O que era para ser uma tarde de pesca normal entre amigos em um igarapé na vila Campos Novos, município de Iracema, Sul de Roraima, acabou marcada por um susto — e também por gargalhadas. Acontece que o pescador Jorge da Silva, de 58 anos, resolveu tirar da rede de pesca um poraquê (peixe-elétrico amazônico) com as próprias mãos. Ele recebeu uma descarga elétrica, ficou paralisado, caiu na água e foi salvo por um dos seus amigos.
Toda a situação foi registrada em vídeo, que foi postado nas redes sociais por diversas páginas. Nas imagens — que viralizaram e já contam com mais de 5 milhões de visualizações — é possível ver o momento em que os amigos puxam a rede e se deparam com o peixe. O pescador se aproxima e agarra o poraquê com a mão, caindo paralisado na água logo em seguida. Tudo isso ao som de risadas. (Veja no vídeo acima). O caso aconteceu no domingo (17).
Jorge da Silva costuma pescar com frequência junto aos seus amigos, os agricultores Jailson Sousa, de 25 anos, José Carvalho, de 33 anos, quem salvou Jorge do peixe-elétrico, e Raimundo Lima, de 33, que filmou a situação.
De acordo com Jorge, ele é “acostumado” a fazer “brincadeiras” desse tipo, mas o resultado geralmente é outro. Ele conta que não foi preciso ser levado para o hospital após o susto, que tudo ficou normal e a pescaria seguiu.
“Eu gosto de pescar, vivo pegando poraquê com as mãos. Eu já senti muito choque, só que ele [o peixe] nunca tinha era me derrubado. Mas, agora, ele me derrubou. Poraquê não é brincadeira não, ele tem uma força bruta. Mas deu tudo certo, no fim a gente deu muita risada, continuou pescando normalmente”, disse Jorge ao g1.
Raimundo, que filmou tudo, conta que essa não é a primeira vez que Jorge segura um poraquê na mão. Na mesma pescaria, mais cedo, eles haviam pegado outro peixe-elétrico, Jorge segurou, mas não tomou choque. Os amigos ficaram impressionados e decidiram que iriam filmar caso pegassem outro poraquê.
“Teve uma primeira vez antes, nós tínhamos recém começado a pescar, aí armamos o malhador [rede de pesca], quando a gente foi ver, tinha um poraquê preso. Ele foi com a mão mesmo e tirou o bicho. Isso deixou a gente encabulado pois ele nem pegou choque. Ele disse que pegou um pouco mas era bem fraquinho, mas ele pegou com a mão mesmo e soltou na água”.
“Quando prendeu outro poraquê na rede, eu falei ‘vai pegar de novo e eu vou gravar’. Eu fui filmar ele, que pegou o poraquê de mau jeito e caiu duro na água”, contou, com risadas, o agricultor.
Quem “salvou” Jorge foi José. Ele contou ao g1 que quando puxou a rede com o poraquê, não viu Jorge se aproximando. Quando se deu conta, o pescador já estava caído. Ele chegou a levar uma pequena descarga de energia enquanto ajudava Jorge.
“Quando a gente pegou esse segundo poraquê ele falou pra eu pegar com a mão, eu disse ‘pego nada, moço’, aí ele decidiu pegar ele mesmo de uma vez, eu nem sabia que ele ia fazer aquilo. Quando eu vi ele já tinha caído na água, [o Jailson] falou ‘ajuda o cara, ajuda o cara’, quando eu virei ele tava travado. O poraquê já tinha escapado da mão dele, mas tava dando choque no peito dele”, explicou José Carvalho.
“Nesse caso, ele agarrou o poraquê com a mão mesmo e travou. O bicho foi pro peito dele e colou lá. No vídeo dá até pra ouvir ele falando com os dentes travados ‘me ajuda’ pedindo pra mim. Quando eu vi que o negócio foi sério eu fui ajudar”, completou.
Jailson Sousa é quem aparece rindo na filmagem. Ele contou que toda a situação foi levada com muita descontração, pois nada de grave aconteceu. Para os amigos, tudo isso foi algo comum para quem acompanha as pescarias de Jorge.
“Nós quatro somos acostumados a pescar juntos. O Jorge a vida dele é pescar e a gente gosta também, mas ele gosta mais. Todo dia ele tá no rio. Ele já é acostumado a lidar com todo tipo de peixe, inclusive poraquê. Até cobra, arraia… tudo isso ele é pega com a mão, ele é meio louco”, disse Jailson.
Jorge destacou que gostou da repercussão do vídeo, pois trouxe informação sobre a espécie, mas disse que vai parar de fazer “brincadeiras” desse tipo por estar “velho demais” para isso. No maior estilo “não tentem isso em casa, crianças”, o pescador não recomenda que segurem peixes-elétricos com a mão.
“Agora, eu não recomendo qualquer um pegar [no poraquê]. Eu já peguei para fazer brincadeira com os outros, mas é brincadeira, no meio dos amigos e tem deles [pessoas] que não resistem. A pessoa cai, sente problema de nervoso na hora, eu não recomendo”, afirmou o pescador.
“Eu peguei poraquê durante a minha vida quase toda, pois eu sou pescador, e tirava poraquê da tarrafa [de pesca] com a mão, brincando. Nunca tinham me derrubado, só que esse derrubou. Então, assim, [se alguém tentar] pode acontecer uma coisa pior, né? Não é qualquer um que pega, de repente pode dar errado”, ressaltou.
Poraquê: a enguia da Amazônia
O peixe-elétrico, mas também chamado de ‘poraquê’ em muitos estados da Amazônia, é a maior espécie de peixe-elétrico e a mais comum na região. Segundo o biólogo Will Cavalcante, bacharel em biologia pela Universidade Federal de Roraima (UFRR), o peixe pode gerar de 700 a 820 volts em uma descarga.
O biólogo explica que as células que produzem eletricidade estão na calda do peixe e que 75% dele é formado por sua calda, constituída por músculos com células especializadas chamadas de eletrócitos, que se enfileiram e funcionam como uma bateria para gerar eletricidade natura.
“O poraquê é um peixe-elétrico que usa essa habilidade principalmente para caçar, já que é um peixe carnívoro; usa para se proteger de predadores; usa para se comunicar com outros de sua espécie e entender o ambiente a sua volta, já que possui baixa visão”, explica o biólogo.
Segurar um peixe dessa espécie com as mãos é algo totalmente não recomendável já que, caso a pessoa esteja completamente dentro da água no momento do choque, é possível que a musculatura seja afetada, o que causa paralisia e um possível afogamento.
“Existem relatos de cavalos que faleceram ao cruzar o rio por toparem com grupos de poraquês em áreas rasas, visto que esses peixes se reúnem em ambientes alagados e rasos, como igarapés, lagos e possas quando estão em períodos de reprodução”, esclareceu Will Cavalcante.
Por isso, o recomendável é ficar atento em períodos de níveis mais baixo de água em épocas de seca, visto que esses animais gostam de se reunir para acasalar nesses períodos nas margens de rios e igarapés.
“Casos você seja um pescador e por acaso você pesque esse animal, o que é comum na Amazônia, evite manusear o animal diretamente e dentro da água. Para devolvê-lo a água, use o remo de madeira ou de plástico e em último caso, use luvas e botas de borracha, caso precise pegar o animal com as mãos”, ressaltou o biólogo.
As aventuras de pescarias em Roraima do grupo de amigos são compartilhadas por eles em um canal no YouTube, com atualizações da rotina do grupo. Eles se denominam “Os Quatros Pescadores Lokos”.
Créditos: G1.