esfera legislativa federal e estadual, propondo desenhos de políticas públicas para liberar o uso medicinal da cannabis e o uso industrial do cânhamo.
“Para ter acesso à cannabis medicinal, os remédios são caríssimos. Estamos falando do direito à vida dos pacientes mais pobres, não temos direito de demorar para investir nisso”, aponta, acrescentando ainda o potencial de uso do cânhamo para diversas aplicações industriais.
“O cânhamo é descarbonizante e estamos perdendo uma oportunidade de entrar numa nova economia por conta do viés punitivista e moralista das nossas políticas públicas.”
Mais do que dar garantir a sustentabilidade das doações, o PDR tem uma governança voltada para dar mais potência às doações e investimentos de impacto da família.
Por lei, os rendimentos de fundos patrimoniais podem ser voltados apenas para atividades sem fins lucrativos. Mas a estrutura do fundo vai ser usada também para supervisionar os investimentos da família em startups de impacto – ainda que os recursos para este fim venham de um bolso separado.
“É uma forma de dar mais coesão a nossa estrutura para um ativismo cívico-social”, diz Villela.
Entre as startups no portfólio está o Green Hub, plataforma de inovação que serve como uma espécie de aceleradora para outras startups de cannabis no Brasil, da qual Patrícia e Ricardo são os maiores investidores.
Há ainda o Scirama Psychodelic Science, startup de base biotecnológica para pesquisa, desenvolvimento e inovação com compostos e protocolos de psicoterapia assistida com substâncias psicodélicas. “Apoiamos causas que os doadores tradicionais rejeitam ou ignoram”, diz a advogada.
A carteira inclui ainda o próprio CIVI-CO e a Tereza, negócio social que contrata cooperativas sociais de mulheres presas, egressas do sistema prisional e vítimas de violência doméstica para a produção de artesanato e artigos têxteis – e que já exporta para Europa e Japão.
O órgão máximo do PDR é seu conselho de administração, formado por Ricardo, Patrícia e o mestre em relações internacionais e consultor Piero Bonadeo.
O comitê de investimentos, que delibera sobre as aplicações financeiros dos recursos, é formado por Ricardo Vilela Marino, o engenheiro Ricardo Amorim e o administrador de empresas e especialista em ciência de dados Saulo Mendes de Almeida. A gestão dos recursos fica a cargo do Itaú.
Um instrumento bastante usado fora do país para financiar projetos culturais, sociais e de educação – inclusive por grandes universidades como Harvard e Yale –, os endowments vem crescendo no país na esteira da aprovação da lei 13.800 em 2019, que regulamentou os fundos patrimoniais.
“O instrumento já era utilizado no Brasil, mas ganhou mais segurança jurídica”, afirma a advogada Priscila Pasqualin, o PLKC Advogados, uma das maiores especialistas do tema no Brasil e que atuou na estruturação do fundo da família Villela Marino.
Segundo ela, um dos entraves ao avanço do instrumento é que não há isenção para as aplicações financeiras feitas por meio desses fundos, a exemplo do que acontece em outros países.
“Meu conselho e minha mensagem para os doadores é: quem puder, estruture suas ações de maneira longeva”, diz Villela. “Para ser um filantropo, não precisa de muito dinheiro. Mas para causar mudança sistêmica, precisa de recursos e de estrutura.”
Créditos: EXAME.