Ao custear uma viagem para Brasília de Luciane Barbosa Farias — mulher de um chefe de facção no Amazonas e conhecida como “dama do tráfico —, o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania pagou as passagens aéreas de ida e volta, entre Manaus e a capital federal, e também arcou com os custos referentes a três diárias. Ao todo, o desembolso de verba pública para que Luciane participasse do Encontro de Comitês e Mecanismos de Prevenção e Combate à Tortura, realizado nos dias 6 e 7 de novembro, foi de R$ 5.909,07.
A maior fatia ficou por conta do trajeto de avião entre Brasília e a capital amazonense: R$ 4.861,22. Já o montante relativo às três diárias foi de R$ 1.047,85. As informações constam no Painel de Viagens mantido pelo governo federal, que não fornece maiores detalhamentos das despesas.
Segundo o Ministério dos Direitos Humanos, o pagamento aconteceu após Luciane ter sido indicada para participar do evento em Brasília pelo Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Amazonas (CEPCT-AM), como representante local. De acordo com a pasta, ainda que o dinheiro que bancou os voos e diárias saia de sua verba, os colegiados estaduais têm “autonomia administrativa e orçamentária”.
Em nota divulgada quando o custeio veio à tona, o ministério informou que o Comitê de Prevenção e Combate à Tortura, por meio de ofício, solicitou às versões estaduais do órgão “que indicassem representantes para participação da atividade”. O texto afirma, então, que “o Comitê estadual do Amazonas, por sua vez, indicou Luciane Barbosa Farias como representante a participar do evento”, acrescentando em seguida que “todos os convidados tiveram suas passagens e diárias custeadas”.
No convite enviado pelo Comitê de Prevenção e Combate à Tortura aos colegiados estaduais, repassado ao GLOBO pela própria pasta comandada pelo ministro Silvio Almeida, constava que “as passagens e diárias do representante da sociedade civil indicados” seriam “integralmente custeadas” pelo Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania. Nesta quarta-feira, em postagem nas redes sociais, o ministro classificou o caso como uma “tentativa generalizada” de “fabricar escândalos” por parte de “extremistas de direita”.
Almeida afirmou no início da publicação que as revelações sobre Luciane — chamadas de “ataques difamatórios claramente coordenados” — teriam “como alvo central” o ministro da Justiça, Flávio Dino, um dos principais cotados à indicação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao Supremo Tribunal Federal (STF). “A ele manifesto minha solidariedade e justa admiração”, escreveu Almeida. O nome da “dama do tráfico” surgiu quando o jornal Estado de S. Paulo revelou agendas de Luciane com subordinados de Dino no ministério chefiado por ele.
‘O que tem de palpável contra essa pessoa?’
Presidente interina do CEPCT-AM, a advogada Natividade Maia defendeu, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo nesta quarta-feira, a escolha de Luciane para representar o órgão no encontro. A “dama do tráfico” dirige a Associação Instituto Liberdade do Amazonas (AILA), que, segundo Maia, cumpriu com todos os requisitos do edital para integrar o colegiado. Após o pedido do Ministério dos Direitos Humanos para que o comitê indicasse nomes para participar do evento em Brasília, a presidente interina diz que optou por contemplar membros que ainda não haviam participado de agendas do gênero.
— O que tem de palpável contra essa pessoa? Eu não tenho um único documento oficial, nada, que ligue essa jovem, essa mulher, à organização criminosa. O que acontece é a criminalização dos familiares dos presos — disse a presidente interina do CEPCT-AM à Folha.
Luciane foi condenada em segunda instância a 10 anos de prisão pelos crimes de lavagem de dinheiro, associação para o tráfico e organização criminosa, mas recorreu e responde em liberdade. Ela é mulher de Clemilson dos Santos Farias, o Tio Patinhas, chefe da facção amazonense, e, segundo o Ministério Público, desempenhou um papel essencial na ocultação de valores do tráfico movimentados pelo marido.
— A dona Luciane apresentou uma certidão negativa criminal, emitida pelo Tribunal de Justiça do Estado do amazonas, porque ela não tem uma sentença penal condenatória transitada em julgado — justificou Natividade Maia.
A advogada acrescentou que, por ser mulher de um preso, Luciane teria “lugar de fala” para tratar da situação da população carcerária:
— Ela, por ser mulher de um preso, tem lugar de fala para fazer a defesa dos direitos das pessoas encarceradas, porque lá dentro ocorrem muitas violações de direitos, tanto dos presos quanto dos familiares.
O Globo