Dez anos após ser preso em operação da Polícia Federal contra desvios milionários de dinheiro federal por meio de uma ONG, um servidor aposentado agora é contratado de duas ONGs para gerir projetos com R$ 11,7 milhões em verba federal.
Durante a Operação Esopo, em setembro de 2013, Geraldo Riesenbeck —à época coordenador de contratos e convênios do Ministério do Trabalho— teve a prisão temporária de cinco dias decretada pela Justiça Federal de Minas Gerais.
O UOL teve acesso a parte de um relatório da PF que apontou indícios dos crimes de peculato, corrupção passiva, falsidade ideológica, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha supostamente praticados por Riesenbeck.
Prejuízo de R$ 55 milhões. O IMDC (Instituto Mundial de Desenvolvimento da Cidadania) —ONG já extinta com sede em MG— foi acusado de não executar e superfaturar serviços bancados com recursos de convênios do Ministério do Trabalho. À época, o prejuízo foi calculado em ao menos R$ 55 milhões.
Segundo a PF, Riesenbeck “orientou e auxiliou o IMDC, como se funcionário dele fosse, no sentido de ‘limpar’ seu nome [da ONG] e permitir que continuasse recebendo recursos públicos, apesar de todas as irregularidades praticadas”. A PF também afirmou à época ter investigado suposto recebimento de suborno pelo então servidor do Ministério do Trabalho.
Riesenbeck alega ter sido injustiçado e diz nunca ter sido notificado ou intimado em qualquer ação penal. Ele encaminhou à reportagem certidão da Justiça Federal de MG informando que não responde a nenhum processo.
O processo relativo à Operação Esopo tramita até hoje em segredo de Justiça. Procurados pelo UOL, a PF não se manifestou e o Ministério Público Federal em MG informou que não localizou processo envolvendo Riesenbeck.
De dois anos para cá, o funcionário aposentado do Ministério do Trabalho vem atuando do outro lado do balcão e administra ao menos quatro projetos de duas ONGs, com recursos da Universidade Internacional da Integração da Lusofonia Afro-Brasileira e do Ministério da Agricultura.
Uma das ONGs que contratou Riesenbeck, o IDS (Instituto de Desenvolvimento Socioambiental), também emprega com verba federal ao menos outros dois investigados —um servidor demitido do Ministério do Trabalho por improbidade administrativa e um ex-consultor do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) suspeito de facilitar o recebimento de verbas federais por prefeituras do Maranhão.
Emenda de Soraya Thronicke
As duas entidades que contrataram Riesenbeck nos últimos anos são o ITT (Instituto Terra e Trabalho) —com sede em Brasília— e o IDS, localizado em Cachoeiras de Macacu, na região metropolitana do Rio. Ambas têm como foco projetos para capacitação de pequenos produtores rurais.
Do fim de 2021 até hoje, essas ONGs receberam R$ 33,7 milhões do governo federal.
Sem fins lucrativos, as ONGs funcionam como canal para a subcontratação de empresas —a partir de pesquisa de preços com fornecedores que as próprias ONGs escolhem— e pessoas físicas, que dizem passar por análise de currículo e entrevista.
A contratação mais recente de Riesenbeck foi feita pelo IDS para que ele atue como coordenador-geral de um projeto de realização de feira agropecuária, concurso de merendeiras e capacitação de produtores locais, na cidade de Naviraí (MS).
A ONG afirmou que não tinha conhecimento de que o contratado havia sido preso na operação da PF em 2013. Mas que, após ser informada pelo UOL, questionou o funcionário, que “esclareceu que o processo foi arquivado inocentando o réu”.
O contrato, assinado em agosto, prevê que ele receba R$ 9.600 mensais por oito meses. Uma de suas principais funções é atestar a realização de serviços por empresas e outras pessoas físicas para que elas possam receber os pagamentos.
Por esse projeto em Naviraí, o IDS recebeu do Ministério da Agricultura R$ 7,5 milhões. O destino dos recursos foi indicado por uma emenda da senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS).
Em nota, a parlamentar disse que chegou à entidade “por meio de sua assessoria” e que não tem conhecimento das pessoas contratadas pela ONG, que prestará contas ao Ministério da Agricultura.
A pasta, por sua vez, alegou que não teve ingerência sobre a escolha da entidade, já que se tratou de uma emenda impositiva da senadora -quando o parlamentar aloca recursos para um projeto específico, sem a necessidade de aprovação do Executivo.
Quase R$ 800 mil em contratos
Ao todo, a empresa de Geraldo Riesenbeck já assinou contratos que somam R$ 785 mil com o IDS e o ITT.
Além da coordenação de projetos paga com remuneração mensal, a empresa dele, G. Riesenbeck Consultoria, recebeu 85% do valor de um convênio do IDS com a Universidade Internacional da Integração da Lusofonia Afro-Brasileira.
Dos R$ 705 mil, R$ 599 mil foram destinados à firma de Riesenbeck para a realização de um projeto de capacitação de 150 assentados na Bahia.
A universidade federal afirmou que faz chamamentos públicos para selecionar as ONGs e que acompanha a execução dos projetos “quanto a suas finalidades e objetos a serem cumpridos dentro daquilo que se estabelece para a excelência do serviço público”.
Contratações de outros investigados
Além de Riesenbeck, ao menos outros dois investigados foram contratados pelo IDS com os recursos do convênio com o Ministério da Agricultura.
Um deles é Ricardo Alves Monteiro, que também receberá R$ 9.600 mensais por oito meses por um cargo de direção no projeto em Naviraí.
Ele tem passagem como coordenador de contratos e convênios do Ministério do Trabalho entre 2015 e 2017 —mesma função exercida por Riesenbeck quando foi preso em 2013.
Monteiro, que também foi contratado em mais dois projetos com recursos federais da ONG, foi alvo de um processo disciplinar do ministério, concluído em outubro, que culminou com a sua demissão do serviço público por ato de improbidade administrativa.
Procurada pelo UOL, a pasta informou que o ex-funcionário foi demitido “em função de um episódio de distribuição de recursos do Codefat [Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador] a estados e municípios, sem qualquer critério ou metodologia e ao arrepio da norma que rege essa distribuição”.
Monteiro disse que estuda recorrer da decisão, que considera “contraditória pois, ao mesmo tempo que reconhece que eu não tinha responsabilidade pelo ato, no final manifestou pela demissão”.
O IDS ainda está repassando R$ 3,2 milhões à DNL Serviços LTDA., empresa com sede em São Luís (MA), para a organização de feira para cem produtores rurais e um evento chamado “Cozinha Show” em Naviraí.
Aberta em agosto de 2022, a firma pertence a Darwin Einstein Nogueira de Lima. Em abril do ano passado, reportagem do Estadão mostrou que, enquanto foi consultor do FNDE na gestão Bolsonaro, uma empresa dele de assessoria técnica faturou ao menos R$ 2,4 milhões para facilitar o recebimento de verbas federais por prefeituras do Maranhão.
A Comissão de Educação do Senado chegou a convocá-lo para dar explicações sobre o caso, mas ele não compareceu. O TCU (Tribunal de Contas da União) informou ao UOL que Lima é investigado no âmbito de um processo que apura irregularidades nas gestões financeira, orçamentária e operacional do Ministério da Educação e do FNDE.
Lima disse que não recebeu até o momento notificação sobre investigação do TCU e que seu serviço para o IDS está “de acordo com a legalidade que exige a legislação vigente”.
Chefe de gabinete de órgão federal
O IDS também assinou três contratos com empresas de Rafael Henrique Severo, em um valor total de R$ 6 milhões em verba federal.
Ele é o atual chefe de gabinete da Sudeco (Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste), do Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional.
O órgão federal, por sua vez, está sob o comando da ex-deputada Rose Modesto (União Brasil-MS), que destinou uma emenda de R$ 3,6 milhões no ano passado para a ONG.
O convênio relativo a esses recursos foi assinado este ano pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, e a verba ainda não começou a ser executada.
Por meio da assessoria de imprensa da Sudeco, Severo disse que foi contratado pelo IDS por cotação de preços e que não há conflito com o cargo público atual, pois a superintendência não tem contratos com a ONG.
“Não houve influência de Severo na destinação da emenda, pois ele não trabalhava comigo na época que a destinei, em 2022, ou seja, não possuíamos qualquer tipo de vínculo”, afirmou Rose Modesto.
UOL