A Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine), criada em 2001, tornou-se a principal fonte de financiamento da produção de cinema no Brasil ao longo de duas décadas. Recolhem a contribuição os canais de televisão por assinatura, as teles e as produtoras. Os recursos arrecadados constituem a maior parte do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), cujo plano de investimento para fomento do setor é de R$ 1,22 bilhão em 2023.
Pode parecer muito dinheiro, mas para um país como o Brasil é pouco. Pelo menos é o que acredita o governo, que pretende ampliar a arrecadação incluindo os serviços de vídeo sob demanda (VoD) como recolhedores da Condecine. Isso significa taxar as plataformas de streaming — tais como Amazon Prime Video, Disney+ e Netflix, entre outros.
A cobrança consta em dois projetos de lei em discussão no Congresso: PL 8889/2017(Câmara) e PL 2331/2022 (Senado). Os projetos surgiram para incluir o streaming na Condecine, como ocorre com a TV paga. Mas evoluíram para uma intrincada regulamentação do VoD. Entre elas, a inclusão de redes sociais nas quais as pessoas postam vídeos — como Instagram, YouTube e TikTok. Essas redes podem entrar na dança da tributação com base na publicidade auferida com os vídeos.
Os relatores dos projetos, deputado André Figueiredo (PDT-CE) e senador Eduardo Gomes (PL-TO), travam uma pequena batalha de bastidores para aprovar a proposta sob seus cuidados. O texto que passar primeiro em uma das Casas do Congresso tende a ter prevalência sobre a proposta em tramitação. Ambos desejam aprovar os projetos nesta semana. Mas eles ainda não fecharam os relatórios e enfrentam pressão das plataformas e do governo.
Em paralelo à corrida pela palavra final sobre o VoD, o Ministério da Cultura (MinC) tenta convencer os parlamentares a mudarem trechos dos relatórios já apresentados. A pasta deseja que Gomes eleve a alíquota da Condecine para 4% – o senador definiu 3% sobre a receita bruta das plataformas. O ministério também quer reduzir de 70% para 50% o valor da contribuição que as plataformas poderão abater desde que destinem o recurso para produtoras independentes. Os produtores resistem, enquanto negociam um refinamento textual sobre a propriedade intelectual de obras feitas sob demanda dos streamings.
Já Figueiredo apresentou uma minuta informal de parecer. É o texto que mais desagradou o governo, as plataformas e os produtores. Todos os entes envolvidos dialogam com a equipe do deputado. Ele deve apresentar uma nova versão com alterações consistentes.
A falta de diálogo entre os relatores marca a tramitação dos projetos. Figueiredo sugeriu um teto de 4% de Condecine sobre o faturamento líquido das plataformas — Gomes, 3% sobre tudo o que entra antes do abatimento de impostos e custos operacionais das empresas. São universos com diferenças abissais. A definição da cota de conteúdo nacional obrigatório no catálogo dos streamings marca o dissenso entre os relatores. O senador sugeriu 10% de cota aplicada ao longo de 8 anos. O deputado sugeriu 20% em escala de 7 anos, sendo que metade da cota deve ser de “conteúdos independentes”.
Esta semana pode ser decisiva para a regulamentação do VoD. O texto de Gomes pode ser votado na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, onde tramita em caráter conclusivo. Se aprovado, segue para a Câmara — salvo se for convocado para ir ao plenário. Mas há resistências de senadores que apresentaram emendas. O relator terá de ser habilidoso para evitar um pedido de vista, o que daria a outro senador a prerrogativa de elaborar um parecer próprio para votação na comissão.
Figueiredo tem o desafio de: a) acomodar demandas do governo, plataformas e produtoras para apresentar um texto mais harmonioso para o plenário da Câmara; b) convencer o colégio de líderes a pautar o tema em meio aos debates sobre a reforma tributária e a agenda de arrecadação do governo. Ambas as tarefas podem exigir tempo e frustrar a expectativa de votação nesta semana.
Seja o desfecho neste ano ou no próximo, a regulamentação do VoD é daqueles temas inescapáveis ao Congresso. O consumo de conteúdo audiovisual por plataformas cresceu. É um negócio rentável, com diversas empresas ofertando planos de streaming ao consumidor brasileiro. A tributação sobre esse serviço vai ocorrer agora ou mais adiante. E, no final, como na parábola bíblica, não há imposto que não retire moedas da algibeira da viúva. As viúvas, no caso, são os milhões de assinantes. Então, prepare-se, a sua assinatura pode ficar mais cara.