Um ‘vídeo proibido’ de Agnaldo Timóteo de 1982 tem circulado nas redes sociais nos últimos dias. Nas imagens, o cantor, que morreu em 2021 vítima de covid-19, participa da gravação de um programa de televisão na TVS (futuro SBT) e se revolta, a ponto de tentar agredir os apresentadores, depois de ser questionado pela jornalista Sonia Abrão sobre sua sexualidade.
A reportagem procurou a apresentadora, que esclareceu como a situação ocorreu – leia abaixo o depoimento dela na íntegra. O vídeo foi divulgado por Ney Inácio, ex-repórter do Programa do Ratinho, do SBT, no TikTok. Ele afirma ao Estadão que guardou o registro por 25 anos, pois o próprio cantor pediu que ele só fosse divulgado após a sua morte. Inácio e Timóteo eram amigos.
Ele confirmou a história e afirmou que quem lhe deu a cópia da fita foi o próprio Timóteo, muitos anos depois do episódio. Inácio ainda narrou o que ocorreu no estúdio: “Agnaldo quebrou tudo na sala ao lado, mas o fio da câmera não chegava até o local, por isso a imagem continua a mostrar o estúdio”, diz.
Inácio diz que o vídeo tem nove minutos no total. Em uma parte não publicada, segundo o jornalista, o apresentador do programa ofende Timóteo. “Aventureiro e apreciador das emoções fortes, arrogante, racista e metido a briguento. Violento, inquieto e neurótico”, teria dito o condutor da atração.
Depois da reação de Timóteo, que abandonou o estúdio, a gravação seguiu. Os apresentadores continuaram a fazer as perguntas, mas com a cadeira do cantor ao ar. O programa, que se chamava A Verdade de Cada Um, nunca foi exibido.
Inácio conta que o TikTok tirou o vídeo do ar. Ele, posteriormente, postou as imagens no YouTube. Inácio diz que não se arrepende de ter trazido as imagens à tona neste momento.
“Postei como uma homenagem ao Agnaldo. Para mostrar que ele era reativo às provocações. Como essa e tantas outras. Por ser negro, por ser homossexual. Ele não tinha a obrigação de assumir nada. Ninguém tem obrigação de assumir nada”, diz.
VEJA:
No registro, Sonia pergunta para Timóteo sobre seu “homossexualismo” – termo que já não é mais usado para se referir ao relacionamento entre pessoas do mesmo sexo – e o cantor diz que essa informação sobre ele é “improcedente”.
“Agora você não vai querer assumir? Por quê?”, questiona ela. O músico começa então a discutir com os apresentadores – um deles, inclusive, usa a palavra “bicha” para questioná-lo. O cantor faz menção de deixar o estúdio, mas ao ser xingando por parte da produção, dá meia volta e parte para cima de alguns homens que estavam na gravação.
Segundo Ney Inácio, a gravação seria para um programa que passaria no SBT chamado A Verdade de Cada Um, uma cópia exata de Quem Tem Medo da Verdade?, comandado por Carlos Manga na TV Record entre os anos de 1968 e 1971. Na versão da Record, participaram nomes como Roberto Carlos, Grande Otelo e Aracy de Almeida. Nessa época, o programa já explorava a sexualidade dos entrevistados.
Sonia Abrão se refere ao programa do SBT com o mesmo nome do seu modelo na Record. Ela afirma que já recebia o roteiro com as perguntas antes da gravação e que, “desse episódio em diante, aprendeu a questionar e a não obedecer cegamente direção e produção de TV”. Depois da situação, o programa foi descontinuado por Silvio Santos.
O apresentador voltou com outra versão de Quem Tem Medo da Verdade? no ano de 2008, porém rebatizada de Nada Além da Verdade, na qual os convidados tinham que responder perguntas e, caso passassem pelo crivo do detector de mentiras, ganhavam prêmios em dinheiro.
Timóteo passou por outras duas situações semelhantes na TV. Nos anos 1990, em uma entrevista ao programa Jô Soares Onze e Meia, no SBT, o cantor e compositor Léo Jaime diz a Jô que fez a música Telma Eu Não Sou Gay para Timóteo. “Ninguém teve coragem de mostrar para ele. Ele luta karatê. Ele não gostava. Aí demos para o Ney Matogrosso, que era mais amigo”, diz Jaime.
Timóteo estava no SBT e foi até o estúdio. O cantor faz gestos que não deixam claro se era de indignação ou de encenação. “É brincadeira”, diz Jaime. Timóteo responde “Brincadeira uma ova”.
Nos anos 2000, no programa SuperPop, apresentado por Luciana Gimenez, o jornalista Felipeh Campos afirmou que Timóteo era “assumido”. No mesmo palco estava o então deputado federal Jair Bolsonaro. O episódio gerou o meme “não sou, não”, frase dita por Timóteo.
Leia o depoimento de Sonia Abrão na íntegra:
“Eu me lembro disso até hoje, mas nunca tinha visto imagens da briga antes de esse vídeo ‘viralizar’. Primeiro, veio o impacto e, depois, comecei a rir por ver como eu era ‘crua’ em TV. Tudo isso aconteceu no SBT, na gravação de um programa chamado Quem Tem Medo da Verdade?, que era cópia, inclusive no nome, de um jurássico programa da TV Record, dos anos 1960, na época comandado por Carlos Manga, e tido como ‘maldito’ porque destruía os entrevistados, a exemplo do que fez com (a atriz) Leila Diniz.
No meu caso, acho que era apenas o segundo programa dessa nova versão, dirigida por Mário Buonfiglio, diretor veterano e pai da esotérica Mônica Buonfiglio, com apresentação do polêmico Alfredo Borba. Nós, convidados, já recebíamos o roteiro com as perguntas a serem feitas aos entrevistados. A minha era essa para o Agnaldo Timóteo, em um tempo, início dos anos 80, em que ainda se usava a palavra “homossexualismo” e não “homossexualidade” como hoje, tendo como ponto de partida a certeza de que ele era gay.
Resultado: Agnaldo explodiu de indignação e eu fiquei congelada, me perguntando o que tinha feito de errado para provocar toda aquela confusão, ainda mais quando o diretor me mandou perguntar o porquê de ele não querer se assumir. Aí foi um escândalo! Eu não conseguia nem sair do lugar! Fiquei só olhando o quebra-quebra.
No outro dia, veio a ‘punição’. Agnaldo foi, pessoalmente, contar tudo ao Silvio Santos, de quem sempre foi muito amigo, e Silvio acabou com o Quem tem Medo da Verdade?, mandou tirar da programação da emissora. Ainda bem que desse episódio em diante aprendi a questionar e a não obedecer cegamente direção e produção de TV. Fui pegando experiência. Quanto ao Timóteo, virou um grande amigo, frequentador e telespectador assíduo dos nossos programas, até dando sugestões para quadros e convidados. Se sentia em casa com a gente. E eu e toda nossa equipe sentimos muita saudade dele. Era uma doce fera!”.
Estadão