Justificar o poder a partir de uma superioridade moral, e não pela qualidade das políticas públicas, é a tônica deste governo, diz Leonardo Barreto na Crusoé.
“No auge da Revolução Russa, um jovem soldado do Exército Vermelho entra numa loja de pulgas de um velho judeu em uma cidade qualquer do front. Como conhecidos, iniciam uma conversa sobre as razões do conflito: afinal, pergunta o ancião, se a Revolução é tão boa, ‘por que manda armas antes de si mesma’? Isto é, se o novo regime e estado de coisas é naturalmente tão superior ao que já existe, por que precisa ser imposto com violência?”
“O jovem entusiasta responde que nem mesmo o sol pode ser visto por aqueles que fecham fortemente os seus olhos e que os soldados estavam lá para “ajudar” a abri-los. O velho, então, diz que a Revolução requisitou sua radiola e, em resposta, ele disse que amava música e que aquilo não era possível. A Revolução lhe respondeu que ele não sabia realmente o que amava e que ela atiraria nele porque ela era a Revolução e ele entenderia que a Revolução não podia não atirar nele, porque atirar era da sua natureza.”
“O velho insiste e diz que a ordem que estava caindo atirava nele. E se a Revolução fizer o mesmo, ele não saberá mais quem é quem, pois quem estava saindo e quem estava chegando eram igualmente violentos. Que diferença faria para ele? Se a Revolução fosse boa, ela teria que trazer felicidade, evitaria transformar crianças em órfãos e seria feita por bons homens. E, assim sendo, ele não se importaria de entregar sua vitrola a bons homens, porque sua cidade precisava deles. Onde está a Doce Revolução?”
CrusoÉ