Em meio a constantes bombardeios na região da usina de Zaporizhia e trocas de acusação entre Rússia e Ucrânia pela responsabilidade dos ataques, a comunidade internacional teme por um eventual desastre nuclear.
As tropas russas tomaram o controle do complexo nuclear em meados de março, mas a usina continuou sendo operada por técnicos ucranianos. Segundo informações cedidas à CNN por uma funcionária que não quis se identificar, cerca de 35% a 40% dos trabalhadores deixaram suas funções.
Na quinta-feira (18), o Ministério da Defesa russo revelou que considera fechar a usina, provocando um alerta da agência nuclear estatal ucraniana de que isso poderia resultar em uma catástrofe. A informação é da CNN Brasil.
A “evolução negativa” da central pode fazer a Rússia ‘colocar a 5ª e 6ª centrais’ na ‘reserva fria’, o que levaria ao encerramento da central nuclear de Zaporizhia”, disse o ministério em comunicado, culpando a Ucrânia por bombardear o local.
As autoridades ucranianas negam que tenham tido responsabilidade e culpam os russos pelos ataques que danificaram o complexo. A Energoatom, empresa de energia nuclear estatal ucraniana, disse que a perspectiva de fechar a usina aproximaria “o cenário de um desastre de radiação”.
Isso porque um colapso no fornecimento de energia interromperia o resfriamento da água das barras de combustível da usina. Sem energia de rede, geradores a diesel de reserva entrariam em ação. Se eles falhassem, teríamos “uma situação mais séria”, disseram autoridades ocidentais.
A CNN não pôde verificar de forma independente as alegações ucranianas ou russas sobre os ataques.
Em conversa com Vladimir Putin na sexta-feira (19), o presidente da França, Emmanuel Macron, afirmou estar preocupado com os riscos de segurança na região, segundo informou o governo francês.
Ainda de acordo com a administração federal, o presidente russo concordou em enviar uma missão de especialistas da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) para Zaporizhia.
As duas autoridades devem manter conversas nos próximos dias, segundo uma nota enviada a jornalistas pelo gabinete de Macron.
Mikhail Ulyanov, representante da Rússia em Viena, na Áustria, afirmou que uma delegação da AIEA poderia visitar a usina nuclear no início de setembro.
“É muito cedo para dizer algo sobre os detalhes. São questões extremamente sensíveis. Estamos discutindo e continuaremos a discutir as modalidades da missão, a rota, o número de pessoas que participarão dela, quanto tempo ficarão na sede, para que tarefas são enviadas para lá”, disse Ulyanov durante uma entrevista coletiva online na sexta-feira (19).
“Quando a missão pode acontecer, as previsões nem sempre são atendidas, mas, de acordo com meus sentimentos, podemos falar de forma bastante realista dos primeiros dias de setembro, a menos que alguns fatores fora dos objetivos ressurgirem”, disse Ulyanov.
Recentemente, uma declaração conjunta da União Europeia e outros 42 países, incluindo os Estados Unidos, pediu à Rússia que retirasse suas forças da usina.
No início de agosto, a AIEA chegou a alertar que partes da usina foram afetadas devido a ataques recentes, arriscando um potencial vazamento de radiação “inaceitável”.
Também no começo do mês, o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, pediu liberação para que inspetores internacionais tenham acesso a Zaporizhia.
“Qualquer ataque a uma usina nuclear é uma coisa suicida”, disse Guterres em entrevista coletiva no Japão, onde participava da Cerimônia do Memorial da Paz de Hiroshima para lembrar o 77º aniversário do primeiro bombardeio atômico do mundo.
Reações da comunidade internacional
Diante das incertezas que permeiam a situação na usina, um alto funcionário da defesa dos Estados Unidos criticou o papel da Rússia em relação à segurança das instalações nucleares da Ucrânia, afirmando que suas ações na região são “o auge da irresponsabilidade”.
“Esta é uma situação que o governo dos EUA em todo o conselho e a comunidade de segurança nacional estão observando muito, muito de perto. Estamos muito preocupados com operações militares dentro ou perto de qualquer uma das instalações de energia nuclear da Ucrânia e muito preocupados com qualquer relato de danos especificamente às linhas de energia Zaporizhia”, disse o funcionário na sexta-feira (19).
“Deixamos bem claro que lutar perto de uma usina nuclear é perigoso, é irresponsável e queremos que os combatentes e a Rússia operem com extrema cautela e não tomem ações que possam resultar em uma possível liberação radiológica”, disse o funcionário.
Já o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, informou que discutirá a questão com Putin depois de ter conversado com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky na cidade de Lviv.
“Discutiremos este assunto com o Putin, e pediremos especificamente a ele que a Rússia faça sua parte nesse sentido como um passo importante para a paz mundial”, disse Erdogan a repórteres em seu voo de volta de Lviv.
De acordo com o relatório da entrevista, Erdogan teria relatado que Zelensky pediu à Rússia para remover todas as minas da área.
Avaliação de especialistas
Apesar de a possibilidade de um desastre nuclear remeter a Chernobyl, especialistas afirmam que é improvável que o acidente de 1986 se repita em Zaporizhia.
O presidente da Sociedade Nuclear Europeia, Leon Cizelj, acredita que “não é muito provável que esta usina sofra danos”. Ele disse à CNN que, “no caso muito improvável de ser, o problema radioativo afetaria principalmente os ucranianos que vivem nas proximidades”, em vez de se espalhar por toda a Europa Oriental, como aconteceu com Chernobyl.
“Se usarmos a experiência passada, Fukushima pode ser uma comparação do pior cenário”, acrescentou Cizelj. Isso porque, apesar de grave, os danos causados pelo colapso na cidade japonesa em 2011 foram mais localizados.
Segundo especialistas, o pior cenário seria uma falha dos sistemas de segurança da usina, fazendo com que o reator nuclear aquecesse rapidamente.
“O principal perigo neste caso são os danos aos sistemas necessários para manter o combustível do reator frio: linhas de energia externas, geradores de emergência a diesel e equipamentos para dissipar o calor do núcleo do reator”, disse James Acton, codiretor do Programa de Política Nuclear do Carnegie Endowment for International Peace, à CNN.
“Em uma guerra, reparar este equipamento ou aplicar contramedidas pode ser impossível. Na pior das hipóteses, o combustível pode derreter e espalhar grandes quantidades de radioatividade para o meio ambiente”, acrescentou.