Eu gostaria de entender qual foi a linha que o embaixador israelense no Brasil, Daniel Zonshine, cruzou ao encontrar-se com Jair Bolsonaro e deputados bolsonaristas na Câmara do Deputados. Dois dias antes, a embaixada havia convidado 300 parlamentares de todo o espectro político-ideológico para assistir ao vídeo do massacre perpetrado pelo Hamas em Israel, ocasião que propiciou o encontro que não estava previsto por Daniel Zonshine da forma que aconteceu. “Não estive na entrada da (sala onde ocorreu a reunião) para saber quem está chegando e quem não está chegando. Não foi nenhum encontro agendado dessa maneira. Não tem nenhuma história aqui. Não tem nenhuma causa política aqui”, disse ele à jornalista Raquel Landim.
Havia algum parlamentar do PT presente à sessão do vídeo? Não. Por quê? Porque o governo petista, bem de acordo com o antissemitismo professado pela esquerda mundial, acusa Israel de praticar genocídio em Gaza. Ou seja, acusa um estado democrático, atacado covardemente por terroristas que usam civis como escudos, de praticar crime contra a humanidade. Não é pouco, senhoras e senhores.
Acusações duras (e mentirosas) requerem respostas duras (e verdadeiras). Daniel Zonshine não está a passeio no Brasil, representa desde 7 de outubro um país em guerra declarada contra um grupo terrorista que o governo brasileiro não reconhece como grupo terrorista. Se Israel tivesse um primeiro-ministro de esquerda, e não o direitista Benjamin Netanyahu, as reações do seu embaixador aos destemperos do Palácio do Planalto e do partido que está no poder seriam as mesmas ou até mais enfáticas.
Daniel Zonshine tem sido tépido nas suas respostas. Ao comentar a nota do Itamaraty sobre o massacre de civis perpetrado pelo Hamas em território israelense, ele se limitou a dizer que faltou sensibilidade ao governo brasileiro por não ter classificado como terrorista o ato que cabe integralmente na definição de terrorismo.
Indagado sobre o comunicado desmiolado do PT sobre o conflito, no qual o partido afirma que Israel comete genocídio em Gaza — acusação repetida dias depois por Lula e nesta semana por Celso Amorim —, o embaixador de Israel foi elegante:
“Isso é maneira (de falar) de um partido que fala de direitos humanos? São direitos humanos matar crianças e estuprar mulheres? Esses são os valores que o PT apoia? O apoio aos palestinos é uma coisa, podemos discutir isso, mas apoiar o Hamas?”
O governo do PT recrimina também o fato de Daniel Zonshine ter participado de uma reunião com parlamentares do Grupo Parlamentar de Amizade Brasil-Israel, formado por muitos deputados críticos à postura do governo Lula em relação à guerra dos israelenses contra o Hamas. Chega a ser divertida, convenhamos, a ideia de que o embaixador de Israel não possa encontrar-se com o Grupo Parlamentar de Amizade Brasil-Israel.
Ainda em outubro, para mostrar o seu desagrado, o Palácio do Planalto mandou o Itamaraty convocar Daniel Zonshine para lhe passar um pito e deixar claro que as relações de Israel com o governo brasileiro estão estremecidas. Mas quem estremeceu as relações? Um país que acusa mentirosamente outro país de cometer crime contra a humanidade, delito de enorme gravidade, ou o país que se defende da acusação sem afirmar expressamente que o acusador é um mentiroso leviano?
Temos, ainda, a questão dos facínoras brasileiros que foram aliciados pelo Hezbollah libanês. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu foi quem anunciou que o Mossad, o serviço secreto israelense, ajudou a Polícia Federal a prender os integrantes da célula terrorista que atacariam entidades judaicas e sinagogas no Brasil. Daniel Zonshine disse, então, o óbvio à jornalista Eliane Oliveira:
“O interesse do Hezbollah em qualquer lugar do mundo é matar os judeus. Se escolheram o Brasil, é porque tem gente que os ajuda.”
O anúncio de Benjamin Netanyahu e a fala do embaixador fizeram o combativo ministro da Justiça brasileiro, Flávio Dino, subir no salto plataforma X, como se o governo de Israel tivesse usurpado a soberania do Brasil, porque o político Benjamin Netanyahu explorou o fato politicamente (pois é, nenhum político faz isso) e houvesse implicações ideológicas na cooperação policial entre os dois países.
Entre outras delicadezas, o ministro postou que “nenhuma força estrangeira manda na Polícia Federal do Brasil e nenhum representante de governo estrangeiro pode pretender antecipar resultado de investigação conduzida pela Polícia Federal, ainda em andamento”.
Também escreveu que “quando legalmente oportuno, a Polícia Federal apresentará ao Poder Judiciário do Brasil os resultados da investigação técnica, isenta e com o apoio em provas analisadas EXCLUSIVAMENTE pelas autoridades brasileiras”. Espera-se que o grito em maiúsculas do Ipiranga não resulte na liberdade dos terroristas sob os auspícios do notável Estado de Direito em vigor no país.
Por fim, temos a questão dos cidadãos brasileiros que ainda estão em Gaza. Pode ser que, quando este artigo estiver publicado, eles já tenham conseguido passar pela fronteira com o Egito — que é controlada pelos egípcios, veja só. Acusa-se Israel, que inspeciona com a concordância do Egito a saída de estrangeiros do enclave palestino, de estar segurando os brasileiros.
Não é bem segurar. A fronteira abre e fecha a depender das circunstâncias, e a saída é a conta-gotas para todo mundo, porque o exército israelense verifica se há infiltrados do Hamas entre os estrangeiros nem tão estrangeiros, estrangeiros de passaporte.
Dito isso, ninguém precisa se preocupar mais do que o necessário: os diplomatas de verdade trabalharam para superar as dificuldades criadas por Celso Amorim e os seus ideólogos e, daqui a pouco, os brasileiros de passaporte chegarão ao Bananão, dando graças a Deus de estarem neste país abençoado de 47,5 mil homicídios por ano.
Lula poderá, assim, fazer a sua política com o resgate, da mesma forma que Benjamin Netanyahu fez a dele com os brasileiros do Hezbollah. Celso Amorim e os seus ideólogos: certamente, os refugiados teriam tido mais atenção de Tel-Aviv se o governo brasileiro não fosse tão hostil a Israel, mas ninguém segura ninguém, só não temos a preferência por estarmos na segunda classe. É desse jeito que o mundo funciona, sabe?
O embaixador Daniel Zonshine está sendo fritado pelo Palácio do Planalto, via Itamaraty. “Perdeu a condição de ser interlocutor” é a frase dita em Brasília. Pode ser que, diante da pressão, Israel ache por bem que ele volte para Tel-Aviv. A qualquer tempo, contudo, o embaixador merece ser condecorado por ter servido em um país cujo governo acha que judeu bom é judeu que suporta tudo calado.
Créditos: Metrópoles.