“Na Copa de 2002, eu estava almoçando e o Felipão me chamou.
“Cara, eu preciso falar com você.
“Me levou para uma sala e começou a juntar copo, garrafa, faca. E mostrou como se fosse um esquema de jogo. Era a véspera da abertura da Copa (para o Brasil) contra a Turquia.
“Eu falei: ‘Felipão, você não me tirou do meu almoço para me dar uma aula de tática aqui, né?’
“Ele respondeu: ‘Não, o que eu quero te dizer que o time da Turquia é muito bom. Eu tô sentindo que todo mundo está achando que vai ser uma moleza. E as coisas que você fala no Jornal Nacional chega imediatamente aos jogadores. Você poderia me dar uma força nisso!’
“Falei para o Felipão: ‘Não é ético, você como técnico da seleção, me encomendar um comentário no Jornal Nacional.’ Ele respondeu. ‘Eu sei, mas nós não estamos…’ ‘Sim, eu sei, estamos juntos, remando no mesmo barco.’ Aí eu falei: ‘Deixa comigo’.
“Aí, fomos para a coletiva. Na coletiva, véspera (do jogo), levantei a mão. ‘Quero fazer uma pergunta.’ Ah, o Galvão vai fazer uma pergunta… Raramente eu faço uma pergunta em coletiva.
“Aí eu falei: ‘Felipão, tem uma coisa que está me preocupando. Eu estou sentindo que todo mundo está achando que esse jogo com a Turquia é uma moleza. E não é. O time tem um grande meio-campo’ e repeti, mais ou menos, o que ele havia falado.
“Oh, obrigado tchê. Aí ele falou tudo o que tinha me falado. Ou seja, ele me deu o comentário do Jornal Nacional.
“(…) Chega no terceiro jogo da primeira fase da Copa do Mundo. Aí, na véspera, estava fazendo o programa, estava no mesmo hotel (da seleção), o Felipão chegou e me perguntou: ‘Tem vinho no seu quarto?’. Respondi: ‘Sempre tem, Felipão’. Ele sempre gostou de vinho, sempre tomamos vinho juntos. ‘Vamos lá tomar um vinho, que eu quero te falar uma coisa.’
“Aí eu falei: ‘Ôpa, quero testemunha. Você leva um, que eu levo outro’. Ele riu, brincou. E chegou lá em cima, no quarto, abri o vinho e ele me falou assim. ‘Eu estou em dívida com você e quero pagar essa dívida. Teu jogador joga amanhã’. ‘Como é que é, Felipão?’ Como é ‘meu jogador?’ Não sou pai de jogador. Não sou presidente de clube. Não sou empresário de jogador. Como é que meu jogador joga amanhã?
“E ele: ‘Não se faça de bobo, o Kaká vai jogar amanhã. Você sabe muito bem que o Kaká foi o último jogador que eu convoquei. E eu convoquei porque não aguentava mais você na televisão e o meu filho em casa”. Aí demos risada. E, realmente, o Kaká jogou (contra a Costa Rica, substituindo Rivaldo, aos 27 minutos do segundo tempo). E fez a participação dele na Copa do Mundo.”
(Trecho do Podcast Pode falar, Galvão! Episódio 7 a 1).
Quem era o melhor (técnico da seleção) de conversa?
“O Vanderlei Luxemburgo, meu amigão. A gente, na Copa América que ele ganhou, ficava conversando até as 4 da manhã.”
(Trecho da entrevista de Galvão Bueno, na Folha de S.Paulo de ontem)
Falcão, Parreira, Zagallo, Vanderlei Luxemburgo, Felipão, Mano Menezes e Tite.
Treinadores da seleção que sempre fizeram questão de ter conversas particulares com Galvão Bueno. Sem a necessidade de ser escondidas. Principalmente em cafés em hotéis onde o Brasil se hospedou em competições.
Em frente aos demais jornalistas que cobriam os eventos. Nesses cafezinhos, sempre ficou claro que era algo entre os técnicos e Galvão. Depois de conversarem sozinhos por um tempo significativo, os demais repórteres eram “autorizados a chegar perto. E logo o bate-papo terminava.
Nas sete Copas do Mundo que cobri, fui testemunha dessa relação íntima do narrador com os treinadores. E, inúmeras vezes, quem chamava Galvão para conversar eram os técnicos.
Em 2018 não houve café, já que o esquema de cobertura estava próximo do militar, mas contatos rápidos com Tite aconteceram.
Os únicos treinadores que não vi cederem a conversar particulares com Galvão foram Leão e Dunga.
Personalista, egocêntrico e a “voz do esporte” da Globo, a saída do narrador depois da Copa do Mundo tem tudo para ser o fim de um ciclo de intimidade da emissora carioca com a seleção.
Evidente que essas conversas particulares de Galvão, 72 anos, sempre renderam informações importantes e exclusivas.
Que várias e várias vezes foram favoráveis à Globo. E não à seleção nem aos treinadores que confidenciavam “furos” ao narrador.
Porque os jornalistas que não tinham esses privilégios eram cobrados por seus veículos de comunicação, por não terem as informações exclusivas.
Ao longo dos anos, com os fracassos da seleção brasileira e a insistência dos treinadores em privilegiar Galvão, a relação se deteriorou. Porque Bueno não poderia fugir dos fatos. E teve de comentar derrotas e mais derrotas nas Copas, desde 2006.
Resultado.
Seu ex-aliado, Felipão, não olha mais nem no rosto de Galvão Bueno.
Tite, derrotado em 2018 e na Copa América de 2021, em pleno Maracanã, também já não é mais próximo.
O narrador não está afastado só do técnico da atual seleção.
O principal jogador, Neymar, não o perdoa pelas duras críticas na Olimpíada de 2016.
Há várias pessoas tentando reaproximar os dois, mas não estão conseguindo.
A Globo perdeu um elo importante entre os técnicos e jogadores com Galvão.
Mauro Naves, repórter, saiu da Globo em 2020. Simpático, inteligente e muito comunicativo, ele aproximava, marcava os “cafezinhos” com Galvão. E, lógico, conseguia também informações exclusivas.
Essa era de “cumplicidade” da Globo com técnicos da seleção está terminando, com a não renovação de contrato com Galvão Bueno.
Evidente que os grandes veículos de comunicação ainda terão privilégios com a CBF. Sempre foi assim e sempre será.
No mundo inteiro, acontece dessa maneira, com as federações, as grandes redes de tevê, portais, jornais e, agora, começa a chegar aos streaming.
Mas, no Brasil, relação tão explícita como com Galvão, nunca mais…