Desde que foi criado, em 1962, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) cumpre um papel vital para a economia brasileira. Entre outras atribuições, a autarquia federal tem a missão de zelar pela livre concorrência no mercado, um conceito indissociável das sociedades capitalistas. Na prática, é o órgão que fiscaliza movimentos de fusões e aquisições, investigando se eles interferem na competição dentro de um determinado setor. Também é dever do Cade julgar a existência de cartéis, monopólios e oligopólios e, se for o caso, impedir que prosperem. Não há, portanto, ambiente de negócios saudável sem a supervisão de uma entidade desse tipo. Por isso mesmo, surpreende o inexplicável descaso do governo Lula na gestão do Cade, como se o Conselho não fosse indispensável para o país.
Neste mês de novembro, e provavelmente ao menos nas semanas seguintes, o Cade ficará impossibilitado de realizar julgamentos. Com o final do mandato de um de seus conselheiros, apenas duas das cadeiras do Conselho permanecerão ocupadas. Para realizar as tradicionais sessões de análise de transações corporativas, o órgão precisa de no mínimo quatro representantes — o presidente, cargo ocupado atualmente por Alexandre Macedo, e mais três conselheiros. A partir de agora, contudo, não haverá quórum suficiente para realizar os trabalhos. “A situação é mais grave considerando que estamos no final do ano, um período em que muitas empresas buscam concluir operações para se beneficiar no exercício fiscal”, diz o ex-presidente do Cade Gesner Oliveira, atualmente sócio da consultoria GO Associados.
Em 2023, o Cade analisou até agora 460 operações, o que dá a dimensão de sua relevância. “Projetamos que, até o encerramento do ano, entre 80 e 100 transações possam ser afetadas pela ausência da nomeação de, no mínimo, um conselheiro”, afirma Luis Nagalli, advogado de direito concorrencial do escritório Madrona Fialho Advogados. Conforme as normas vigentes, a indicação do conselheiro deve ser feita pela Presidência da República. Depois, o profissional é sabatinado pelo Senado — e só então poderá assumir as funções administrativas.
O modelo abre margem para negociações políticas, com o Senado reivindicando a possibilidade de indicar nomes e influenciar a composição do Conselho — um toma lá dá cá típico da rotina em Brasília. Segundo a GO Associados, entre os cotados para assumir as vagas pendentes estão sete advogados e duas economistas. Enquanto Lula não se mobilizar, o Cade permanecerá sob abandono. Pelos cálculos da GO, o tempo médio entre indicação e aprovação dos conselheiros é de 72 dias. Como ficarão os casos pendentes nesse período? Provavelmente, deixarão de ser julgados. Procurado pela reportagem, o governo federal não se pronunciou.
Nos últimos anos, o Cade julgou vários casos rumorosos. Após duas décadas de idas e vindas e inúmeras decisões judiciais, o órgão aprovou, em junho passado, a compra da Garoto pela Nestlé. O negócio foi fechado em 2002, mas acabou sendo vetado pelo “excesso de concentração” no mercado brasileiro de chocolates. Ainda assim, a Nestlé deverá cumprir algumas regras, como não comprar outras marcas que detenham mais de 5% do setor. O caso foi um dos mais longos da história a tramitar nessa instância. Um exemplo recente do papel do Cade foi oferecido na semana passada, quando determinou que a compra da empresa de turismo Maxmilhas pela 123milhas seja encaminhada para análise. A 123milhas, ressalte-se, é a empresa acusada de operar no sistema de pirâmide e não entregar as passagens aéreas compradas pelos consumidores. O Cade, aponte-se mais uma vez, é uma instituição fundamental para a existência de um ambiente de negócios saudável no país. Ignorar isso é um erro que o governo Lula não deveria cometer.
Créditos: VEJA.