Braço direito da ex-presidente Dilma Rousseff no Palácio do Planalto durante seus quase seis anos na Presidência, o gaúcho Anderson Braga Dorneles foi nomeado diretor em uma empresa da qual o Banco do Brasil é sócio e, um mês depois, conseguiu reduzir em 93% uma dívida que tinha com o banco desde 2016. As informações são da coluna de Guilherme Amado/Metrópoles.
No governo Dilma, Anderson tinha acesso privilegiado à petista e vivia ao redor dela, carregando malas, celulares e tablets da ex-presidente. Conhecido na época como “o menino da Dilma”, a quem, segundo relatos, a ex-presidente chamava de “bebê”, Anderson trabalhou com ela durante 20 anos, tinha sala no terceiro andar do Planalto, onde fica o gabinete presidencial, e só deixou o entorno da então presidente ao ser exonerado, em fevereiro de 2016, seis meses antes de a ex-chefe ser afastada do Planalto em meio ao processo de impeachment.
Longe de Dilma, que desde a exoneração é rompida com o ex-pupilo, Anderson tentou emplacar uma carreira política em 2022, mas não conseguiu ser eleito deputado federal no Rio Grande do Sul pelo Avante, partido ao qual se filiou em 2018, após deixar o PT. Recebeu apenas 14.919 votos dos gaúchos.
Com a petista agora ainda mais distante – ela é hoje presidente do Banco dos Brics, sediado em Xangai – Anderson Dorneles é, desde 15 agosto, diretor de Relações Governamentais da Cateno, joint venture de pagamentos do Banco do Brasil e da Cielo. O banco estatal tem 30% do negócio e sua sócia, 70%.
Como mostrou a coluna Grande Angular, do Metrópoles, em agosto, a Cateno está sob forte influência do Avante, partido de Anderson, que indicou Henrique Fernando Lucas como diretor-geral da empresa.
O cargo ocupado por Anderson Dorneles não é estatutário e ele foi contratado em regime CLT, segundo a Cateno informou à coluna.
Seria apenas mais uma nomeação política entre tantas, não fosse uma estranha façanha de Anderson.
Em setembro, um mês após ser contratado pela Cateno, Anderson Dorneles assinou um acordo na Justiça que reduziu em 93% uma dívida que tinha com o Banco do Brasil. O valor a ser pago despencou de R$ 228.732,71 para R$ 15 mil, e ainda poderá ser pago em 10 parcelas.
O empréstimo que originou a dívida foi feito por Anderson Dorneles em 5 janeiro de 2016, quando ele ainda era assistente de Dilma, no valor de R$ 149.148,44 – a serem pagos em 96 prestações. Inadimplente, e após reiteradas tentativas de composição extrajudicial pelo Banco do Brasil, Anderson foi processado pela instituição em 5 de novembro de 2018, quando a dívida já chegava a R$ 202.210,99.
Desde a abertura da ação de cobrança, a 23ª Vara Cível de Brasília, onde o processo passou a correr, sequer conseguiu notificar Anderson. Depois de quatro anos e diversas tentativas frustradas, em novembro de 2022, a juíza Ana Letícia Martins Santini autorizou que ele fosse citado por meio de edital.
Em 5 maio de 2023, a sentença: a juíza Santini determinou que Anderson Dorneles fizesse o pagamento dos valores e, três meses depois, em agosto, ordenou que ele fosse notificado, também em edital, a liquidar a dívida em um prazo de 15 dias.
Até então em silêncio nos autos, Anderson Dorneles só foi dar as caras no processo no último dia 15 de setembro – exatamente um mês após ser contratado como diretor de Relações Governamentais da Cateno. Nessa data, a Ativos S.A, securitizadora de créditos do conglomerado do Banco do Brasil – que substituiu o banco no processo em julho de 2022, após uma cessão de crédito do BB – informou à Justiça que havia entrado em acordo com Anderson e comunicou os termos do acerto.
Da dívida, agora assumida por Anderson em R$ 228.732,71, seriam pagos R$ 15 mil. A divisão do montante seria em 10 parcelas: uma entrada de R$ 3 mil em setembro, oito parcelas de R$ 1.333,33 e uma parcela final de R$ 1.333,36, a vencer em 16 de junho de 2024 (veja abaixo). Também caberá a Anderson Dorneles o pagamento de R$ 1.500 a título de honorários advocatícios ao escritório do advogado Nelson Wilians, que representou a Ativos S.A no processo e também subscreve o acordo judicial.
O acordo foi homologado pela 23ª Vara Cível de Brasília em 9 de outubro e, no dia 23 daquele mês, o processo foi definitivamente arquivado.
A coluna tentou contato com Anderson Dorneles por meio da assessoria de comunicação da Cateno, para ouvi-lo a respeito do acordo, mas não teve retorno dele. Por meio de nota, a empresa afirmou que “a negociação é direito de todo cidadão e o percentual de descontos aplicados é determinado pelo banco credor, seguindo suas políticas e critérios”. O banco credor, neste caso, é um dos donos do novo empregador de Anderson.
Questionado sobre os termos e critérios do acordo com Anderson Dorneles, o escritório Nelson Wilians Advogados respondeu que “os acordos celebrados pela Ativos S.A. Securitizadora de Créditos Financeiros são regidos por critérios delineados em seu plano de negócios, protegidos por sigilo comercial, aos quais não temos acesso direto”.
“Quando envolvem operações judicializadas, as negociações obedecem aos parâmetros estabelecidos pela Ativos S.A. Securitizadora de Créditos Financeiros, embasadas em análises processuais específicas. Faz-se oportuno enfatizar que, no acordo mencionado, o escritório não tinha conhecimento de que o devedor em questão ocupava uma posição pública”, disse o escritório.
A respeito da indicação de Anderson à Cateno, o Banco do Brasil informou que “a seleção de executivos nas empresas nas quais tenha participação é técnica e respeita os acordos de acionistas dessas empresas e suas governanças”.
Suspeitas e rompimento com Dilma
O “menino da Dilma” caiu em desgraça com a ex-presidente a partir das notícias, divulgadas no fim de 2015, de que ele seria sócio oculto do bar do estádio Beira-Rio, em Porto Alegre, reformado pela empreiteira Andrade Gutierrez para a Copa do Mundo de 2014. Depois da sua exoneração, que teve entre os motivos alegados o casamento de Anderson e sua mudança para o Rio Grande do Sul, Dilma Rousseff rompeu com o ex-assistente. A bronca pelas suspeitas foi tamanha que, dizem amigos dela, a petista evita até dizer o nome de Anderson.
Anderson Dorneles também foi citado na delação premiada da Odebrecht, que veio à tona em 2017. Segundo o delator Cláudio Melo Filho, ex-lobista da empreiteira em Brasília, Marcelo Odebrecht determinou o pagamento de uma “mesada” de R$ 50 mil a ele, cujo codinome no sistema de contabilidade paralela da Odebrecht era “Las Vegas”. O dinheiro seria uma recompensa por levar informações de interesse da empreiteira à então presidente.
Em julho de 2022, Anderson Dorneles foi denunciado pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul como um dos operadores de um suposto esquema de desvios na prefeitura de Canoas (RS), investigado na Operação Copa Livre. Anderson foi acusado dos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro, peculato e falsidade ideológica e responde atualmente a três ações penais abertas no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4).
Metrópoles/Guilherme Amado