O Senado vota na tarde desta terça-feira (7) o Projeto de Lei (PL) 3.045/2022, que institui a Lei Orgânica Nacional das Polícias Militares (PM) e dos Corpos de Bombeiros Militares (CBM) dos estados e do Distrito Federal, após 20 anos de tramitação. A norma limita as manifestações políticas de policiais militares e bombeiros, além de especificar cotas para mulheres e exigir ensino superior para o ingresso nas corporações. Se for aprovada pelos senadores, irá à sanção presidencial.
A proposta, relatada pelo senador Fabiano Contarato (PT-ES), tem o apoio de associações de classe, como a Federação Nacional de Entidades de Oficiais Militares Estaduais (Feneme), e estabelece as diretrizes gerais das corporações, mantendo os detalhes da organização da PM e do CBM para os governadores.
Entre essas regras gerais, um dos pontos mais controversos é o veto à participação de oficiais fardados em manifestações político-partidárias, bem como a divulgação de opiniões políticas em redes sociais por oficiais fardados, nas quais exibam suas armas, ou veículos e imagens das corporações, por exemplo. O texto também proíbe a filiação a partidos políticos durante o exercício de função na PM ou nos bombeiros.
A mudança chega em um momento de maior representatividade de candidatos vindos da PM e dos Bombeiros na Câmara dos Deputados. Ao todo, são 18 representantes de ambas as corporações.
O coronel Marlon Jorge Teza, presidente da Feneme, entende que os limites impostos aos membros da PM são constitucionais e que não enxerga um impacto negativo em candidaturas de policiais militares a cargos como vereador, deputado e senador, por exemplo.
Ele argumenta que a Constituição Federal submete todos os militares, incluindo as Polícias Militares estaduais e do DF e os Corpos de Bombeiros Militares, a regras especiais, diferentes daquelas seguidas pelos agentes públicos civis, como o Código Penal Militar com julgamento pela Justiça Militar, a não filiação a partidos políticos ou sindicatos, e não ter direito a habeas corpus por prisão disciplinar, dentre outros. E sobre as candidaturas, ele pontua que o policial militar pode participar da convenção partidária sem se vincular necessariamente ao partido e, somente depois de sua candidatura ser legitimada na convenção, terá de deixar o cargo que ocupa na PM ou CBM. “Não há proibitivas, há limitações com regras diferenciadas dos civis”, afirma.
O coronel da PM-RJ Fábio Cajueiro, que é presidenteda Associação Beneficente Heróis do Rio de Janeiro (ABHRJ), compartilha desseentendimento e afirma que a manifestação política portando trajes militaressempre foi ilegal. “É justa [a restrição], pois a farda deum militar é um símbolo permanente de poder do Estado, de hierarquia edisciplina, independente de correntes, tendências e modismos políticostemporários”.
André Marsiglia, advogado constitucionalista e especialista em liberdade de expressão, também considera que o veto às manifestações políticas não é inconstitucional, já que a Constituição permite que a liberdade de expressão seja limitada, desde que a limitação não seja indevida. “Coibir a fala pessoal de um militar fardado para que não se confunda com o pensamento da instituição é possível, não se trata de uma ilegalidade”, afirma.
No entanto, Marsiglia sinaliza que a arma deum policial não simboliza a instituição, da mesma forma que imagens deviaturas, armamentos e insígnias despersonalizadas. Elas podem ser utilizadaspor qualquer pessoa, militar ou não, em vídeos das redes sociais sem que issose confunda com uma fala institucional.
Nesse sentido, o especialista avalia que as limitações de participação em manifestações coletivas de caráter político partidário portando arma ou fardado e nas redes sociais usando fardamento incorrem em “restrição indevida da liberdade de expressão do militar”.
Ainda sobre a participação na política, o projeto de lei permite que, após o exercício do mandato, o policial militar ou bombeiro poderá se reintegrar à corporação, o que atualmente é vetado.
Secretarias de Segurança Pública são de responsabilidade dos governos estaduais
Uma crítica levantada por algumas entidades não governamentais é de que o projeto facilitaria a extinção de Secretarias de Segurança Pública (SSP) estaduais. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a nova lei abriria essa brecha para a extinção, pois determina que a administração da instituição seja feita pelo comandante-geral da Polícia Militar.
Mas não é isso que o texto afirma. O artigo 29do PL estabelece que “os comandantes-gerais das polícias militares e doscorpos de bombeiros militares dos Estados, do Distrito Federal e dosTerritórios […] serão responsáveis, no âmbito da administração direta, peranteos governadores das respectivas unidades federativas e Territórios, pelaadministração e emprego da instituição”.
Ou seja, o artigo se refere à administração daPM e do CBM – que segue sob a tutela de seus altos comandantes, como atualmenteacontece. No caso dos governadores que queiram criar e instituir uma SSP emseus estados, o comando da secretaria é de escolha do governador.
“Cada estado cria sua estrutura como bementender, inclusive com ou sem SSP, se desejar. O que a nova lei faz é repetiro que está disposto no parágrafo 6° do Art 144 da Constituição Federal, onde éposto que tais instituições são subordinadas ao governador e que ele é ochefe”, explica Teza.
Exigência de nível superior para ingresso nas corporações
Outro ponto discutido da nova lei é a exigência de curso superior para ingresso na PM ou no CBM. Atualmente, muitas estados já preveem tal exigência. Um mapa elaborado pela Feneme (abaixo) mostra que 15 dos 26 estados brasileiros já optam pelo ingresso de oficiais da PM como bacharéis em Direito (os estados em verde).
As sete unidades da Federação, incluindo oDistrito Federal, em amarelo exigem conclusão de qualquer curso superior paraingresso na corporação, e nos cinco estados em vermelho há a necessidade daconclusão do ensino médio.
Já o ingresso para praças da PM é menos exigente atualmente, sendo que 14 unidades da federação, incluindo o DF, requerem formação em qualquer curso superior completo, enquanto outras 13 solicitam o ensino médio.
A aplicação da regra sobre a exigência de nível superior não será imediata, pois a lei prevê prazo de seis anos para a implementação total em todo o país.
Verde – estados onde é solicitado curso superior em direito para ingresso como oficial da PM;Amarelo – UFs onde é requerido qualquer curso superior para PMVermelho – estados que solicitam ensino médio para admissão na PM
Verde – estados onde é solicitado curso superior em direito para ingresso como oficial da PM;Amarelo – UFs onde é requerido qualquer curso superior para PMVermelho – estados que solicitam ensino médio para admissão na PM| FENEME
Limitação ou impulso à participação feminina?
O texto do PL também determina que “fica assegurado, no mínimo, o preenchimento do percentual de 20% das vagas nos concursos públicos por candidatas do sexo feminino, na forma da lei do ente federado, observado que, na área de saúde, as candidatas, além do percentual mínimo, concorrem à totalidade das vagas”.
O percentual foi estipulado com base na participação feminina nas PMS e CBMS no país. Estudo realizado pela Feneme mostra que, atualmente, as mulheres ocupam entre 10% e 12% dos quadros na PM e no CBM no Brasil.
Em outros países, a participação feminina nas polícias também está abaixo de 20% do contingente total, com Holanda e Rússia como exceções, com 22% e 21%, respectivamente. Estados Unidos e Argentina estão no mesmo patamar do Brasil, com 12,6% e 12%.
Algumas nações se aproximam da futura meta brasileira de 20%, como Canadá, Alemanha e Chile, com 19,5%, 19% e 17%, seguidos pela Gendarmaria Nacional francesa e a polícia da Finlândia, com 16% e 15%. Portugal e Itália têm índices bem abaixo dos brasileiros, com 6,5% e 4,5% das forças integradas por mulheres.
“No atual estágio evolutivo em que estamos, não cabem mais discriminações ou estabelecimentos de percentuais baseados em critérios e achismos frágeis e duvidosos. Penso que o concurso deve ter exigências físicas e mentais iguais, independente de sexo. E o treinamento idem”, afirma Cajueiro.
PM e Corpo de Bombeiros acatam Lei Orgânica
Apesar dos pontos controversos, a nova lei está sendo bem recebida por entidades de classe ouvidas pela reportagem. “A atualização de uma lei orgânica sempre é conveniente e bem-vinda, no sentido de evolução, progresso e adaptação às novas demandas”, afirma o coronel Cajueiro.
Os policiais militares são regidos até hoje pelo Decreto-Lei 667, de 1969, e o projeto de lei em análise nesta terça está tramitando há 22 anos no Congresso Nacional, tendo sido apresentado durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em 2001.
O coronel Marlon Teza, da Feneme, afirma que a nova lei é saudada por modernizar a organização das corporações e por trazer amparo legal e segurança jurídica para a existência e a atuação das polícias militares e dos corpos de bombeiros, ao estabelecer princípios, diretrizes, competências, direitos, deveres e vedações a ambas as instituições.
Créditos: Gazeta do Povo.