Seria uma temeridade a primeira-dama, Janja Lula da Silva, assinar o documento emitido depois do encontro “Unidos pela paz na Palestina”, promovido pela primeira-dama da Turquia, Emine Erdogan, em Istambul. Janja enviou um vídeo para se fazer presente na reunião entre cônjuges de uma quinzena de líderes mundiais, na tentativa de fazer um apelo humanitário em nome da população da Faixa de Gaza (ela e a venezuelana Cilia Flores, mulher do ditador Nicolás Maduro, eram as únicas não muçulmanas).
O vídeo de Janja, depois publicado nas redes sociais, já se revela inadequado. “Esta é uma iniciativa inspiradora que nos convoca a unir nossas vozes por Gaza, pelo povo palestino e pela humanidade”, afirmou. “De acordo com a ONU, 70% das vítimas palestinas do conflito de Gaza são mulheres e crianças. Jamais imaginei que, no século XXI, depois da Segunda Guerra e de todos os seus horrores, teríamos de assistir ao massacre de bebês, de crianças e de jovens.”
Nenhuma palavra sobre os atentados do Hamas em 7 de outubro, cuja selvageria despertou a reação israelense. Nenhuma palavra sobre os três brasileiros vítimas dos terroristas — dois deles numa festa. Nem sobre os bebês mortos nos ataques ou sobre os mais de 200 reféns até hoje mantidos em poder do grupo terrorista. Em vez disso, um paralelo sem cabimento entre as ações de Israel e a barbárie nazista na Segunda Guerra, de teor ofensivo à memória das vítimas do Holocausto. Se o vídeo tivesse mencionado os horrores do Hamas, teria sido aceito?
É evidente que as mortes de civis em Gaza precisam parar, em especial as de jovens, mulheres e crianças. Todas elas são lamentáveis. É urgente o estabelecimento de corredores humanitários e interrupções nos combates que permitam a passagem de auxílio médico e alimentos, objeto da resolução tomada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas nesta semana. Janja diz que “o diálogo deve prevalecer sobre as armas”, mas omite — ou não sabe — que organizações terroristas não dialogam, matam.
Se no vídeo ela já revela uma preferência incompatível com a posição da diplomacia brasileira, assinar o documento seria temerário. Nem tanto pelo que o texto diz, mas pelo que não diz: a barbárie dos ataques do Hamas. Não é coincidência. O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, considera o Hamas um “movimento de resistência” legítimo e, depois dos atentados, chegou a receber em Ancara seu líder, Ismail Hanyeh, sem jamais ter condenado os atos de terrorismo.
A política externa do Brasil deve ser liderada pelo Itamaraty, sob o comando do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Primeiras-damas e primeiros-cavalheiros são bem-vindos em ações em prol de seus países, e Janja tem se destacado positivamente em algumas áreas. Mas precisam ter cautela para não interferir em princípios e interesses diplomáticos de suas nações. Janja deveria saber disso.
Créditos: O Globo.