A Operação Acolhida, que recebe refugiados da ditadura venezuelana, tem tido um papel de cada vez menos destaque no primeiro ano do mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Fontes ligadas à operação informaram que o assessor especial do presidente para assuntos internacionais, Celso Amorim, teria pedido “discrição” sobre a operação, que já recebeu mais de 112 mil venezuelanos que fugiram da pobreza extrema, da fome e da perseguição política em seu país.
A ideia é não constranger o governo do ditador Nicolás Maduro, um dos principais aliados de Lula na América Latina. O presidente brasileiro já relativizou a tirania do país vizinho chamando de “narrativa” a perseguição política, as prisões e os assassinatos de opositores realizados pela ditadura comunista venezuelana.
Não há postagens no X (antigo Twitter) desde março deste ano. Nem mesmo páginas oficiais do governo têm feito atualizações das informações sobre o programa em suas contas nas redes sociais. Uma busca avançada pelas contas do Itamaraty, da Casa Civil (responsável por coordenar o projeto), da Secom e do Governo Federal na plataforma mostram uma discrepância de publicações sobre o programa entre os governos de Lula e do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Levantamento feito pela reportagem mostra, por exemplo, que o Twitter do Exército Brasileiro não fez nenhuma postagem sobre a operação nos últimos dez meses. No ano passado, durante o mesmo período, 15 postagens foram feitas. Ainda no Twitter, o perfil do Ministério da Defesa fez apenas duas postagens sobre o projeto, sendo a última datada de maio — no mesmo período em 2022, há registro de dez publicações.
No perfil do presidente Lula, a Operação Acolhida nunca foi mencionada desde que ele assumiu o mandato presidencial em janeiro. Somente neste ano, o ex-presidente Jair Bolsonaro divulgou dados da operação quatro vezes. Entre janeiro e outubro de 2022, o ex-presidente fez dois tweets sobre a ação em sua conta pessoal.
Páginas do governo têm priorizado programas da atual gestão e não citam Acolhida
Navegando pelo Instagram dos órgãos oficiais do governo também é perceptível que há pouco espaço para a Operação Acolhida. No perfil do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, que atualmente é o responsável por atualizar os dados da operação em seu site, há apenas duas publicações citando o projeto. Programas sociais como o Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida têm dezenas de postagens.
Entre janeiro e outubro, por exemplo, o Instagram do Ministério do Desenvolvimento teve ao menos 35 postagens direcionadas para o Bolsa Família, além de 48 posts no Twitter citando o programa. O mesmo órgão, nos últimos dez meses, fez apenas uma postagem sobre a Operação Acolhida em seu perfil no Twitter.
Lula nunca mencionou o projeto que ajuda refugiados venezuelanos no Brasil, mas já fez 43 posts sobre o Bolsa Família em sua página no Twitter. Algo parecido é observado na página da Secretária de Comunicação do Governo Federal: ao menos 50 posts citando o Bolsa Família no Twitter e nenhum sobre a Operação Acolhida nos últimos dez meses.
Questionados pela reportagem, a Casa Civil explicou que a atualização do Twitter da Operação está suspensa “por uma questão de reorganização do setor”, mas que “todos os informativos estão em veiculação no perfil do Instagram”. A pasta ainda informou que as redes do projeto são atualizadas pela FT Logística Humanitária, um componente militar do Exército Brasileiro.
A intenção, contudo, conforme revelaram fontes à Gazeta do Povo, é dar menos visibilidade ao número de pessoas que têm fugido da Venezuela. Presidido pelo ditador Nicolás Maduro, o governo venezuelano é acusado de crimes contra os direitos humanos, de fazer presos políticos e até de torturar opositores. Para fugir da crise na Venezuela, milhares de pessoas cruzam a fronteira do país em direção ao Brasil com o intuito de ter acesso a condições básicas de vida.
Crise na Venezuela resultou em mais de 7 milhões de refugiados
Informações do Portal da Imigração, de responsabilidade do Ministério da Justiça e Segurança Pública, mostram que o número de venezuelanos que migraram para o Brasil pouco mudou neste ano em relação ao ano passado. Somente em agosto deste ano, 2.869 venezuelanos pediram reconhecimento da condição de refugiado ao Brasil, informou o OBMigra.
Os nascidos na Venezuela ainda são os que mais pedem asilo ao Brasil. Ao todo, foram registrados 5.106 pedidos de imigração pelo Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra) em agosto – mais da metade são venezuelanos.
De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), o número total de refugiados venezuelanos que deixaram o país em direção a diferentes nações é de aproximadamente 7 milhões. O país tem cerca de 30 milhões de habitantes.
Além da violência política, a onda de imigração é causada por fome, hiperinflação e altas taxas de crime e mortalidade.
O presidente brasileiro ainda tentou sair em defesa do ditador venezuelanos dizendo que o país tem “mais eleições que no Brasil”. O ditador venezuelano, contudo, é acusado de manipular as eleições presidenciais para não deixar o cargo de presidente, o qual ocupa há mais de dez anos.
EUA e Venezuela fecharam acordo que pode aliviar economia venezuelana
Em outubro, os Estados Unidos fecharam um acordo com Maduro para começar a aliviar sanções econômicas contra a Venezuela em troca do comprometimento do presidente de realizar eleições livres em 2024.
Washington vem cogitando retirar as sanções econômicas contra o país para tentar aliviar a pressão mundial sobre o preço do petróleo. O mercado está pressionado desde que a Rússia invadiu a Ucrânia em 2022 e o petróleo do país de Vladimir Putin parou de ser comprado por diversas nações do Ocidente.
Joe Biden pediu que haja o fim das inabilitações de políticos e a liberação de “presos políticos”. Empresas americanas já receberam autorização para voltar a operar na exploração de petróleo no país. O acordo ainda contou com apoio diplomático do Brasil.
O assessor de assuntos especiais de Lula, Celso Amorim, foi enviado à Venezuela e fez reuniões com Maduro e seus opositores. A ideia era que o ditador venezuelano pudesse chegar a um consenso sobre as eleições para que o acordo com o EUA pudesse ser fechado. O presidente brasileiro comemorou a pausa nos embargos ao país vizinho.
“Recebi com satisfação a notícia de que o governo dos EUA retirou sanções contra a Venezuela, depois que o governo e a oposição venezuelanos assinaram um acordo para eleições justas no ano que vem. Sanções unilaterais prejudicam a população dos países afetados e dificultam processos de mediação e resolução de conflitos”, disse Lula.
Em anúncio feito pelo gigante norte-americano, o chefe da diplomacia americana, Antony Blinken, disse que ficou acordado que a Venezuela deve “definir um calendário e um processo específicos para a habilitação acelerada de todos os candidatos” até o final de setembro. Além disso, Blinken afirmou que todos que “desejam se candidatar devem ter a oportunidade e o direito à igualdade de condições eleitorais, à liberdade de movimento e a garantias para a sua segurança física”. Em caso de não cumprimento por parte do governo venezuelano, os EUA reverterão o plano de suspensão de sanções.
A Operação Acolhida ajudou 100 mil venezuelanos que chegaram ao Brasil
Criada em 2017, durante o governo do então presidente Michel Temer (MDB), a Operação Acolhida nasceu com a intenção de lidar com uma grande onda de imigrantes venezuelanos que poderia desestabilizar regiões do Brasil. Devido à crise econômica e política no país, centenas de pessoas atravessam a fronteira da Venezuela diariamente em direção ao Brasil em busca de melhores oportunidades de vida.
Em alguns casos, há chefes de família que vêm para o Brasil deixando os parentes na Venezuela, mas o plano é trazer o resto da família após se estabelecerem. Ao chegarem, essas famílias venezuelanas recebem apoio da Operação Acolhida e são encaminhadas para viver com o parente já estabelecido em território brasileiro. Esse processo, contudo, pode levar meses e essas famílias passam longos períodos separadas. Mas, para a maioria delas, esse tempo de afastamento pode valer a pena, já que o reencontro é sinônimo de uma vida melhor e mais confortável longe da ditadura venezuelana.
A crise migratória na Venezuela é reflexo da falta de oportunidades no governo de Maduro. Sem emprego, sem acesso à saúde ou a condições básicas de vida, como alimentação, a maioria dos venezuelanos é registrado em condição de vulnerabilidade social.
Além disso, ao virem para o Brasil, alguns desses refugiados relatam o desejo de fugir da opressão imposta pela ditadura venezuelana, que é acusada de prender, perseguir e torturar quem se opõe ao regime de Maduro. Em solo brasileiro, esses imigrantes procuram atendimento médico, assistência social e acesso a programas de transferência de renda, como o Bolsa Família.
O foco da assistência emergencial aos refugiados da Acolhida é Roraima, estado que faz fronteira com a Venezuela. Os venezuelanos são recebidos nas cidades de Boa Vista e Pacaraima, municípios que concentram o fluxo de imigrantes.
O programa realoca os refugiados para outras regiões do Brasil com a intenção de lhes oferecer “integração social, econômica e cultural”, conforme informa o próprio site.
Após cruzarem a fronteira, os refugiados têm acesso à assistência básica de saúde e alimentação, são registrados e têm documentos emitidos pelo governo brasileiro. Ao fim deste primeiro contato, todos são direcionados a abrigos emergenciais ainda em Roraima.
De Roraima, esses imigrantes são levados para outras regiões do país: cidades com oportunidades de emprego ou para locais onde amigos e familiares já foram interiorizados. Em alguns casos, o encaminhamento é feito para regiões onde os imigrantes venezuelanos vão poder trabalhar quase que de forma imediata. Todos esses processos são assistidos pelo Governo Federal. Por meio da participação da sociedade civil e empresas, os imigrantes ainda contam com acesso a cursos preparatórios, de capacitação e profissionalizantes.
Desde o início da Acolhida, aproximadamente 112 mil venezuelanos passaram por esse processo de interiorização. A estratégia de enviá-los para outras regiões do país também tem o intuito de desafogar o Norte brasileiro, que tem visto seus serviços de apoio à população sobrecarregados devido à crise migratória na Venezuela.
As cidades brasileiras que mais receberam imigrantes foram São Paulo (SP), Curitiba (PR), Chapecó (SC), Dourados (MS) e Manaus (AM). Além disso, quase mil cidades brasileiras foram destinos desses imigrantes.
Gazeta do Povo